O Competidor (2023)

A crítica pela metade

título original (ano)
The Contestant (2023)
país
Reino Unido
linguagem
Documentário
duração
90 minutos
direção
Claire Titley
visto em
29ª Festival É Tudo Verdade (2024)

O documentário parte de uma premissa extraordinária, e pouco conhecida deste lado do globo. Anos antes do Big Brother e de outros reality shows de sucesso, o Japão efetuou uma experiência semelhante na televisão pública. Escolheu um humorista por acaso, prendeu-o num quarto sem roupas nem alimentos, e disse que precisaria se sustentar apenas com prêmios recebidos por meio de cupons de revistas. Nasubi passou onze meses fechado no local, sem qualquer contato humano. Uma vez reunida a soma estipulada pelos produtores, foi liberado, apenas para o jogarem novamente em um quarto parecido na Coreia do Sul.

A condição em que se encontrava o protagonista era chocante. Passou fome, teve pensamentos suicidas, e sofreu com a solidão, ignorando a data para o fim de seu calvário. Embora soubesse que estava sendo filmado, recebeu a promessa de que as imagens não seriam utilizadas imediatamente, e talvez jamais fossem aproveitadas. Na verdade, os registros diários deste homem foram exibidos diariamente a 15 milhões de pessoas, tornando-se um dos maiores fenômenos de audiência de 1998. O protagonista ignorava tal exposição. Ele nunca assinou um contrato.

O filme britânico resgata esta história de maneira condescendente, para dizer o mínimo. A diretora Clair Titley dispõe de amplos recursos para tratar imagens de arquivo, trabalhar com trilha sonora original e contar com pesquisas aprofundadas. Ela tem acesso aos principais nomes envolvidos no caso: Nasubi, seus familiares, os produtores do programa de televisão. No entanto, extrai destes encontros uma reflexão tímida, uma espécie de constatação melindrada dos acontecimentos.

O filme britânico resgata esta história de maneira condescendente, para dizer o mínimo. Além disso, adota outros recursos questionáveis. O primeiro deles diz respeito à diminuição da língua japonesa, dublada sempre que possível pelo inglês.

A cineasta evita manifestar repúdio pelas circunstâncias do cativeiro de seu protagonista. Ela confere a Nasubi tanto tempo de tela quanto ao produtor, que se defende de qualquer acusação, ri do caso, e declara que a decisão de aproveitar o sucesso do programa era “irresistível”. Ele nunca se vê confrontado a perguntas mais graves, nem a opiniões contrárias ao seu posicionamento. As dezenas de funcionários do reality show são desprezados pela autora, e caso alguém tenha se indignado com o funcionamento deste show, sua voz não foi escutada neste projeto.

O Competidor retrata este episódio da telerrealidade enquanto um fato curioso, inusitado, porém, não digno de uma investigação mais ampla. A mãe e a irmã de Nasubi lamentam o ocorrido, como um pequeno momento de vergonha no passado da família. O próprio protagonista se mostra encabulado diante das câmeras. É evidente que nenhum deles processou a contento os fatos, porém o filme decide evitar qualquer julgamento via montagem, ou pelo teor das entrevistas. Trata-se da palavra de um contra a palavra de outro, uma versão contra a seguinte. O espectador que tire as suas conclusões.

Além da postura acovardada, o longa-metragem adota outros recursos questionáveis. O primeiro deles diz respeito à diminuição da língua japonesa, dublada sempre que possível pelo inglês. Ora, por que ficcionalizar as falas de Nasubi no isolamento, e traduzir para o inglês as suas cartas? Por que selecionar a vizinha de cômodo do programa Denpa Shonen para se pronunciar? Ela era realmente a pessoa mais adequada para debater o caso, ou se tratava da única cidadã britânica com algum envolvimento no episódio? Em se tratando de um filme voltado à cultura específica de um país, teria sido fundamental que a língua original fosse mantida. No entanto, a produção britânica deturpa materiais, estimando que a adesão do espectador estrangeiro seria mais importante do que o respeito à realidade representada.

Para piorar a situação, o terço final decide transformar a narrativa em uma mensagem inspiradora. Titley sugere que Nasubi sofreu, no entanto, depois se dedicou à escalada em montanhas e praticou a caridade — como se um fator justificasse o outro. A concentração no caso específico deste homem (sua redenção midiática e psicológica, em particular) reforça a impressão de que a autora enxerga somente o caso excepcional de um homem, vendo-se incapaz de traçar paralelos com o fenômeno dos reality shows no Japão e no mundo.

Assim, o espectador não sabe se o programa japonês continuou, se sofreu qualquer tipo de pressão, represália ou processos judiciais. As conexões com Big Brother e outros programas baseados na humilhação e ultra exposição de seus participantes estão ausentes. Estima-se que, apesar de ter sofrido, a experiência valeu a pena por ter transformado Nasubi num homem mais forte, determinado, graças às provações. O roteiro inclusive insiste que o herói desculpou o produtor da emissão, e este último financiou a subida de Nasubi ao Everest — novamente, como se o dinheiro justificasse as atitudes passadas.

Partindo da história de objetificação de um homem para entretenimento das massas, O Competidor segue tratando-o enquanto objeto. Minimiza a sua língua, confere-lhe tempo reduzido de entrevista, perdoa os poderosos que o trancafiaram num quarto. Titley perde a chance de analisar este caso e emitir um posicionamento assertivo a respeito. Reduz Nasubi a um personagem excêntrico, capaz de agradar ao público (agora, do lado ocidental). Compreende-se que o festival É Tudo Verdade tenha escolhido este filme para dialogar com nossa cultura crescente de reality shows, no entanto, elegeram para a abertura um olhar particularmente questionável ao tema.

O Competidor (2023)
4
Nota 4/10

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