E a Festa Continua (2023)

A política romântica

título original (ano)
Et la Fête Continue ! (2023)
país
França
gênero
Drama
duração
106 minutos
direção
Robert Guédiguian
elenco
Ariane Ascaride, Jean-Pierre Darroussin, Lola Naymark, Robinson Stévenin, Gérard Meylan, Grégoire Leprince-Ringuet, Alice da Luz Gomes
visto em
Cinemas

Rosa (Ariane Ascaride) tem este nome devido a Rosa Luxemburgo, ídolo de seu pai. Seu irmão Antonio (Gérard Meylan) foi batizado em referência a Antonio Gramsci, membro-fundador do Partido Comunista na Itália. Rosa pretende representar os socialistas nas eleições. Antonio é filiado aos comunistas franceses. 

Já a jovem ativista Alice (Lola Naymark), atriz de formação, dedica seus dias a distribuir folhetos, treinar corais e conscientizar os cidadãos de um bairro de Marselha a respeito do descaso da prefeitura com os cidadãos desfavorecidos. Minas (Grégoire Leprince-Ringuet) pensa em viajar à Armênia, ajudando-os na guerra contra o Azerbaijão. Sarkis (Robinson Stévenin) possui um bar armênio, frequentado por clientes que também acreditam na origem armênia de Marselha.

E a Festa Continua é um filme povoado exclusivamente por representantes de diversas vertentes da esquerda, mais ou menos investidas em causas locais e na política institucional. O diretor Robert Guédiguian, fiel às pautas sociais e à representação das classes populares, decide apenas aludir aos poderosos. Ele não demonstra o menor interesse em filmar prefeitos, empresários e burocratas. Seu foco se encontra nas distintas formas de resistência aos dirigentes atuais.

O drama soa muito romântico. Amar o companheiro ou companheira se torna um gesto análogo a amar o próximo.

O ponto de partida reside em fatos. Em 2018, dois prédios em más condições desabaram no sul da França, deixando vários mortos e dezenas de pessoas desalojadas. Imagens de reportagens verídicas apresentam os escombros e a indignação dos moradores. O longa-metragem se encerra com os dizeres: “Este filme é dedicado aos habitantes do bairro e às suas associações”, prometendo “nunca esquecer as vítimas”. O roteiro pretende, portanto, imaginar de quais maneiras a ficção poderia responder ou reagir à triste realidade.

Alguns acreditam que a mudança precisa vir da eleição municipal (caso de Rosa). Outros estimam que a esquerda funciona melhor enquanto força de oposição (Antonio). Alice privilegia o corpo a corpo com vizinhos, valorizando medidas urgentes através de associações. Curiosamente, o grande Jean-Pierre Darroussin, que já interpretou inúmeros operários e militantes em sua carreira, ganha o papel menos politizado. Ele representa um intelectual de pouca afinidade pela vida comunitária, porém disposto a integrar manifestações para se reaproximar da filha e travar um relacionamento com Rosa. De fala calma e olhar sereno, constitui a peça acadêmica que completa o quebra-cabeça do agrupamento político.

Aqui, a indignação e o romance andam de mãos dadas. Os personagens se apaixonam não apesar das lutas, mas por causa delas. A convicção de uns e outros permitem que se identifiquem e se atraiam de maneira quase automática. O roteiro está repleto de casais felizes, vizinhos amigáveis, colegas de quarto generosos, almoços de família divertidos. Guédiguian parece disposto, nesta altura da carreira, a filmar somente a vida como gostaria que fosse. Demonstra interesse nulo em sublinhar conflitos, desavenças, brigas. Prefere acreditar numa possibilidade de entendimento.

O drama soa, portanto, muito romântico — em suas diversas vertentes. Amar o companheiro ou companheira se torna um gesto análogo a amar o próximo. Neste drama profundamente crente na coletividade e na força da união, as diferentes formas de afeto se completam: casar, ter filhos, militar nas ruas, ajudar pessoas sem domicílio. Os movimentos constituem uma forma única de amar e existir em sociedade. “Deveríamos ter duas vidas: uma para nós mesmos, e outra para ajudar os outros”, declara Rosa.

O resultado se prova doce, gentil, avesso à compreensão da dramaticidade enquanto dilema, dor, lágrimas, embates. Apesar dos pequenos desentendimentos, os protagonistas desta obra coral (nenhum herói ou heroína se destacaria do senso de coletividade) seguem princípios semelhantes. “Perguntem sempre se as pessoas precisam de alguma coisa”, relembra o pai num flashback, pois podem estar com vergonha de pedir ajuda. Resgata-se a compaixão enquanto modus operandi e bússola moral. 

Felizmente, tamanha disposição a abraçar a alteridade (literal e simbolicamente) nunca se traduz em ingenuidade. Guédiguian sonha com os pés no chão. Ele entende a dificuldade imensa de eleger candidatos de esquerda, escancara as limitações do trabalho associativo, compreende os personagens que abandonam a luta para privilegiar questões familiares. A luta se converte numa finalidade, importando pouco a taxa de sucesso de cada empreitada. Luta-se por ser a coisa certa a fazer. Simples assim.

E a Festa Continua banha seus personagens idealistas em belas paisagens sulistas. Eles bebem vinho numa varanda ao pôr do sol, caminham pelas praias desertas durante a manhã, declamam monólogos acerca do engajamento político em majestosas arenas históricas. Sonham com a política enquanto a fazem. O romantismo se estende ao olhar benevolente da direção, igualmente apaixonada por cada um de seus personagens. 

Embora o resultado transborde de afetos, ele nunca desperta a impressão de um projeto particularmente ambicioso em termos estéticos e narrativos; ou ainda pela fricção da montagem e a composição dos planos. Nenhuma imagem salta aos olhos, nenhuma cena se sobressai às demais. Trata-se de uma realização tão segura quanto modesta, próxima do academicismo. 

Guédiguian se recusa a utilizar a dor alheia enquanto momento de vaidade para destacar suas habilidades. Em consequência, permanece discreto, enquadrando em silêncio, dirigindo de modo simples, deixando que a temática tome a dianteira em relação à forma. Esta é uma escolha coerente com seu posicionamento político, ainda que consolide o cineasta como um criador pouco afeito a riscos, e cujo trabalho se torna, portanto, menos memorável. 

Suas obras resultam cada vez mais agradáveis, corretas, e também pequenas, encerradas em seus próprios mundos. Não haveria formas provocadoras, porém ainda empáticas e solidárias, de propor um cinema de linguagem política? Uma maneira de enfrentar a estética reacionária, ao invés de apenas representar figuras desejadas de uma esquerda combativa? De qualquer modo, este não é um embate que o francês está disposto a travar.

E a Festa Continua (2023)
7
Nota 7/10

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