A Natureza do Amor (2023)

Amar não basta

título original (ano)
Simple Comme Sylvain (2023)
país
Canadá, França
gênero
Romance, Drama, Comédia
duração
110 minutos
direção
Monia Chokri
elenco
Magalie Lépine Blondeau, Pierre-Yves Cardinal, Francis-William Rhéaume, Monia Chokri, Steve Laplante, Marie-Ginette Guay
visto em
Cinemas

Sophia (Magalie Lépine Blondeau) é professora de filosofia. Em suas aulas, discute precisamente o amor. Explica o conceito de amor platônico; separa os pensadores que coincidem o afeto com os desejos da carne daqueles para quem o apego implica numa relação de espírito e alma. Em paralelo, atravessa seus próprios dilemas amorosos com o marido Xavier (Francis-William Rhéaume), com quem mantém um laço tão estável quanto morno. Eles dormem em camas separadas, e se dizem boa noite com um beijo na testa.

A aproximação entre os amores na teoria e na prática pode parecer óbvia demais e, de fato, o é. A diretora e roteirista Monia Chokri, mais conhecida como atriz nos filmes de Xavier Dolan, reúne a trupe habitual dos projetos do colega canadense e propõe um estudo a respeito dos desejos e da autonomia feminina. Se uma mulher casada com um homem gentil, por quem não está mais apaixonada, descobre o interesse por um terceiro, ela poderia trair? Como legitimar para si mesma o adultério?

Entra em cena Sylvain (Pierre-Yves Cardinal), mencionado pelo título original Simple Comme Sylvain (“Simples Como Sylvain”). Ao contrário da mulher intelectual e empoderada, o homem é bruto, efetua trabalhos manuais e possui pouca instrução formal. Oferece sexo e fervor à mulher que buscava alguma forma de emoção. No entanto, pertence a outro círculo social, e mantém algumas visões preconceituosas — inclusive xenofóbicas. É possível unir duas figuras tão diferentes?

Embora fabular, a aventura nunca soa ingênua, nem conservadora. A professora determina seus rumos sem ser punida exemplarmente pela infidelidade.

A Natureza do Amor anda por uma corda bamba. A narrativa corre o risco permanente de observar Sylvain de maneira objetificada, com certo desdém — ele seria o “pedreiro gostoso”, o “marceneiro fortão”, interessante, pois pouco intelectualizado. Sophia nutre certa condescendência pelo sujeito inculto, e o filme hesita entre desculpar as derrapadas do sujeito pela falta de conhecimentos (de maneira paternalista) ou considerá-lo ainda mais atraente por isso (na chave do fetiche). 

Chokri possui consciência de seus dilemas morais, explicitando-os na jornada de Sophia, embora não evite os problemas citados apenas pela autoconsciência. Isso significa que a protagonista se questiona o tempo inteiro a respeito da viabilidade destes laços afetivos. Faz sentido se divorciar para viver um caso intenso, porém de aparência fugaz? Existe um “felizes para sempre” entre a pensadora e o homem da roça? Felizmente, o longa-metragem não responde de maneira definitiva a estas questões, embora aponte caminhos.

Esteticamente, a autora toma a precaução de converter a obra em fábula. Ela investe em diversas ferramentas de linguagem destinadas a sublinhar a improbabilidade e o aspecto didático das cenas. Logo, eventuais fugas da realidade serão justificadas pela aparência de conto de fadas amargo. Por isso, entram em cena os zoom-ins agressivos, as mudanças bruscas de luz durante um plano (o beijo no carro, com alternâncias entre o branco, o vermelho e o amarelado), além de uma infinidade de reflexos e distorções em espelhos. 

Em paralelo, a natureza começa a espelhar os sentimentos de ambos. Quando os amantes se reúnem na parte externa da casa pela primeira vez, a chuva os alcança. Durante uma ruptura posterior, começa a nevar. Animada pelo início do caso com Sylvain, Sophia lê um livro a respeito da caça no Quebec. Trata-se de símbolos pouco discretos, em chave lúdica e cômica, o que também promove certa leveza ao percurso desta mulher. Nenhum laço soa definitivo ou reparador — a mulher não terá sua vida consertada pela chegada do príncipe encantado.

Neste sentido, A Natureza do Amor encontra suas principais qualidades. Embora fabular, a aventura nunca soa ingênua, nem conservadora. A professora determina seus rumos sem ser punida exemplarmente pela infidelidade. A união com o faz-tudo envolve sexo e desejo, filmados de maneira tão respeitosa quanto frontal. Sophia se preocupa de não estar limpa quando recebe sexo oral, ou observa com certa tristeza o corpo nu do ex-marido. A cineasta não foge aos aspectos mais concretos de corpo, toque e libido. 

Além disso, sugere que a mulher não precisa de um relacionamento para ser feliz. Pode investir em casos ou casamentos, quando quiser, da maneira que achar conveniente. Rompendo com o imaginário das comédias românticas norte-americanas, nas quais o amor romântico representa a solução para todas as dores, Chokri concebe formas mais amplas de se relacionar. Durante uma briga abrupta com Sylvain (exageradíssima em tom, próxima do estilo histriônico de Dolan), a heroína concebe o sexo casual com desconhecidos, ou as noites sozinha em casa. Existem muitas maneiras de se ver realizada.

O resultado também possui a destreza de condensar, nos jantares e festas entre amigos, uma pluralidade considerável de conflitos de gênero, geração, raça e classe. Ao invés de levar os protagonistas à sociedade canadense, traz a diversidade para dentro de casa. As reuniões à mesa são acompanhadas de debates a respeito de filosofia e política, enquanto os pais representam a pressão pelo casamento, pelos netos, pelo relacionamento estável, exibido publicamente enquanto meta cumprida. O roteiro possui boas tiradas, dignas da crônica, mirando as convenções esperadas do comportamento feminino.

O longa-metragem se encerra na forma de uma triste comédia, ou talvez um romance amargo, e mesmo um drama divertido. Promove uma alternância inteligente e rara de tons, entre o humor de situação (o desconforto) e a tristeza pós-euforia. Sophia navega por inúmeros estados de espírito, graças à atuação dedicada e discreta de Magalie Lépine Blondeau. A diretora adota a estratégia clássica de reservar aos coadjuvantes os papéis mais exagerados (o que inclui uma pequena participação para si mesma) enquanto concentra nos protagonistas a melancolia. Trata-se de um projeto maduro, e menos inocente do que pode aparentar pela divulgação de um casal aos beijos e abraços.

A Natureza do Amor (2023)
7
Nota 7/10

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