Sophia (Magalie Lépine Blondeau) é professora de filosofia. Em suas aulas, discute precisamente o amor. Explica o conceito de amor platônico; separa os pensadores que coincidem o afeto com os desejos da carne daqueles para quem o apego implica numa relação de espírito e alma. Em paralelo, atravessa seus próprios dilemas amorosos com o marido Xavier (Francis-William Rhéaume), com quem mantém um laço tão estável quanto morno. Eles dormem em camas separadas, e se dizem boa noite com um beijo na testa.
A aproximação entre os amores na teoria e na prática pode parecer óbvia demais e, de fato, o é. A diretora e roteirista Monia Chokri, mais conhecida como atriz nos filmes de Xavier Dolan, reúne a trupe habitual dos projetos do colega canadense e propõe um estudo a respeito dos desejos e da autonomia feminina. Se uma mulher casada com um homem gentil, por quem não está mais apaixonada, descobre o interesse por um terceiro, ela poderia trair? Como legitimar para si mesma o adultério?
Entra em cena Sylvain (Pierre-Yves Cardinal), mencionado pelo título original Simple Comme Sylvain (“Simples Como Sylvain”). Ao contrário da mulher intelectual e empoderada, o homem é bruto, efetua trabalhos manuais e possui pouca instrução formal. Oferece sexo e fervor à mulher que buscava alguma forma de emoção. No entanto, pertence a outro círculo social, e mantém algumas visões preconceituosas — inclusive xenofóbicas. É possível unir duas figuras tão diferentes?
Embora fabular, a aventura nunca soa ingênua, nem conservadora. A professora determina seus rumos sem ser punida exemplarmente pela infidelidade.
A Natureza do Amor anda por uma corda bamba. A narrativa corre o risco permanente de observar Sylvain de maneira objetificada, com certo desdém — ele seria o “pedreiro gostoso”, o “marceneiro fortão”, interessante, pois pouco intelectualizado. Sophia nutre certa condescendência pelo sujeito inculto, e o filme hesita entre desculpar as derrapadas do sujeito pela falta de conhecimentos (de maneira paternalista) ou considerá-lo ainda mais atraente por isso (na chave do fetiche).
Chokri possui consciência de seus dilemas morais, explicitando-os na jornada de Sophia, embora não evite os problemas citados apenas pela autoconsciência. Isso significa que a protagonista se questiona o tempo inteiro a respeito da viabilidade destes laços afetivos. Faz sentido se divorciar para viver um caso intenso, porém de aparência fugaz? Existe um “felizes para sempre” entre a pensadora e o homem da roça? Felizmente, o longa-metragem não responde de maneira definitiva a estas questões, embora aponte caminhos.
Esteticamente, a autora toma a precaução de converter a obra em fábula. Ela investe em diversas ferramentas de linguagem destinadas a sublinhar a improbabilidade e o aspecto didático das cenas. Logo, eventuais fugas da realidade serão justificadas pela aparência de conto de fadas amargo. Por isso, entram em cena os zoom-ins agressivos, as mudanças bruscas de luz durante um plano (o beijo no carro, com alternâncias entre o branco, o vermelho e o amarelado), além de uma infinidade de reflexos e distorções em espelhos.
Em paralelo, a natureza começa a espelhar os sentimentos de ambos. Quando os amantes se reúnem na parte externa da casa pela primeira vez, a chuva os alcança. Durante uma ruptura posterior, começa a nevar. Animada pelo início do caso com Sylvain, Sophia lê um livro a respeito da caça no Quebec. Trata-se de símbolos pouco discretos, em chave lúdica e cômica, o que também promove certa leveza ao percurso desta mulher. Nenhum laço soa definitivo ou reparador — a mulher não terá sua vida consertada pela chegada do príncipe encantado.
Neste sentido, A Natureza do Amor encontra suas principais qualidades. Embora fabular, a aventura nunca soa ingênua, nem conservadora. A professora determina seus rumos sem ser punida exemplarmente pela infidelidade. A união com o faz-tudo envolve sexo e desejo, filmados de maneira tão respeitosa quanto frontal. Sophia se preocupa de não estar limpa quando recebe sexo oral, ou observa com certa tristeza o corpo nu do ex-marido. A cineasta não foge aos aspectos mais concretos de corpo, toque e libido.
Além disso, sugere que a mulher não precisa de um relacionamento para ser feliz. Pode investir em casos ou casamentos, quando quiser, da maneira que achar conveniente. Rompendo com o imaginário das comédias românticas norte-americanas, nas quais o amor romântico representa a solução para todas as dores, Chokri concebe formas mais amplas de se relacionar. Durante uma briga abrupta com Sylvain (exageradíssima em tom, próxima do estilo histriônico de Dolan), a heroína concebe o sexo casual com desconhecidos, ou as noites sozinha em casa. Existem muitas maneiras de se ver realizada.
O resultado também possui a destreza de condensar, nos jantares e festas entre amigos, uma pluralidade considerável de conflitos de gênero, geração, raça e classe. Ao invés de levar os protagonistas à sociedade canadense, traz a diversidade para dentro de casa. As reuniões à mesa são acompanhadas de debates a respeito de filosofia e política, enquanto os pais representam a pressão pelo casamento, pelos netos, pelo relacionamento estável, exibido publicamente enquanto meta cumprida. O roteiro possui boas tiradas, dignas da crônica, mirando as convenções esperadas do comportamento feminino.
O longa-metragem se encerra na forma de uma triste comédia, ou talvez um romance amargo, e mesmo um drama divertido. Promove uma alternância inteligente e rara de tons, entre o humor de situação (o desconforto) e a tristeza pós-euforia. Sophia navega por inúmeros estados de espírito, graças à atuação dedicada e discreta de Magalie Lépine Blondeau. A diretora adota a estratégia clássica de reservar aos coadjuvantes os papéis mais exagerados (o que inclui uma pequena participação para si mesma) enquanto concentra nos protagonistas a melancolia. Trata-se de um projeto maduro, e menos inocente do que pode aparentar pela divulgação de um casal aos beijos e abraços.