O Dublê (2024)

Diversão é coisa séria

título original (ano)
The Fall Guy (2024)
país
EUA
gênero
Comédia, Ação, Romance
duração
126 minutos
direção
David Leitch
elenco
Ryan Gosling, Emily Blunt, Aaron Taylor-Johnson, Hannah Waddingham, Stephanie Hsu, Winston Duke
visto em
Cinemas

Diretor de filmes de ação bem-sucedidos como Atômica (2017) e Trem-Bala (2022), David Leitch volta os holofotes à sua profissão de origem: dublê. Seu novo longa-metragem presta homenagem aos “heróis invisíveis” que capotam carros, atravessam vidros e se ateiam em chamas em nome do entretenimento das massas. O início consiste numa explicação simples a respeito da função destes profissionais no cinema. Parte-se do princípio que o espectador não tenha a menor ideia do que eles realmente façam.

Ryan Gosling interpreta o papel principal de um dublê amistoso, que nunca reclama de cineastas vaidosos, nem do astro egocêntrico (Aaron Taylor-Johnson) com quem precisa trabalhar. O sujeito ama seu trabalho e despenca de prédios quantas vezes precisar — até um acidente provocar o afastamento da profissão e a separação com Jody (Emily Blunt), assistente de direção com quem se relacionava.

A primeira grande surpresa vem da importância considerável dada ao romance. As comédias de ação constituem uma zona de conforto para o cineasta, no entanto, o relacionamento amoroso impressiona pela insistência e peso na trama. A narrativa dedica muito mais tempo resolvendo o imbróglio entre Colt e Jody do que desenvolvendo sequências de ação capazes de efetivamente honrar os dublês presentes. A separação do casal, inclusive, soa implausível — mera desculpa para reaproximá-los mais tarde.

Metalstorm, o filme-dentro-do-filme, dispara boas críticas às mega produções e sua dificuldade de encontrar um humanismo palpável por trás da pirotecnia. De certo modo, este também constitui o principal desafio de O Dublê.

Neste sentido, vem a segunda surpresa diante de O Dublê: o roteiro extremamente verborrágico de Drew Pearce e Glen A. Larson. Os personagens interagem por meio de provocações e referências pop despejadas às dúzias, sem moderação nem contextualização. Rocky, Um Lutador, Velozes & Furiosos, Tom Cruise, Naomi Watts, Taylor Swift e Um Lugar Chamado Notting Hill são apenas algumas das referências acumuladas nas conversas, além de citações imagéticas a Mad Max e Star Wars.

Estas escolhas visam seduzir um público mais jovem, afeito à época das redes sociais, precisando de piadas a cada dois minutos para não se distrair e voltar a atenção à tela do celular. As comédias de ação (especialmente com foco no romance) costumam se voltar a um público mais velho, no entanto, esta iniciativa procura navegar no vácuo deixado pelo desaparecimento de filmes de super-heróis. Logo, as piadas insistentes, típicas de produções da Marvel, são resgatadas aqui — algumas, bastante funcionais, mas outras, errando bastante o alvo.

Para o público cinéfilo, o interesse central pode vir do filme-sobre-o-filme. Metalstorm, a produção distópica com alienígenas dirigida por Jody na segunda parte da trama, dispara boas críticas às mega produções e sua dificuldade de encontrar um humanismo palpável por trás da pirotecnia. De certo modo, este também constitui o principal desafio de O Dublê, em sua totalidade. Não por acaso, a piada do alienígena se solidarizando com o casal em crise ao revelar sua própria desilusão amorosa gerou as mais espontâneas risadas na sala de cinema.

Assim, Leitch diverte ao romper com a premissa da imersão. Em oposição às sequências em que o espectador se sente na ação, somos constantemente lembrados de que as facas são falsas, as criaturas constituem atores dentro de fantasias, e as explosões ocorrem aos montes num estúdio, sem despertarem surpresa nos envolvidos. Cinema não é apenas magia, mas também trabalho, técnica, ofício. Embora a dinâmica de Metalstorm seja um tanto fantasista, ela ainda evoca os esforços coletivos necessários à criação de uma obra de tais proporções.

Em contrapartida, os quiproquós envolvendo o desaparecimento do astro Tom Ryder, a aceitação quase imediata de Colt em procurá-lo (sem qualquer pista para tal) e a conspiração subsequente soam absurdas, mesmo em um contexto tão descolado da verossimilhança. Os roteiristas não se importam muito com a lógica criada por si próprios. Logo, a jornada aumenta a velocidade conforme perde o sentido e manda sua coerência interna às favas. A presença de capangas no set, o encontro com Ryder e a cena do apartamento exigem muita boa vontade do espectador.

O Dublê também possui dificuldade evidente de incluir as mulheres na ação. As piruetas, explosões e atos de coragem pertencem aos homens musculosos e preparados. Duas cenas de luta envolvendo Emily Blunt e Stephanie Hsu soam totalmente descoladas da narrativa, como se alguém tivesse avisado aos criadores, no final, que faltava participação feminina, e alguém tivesse inventado estes anexos para se encaixar na montagem da melhor maneira possível. A personagem de Hsu possui função nula na aventura, e cabe questionar o motivo de Teresa Palmer interpretar um papel próximo da figuração. Seu papel seria maior em uma versão anterior da montagem?

Nos últimos vinte minutos, o longa-metragem enfim apresenta todos os malabarismos esperados desde o princípio. O desfecho absurdo ao menos garante a recompensa emocional prometida pela “homenagem aos dublês” que os esquece durante o longuíssimo terço central, focado nas piadas pop desgastadas. A produção do longa-metragem se transforma num caos extravagante, com cada profissional desempenhando a função que deseja, na hora desejada. Ironicamente, o cineasta sonha com uma liberdade criativa quase artesanal no interior de um projeto tendo custado US$ 125 milhões.

Aqui, Leitch transparece suas principais fragilidades como diretor até então, sobretudo na dificuldade de equilibrar tons e intenções. Algumas cenas soam longas demais, arrastadas pela montagem (a luta fluorescente, a batalha com espadas no apartamento) ou desconexas do resto da jornada. O Dublê deixa a impressão de ter sido um longa-metragem conflituoso entre as vontades da direção, do roteiro e da produção, cada um puxando a corda para um lado. A montagem, em especial, efetua contorcionismos para tentar dar forma a um aglomerado de excessos.

O resultado está longe de ser harmonioso, mas ainda se salva pelas proporções da cena final. Durante os créditos, chegam as cenas de making of, momento em que — nova ironia — os dublês são realmente homenageados, mais do que em toda a ficção precedente. Este segmento também retira completamente a atenção dos letreiros desfilando ao lado. Ou seja, para oferecer mais material de riso ao público jovem e conectado, desvia-se o foco das centenas de pessoas que realmente fizeram o filme acontecer. Para homenagear os dublês, ignoram-se os outros criadores.

O Dublê (2024)
6
Nota 6/10

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