18º Fest Aruanda: Para além do amador e do profissional

Talvez fosse muito simples dividir alguns filmes apresentados no 18º Fest Aruanda do Cinema Brasileiro por circunstâncias de produção, entre amadores e profissionais. Uma produção como Levante, de Lillah Halla, representou o Brasil na Semana da Crítica do Festival de Cannes, de onde saiu premiada. Conta com algumas das melhores diretoras de fotografia (Wilssa Esser) e diretoras de arte (Maíra Mesquita) em atividade no país.

De fato, o drama possui uma aparência elegante, capaz de captar o fervor de um grupo de garotas reunidas para ajudar uma delas, tal qual abelhas em torno de sua rainha — a metáfora provém do próprio filme. Juntas, batalham pelo direito ao aborto de sua colega do time de vôlei. O filme possui uma dezena de qualidades admiráveis, desde as atuações centrais (e de personagens coadjuvantes interpretados por Grace Passô e Rômulo Braga) até o ângulo incomum fornecido ao tema da autonomia feminina.

Levante, de Lillah Halla

No entanto, um aspecto incomoda: as cenas de vôlei. Estas jogadoras, entre o nível estudantil e a possibilidade de uma carreira profissional, aparentam não saber muito bem o que fazer em quadra, ou se comportar com uma bola em mãos. Fica muito difícil crer que a heroína seja uma jogadora cobiçada por equipes internacionais. Neste aspecto em particular, a obra polida soa amadora.

Cervejas no Escuro, de Tiago A. Neves, se aliaria sem dificuldades à aparência de filme feito “na raça”, no improviso, com muita vontade e poucas condições. Na trama, uma mulher em luto decide fazer um filme para concorrer no festival de cinema organizado pela primeira vez em sua cidade do interior paraibano. Ela declara inúmeras vezes que este seria o seu sonho, embora não haja nenhum indício desta paixão prévia em sua vida, nem de uma relação particular com o audiovisual.

Há diversos problemas no filme, incluindo a captação de som e as falas improvisadas por atores naturais, sem experiência prévia em cinema. Isso produz uma cacofonia e uma sucessão de brigas artificiais, mal controladas pela direção. Mesmo quando os personagens fazem um filme-dentro-do-filme, a câmera treme tanto e o roteiro oferece um número tão exagerado de interrupções — quantas vezes o anfitrião entra para oferecer água? — que o prazer do caos se reduz a uma retórica de mise en scène. No caso, o prazer em ver o circo pegar fogo.

Cervejas no Escuro, de Tiago A. Neves

No entanto, em determinados instantes, a obra eleva o nível da produção — ironicamente, quando acalma a necessidade de fazer rir e escuta o que os personagens tenham a oferecer. Um historiador reflete acerca do passado de Princesa Isabel, e se torna visivelmente constrangido com os atores gritando sandices ao seu lado. Mas a fala deste homem, pausada e bem apresentada, demonstra um tempo de reflexão e contemplação. Nota-se aqui e acolá vislumbres do que o longa poderia ter sido caso combinasse a paródia metalinguística com o interesse real pela cidade que representa.

Uma impressão semelhante se desenvolve a partir dos curtas-metragens. Bergamota, de Hsu Chien, e Travessia, de Gabriel Lima, sustentam uma impressão de belo acabamento. O primeiro provém de um cineasta experiente, com diversos longas-metragens na carreira, e parte de um preto e branco muito contrastado e chamativo. O segundo explora o cenário do mar, um iate luxuoso, e a beleza de seus dois atores (Caio Blat e Juliane Araújo) para sustentar a experiência visual.

Ora, Bergamota incomoda demais pela maneira como representa homens LGBTQIA+. Por mais louvável que seja a ilustração diversa na comunidade — sim, há gays assassinos, ladrões e chantagistas —, o projeto os reduz a caricaturas do sujeito musculoso e sedutor, do psicopata perigosíssimo, do ladrão que entra no plano com a faca em punho, brilhando. É difícil torcer por qualquer um deles, igualmente detestáveis, desprovidos de subjetividade ou dúvidas.

Bergamota, de Hsu Chien

As alternâncias de poder entre os participantes do trio (o curta guarda três grandes reviravoltas em quinze minutos) se revelam incongruentes. Parece que interessa ao autor, neste universo LGBTQIA+, apenas o fetiche da sordidez, da pouca confiabilidade. A orientação sexual se associa diretamente ao mau-caráter da trinca de gays, punidos por cederem à tentação carnal com outros homens.

No caso de Travessia (imagem em destaque acima), por trás da imagem nítida e da beleza de lugares, objetos, cores e personagens, resta uma reflexão inócua dos dilemas artísticos e existenciais de um escritor em alto mar. “A gente se preocupa demais em ser o que já é”, “O silêncio diz. A experiência vem do vazio” e outras frases de cunho pseudofilosófico, despejadas a esmo pela trama (ou seja, sem contextualização, nem causa ou consequência) se esgotam de significados. A plasticidade exagerada (a moça se posiciona à beira do barco, com os cabelos caindo cuidadosamente de um lado do rosto, banhada pela luz do sol) remete às propagandas de perfume.

Em compensação, os curtas de baixíssimo orçamento, apesar de evidentes deficiências no som ou na fotografia, se encarregaram dos instantes mais fortes. O documentário Abrição de Portas, de Jaime Guimarães, oferece belas sequências de dança popular em seu retrato de Zé de Moura. Em contrapartida, demonstra a questionável tendência jocosa em sublinhar erros de português e termos populares de seus entrevistados nas legendas.

Flora, a Mãe do Rei, de Geóstenys de Melo Barbosa

Flora, a Mãe do Rei, de Geóstenys de Melo Barbosa, idealiza ao máximo a mãe de Jackson do Pandeiro. A personagem se torna bela, trabalhadora, mãe zelosa, e responsável pela formação musical do menino. Por isso mesmo, uma figura nada realista e desprovida de conflitos: Flora somente desfila qualidades, cena após cena. No entanto, o projeto nos permite descobrir uma atriz de potencial, como Mayara Santos.

O Fest Aruanda selecionou obras de reconhecimento variável em festivais, tendo obtido bastante atenção, ou pequeno apreço por eventos prévios. No entanto, ao posicionar lado a lado os títulos de orçamento confortável e aqueles desprovidos de recursos, revela que as experimentações livres às vezes proporcionam um cinema mais instigante do que os pacotes brilhosos, de pouco conteúdo.

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