Oponente (2023)

O homem contra si mesmo

título original (ano)
Motståndaren (2023)
país
Suécia, Noruega
gênero
Drama, Esporte
duração
119 minutos
direção
Milad Alami
elenco
Payman Maadi, Marall Nasiri, Björn Elgerd, Ardalan Esmaili, Arvin Kananian, Ahmed Abullahi
visto em
Mostra de São Paulo 2023

O caso de Iman (Payman Maadi) parece infelizmente conhecido dos noticiários: devido à perseguição do governo iraniano, foi obrigado a se refugiar com a esposa e os dois filhos na Suécia. O famoso lutador, com experiência nos Jogos Olímpicos do Rio, teria despertado a inveja dos demais competidores, que o denunciaram às autoridades por supostamente se manifestar contra o regime. A cena inicial, com o herói espancando seu delator, sublinha a gravidade do ocorrido.

Seguem-se então sequências a respeito da vida num campo de refugiados, formando amizade com outros imigrantes, esforçando-se para aprender a língua local, esperando meses por uma entrevista que determinará o futuro da família. Caso volte ao país de origem — ele explica aos suecos —, será morto. O diretor Milad Alami estaria denunciando, portanto, a perseguição às minorias, a falha do sistema jurídico-religioso e a pena de morte, a exemplo de outras obras aclamadas do cinema iraniano recente (Não Há Mal Algum, O Perdão). 

Aos poucos, no entanto, descobrimos que há peculiaridades no caso do protagonista. Em seus trabalhos paralelos como entregador de pizza, chega à casa de um cliente onde percebe dois homens formando um casal. Iman os observa de maneira muito atenta. Depois, quando retoma os treinos, rapidamente se aproxima de um colega que pede para massagear as suas costas, com dedicação incomum. Ao descobrir que a esposa está grávida pela terceira vez, ela se surpreende tanto quanto o marido: “Nós quase nunca fazemos sexo”

O projeto tem a coragem de enfrentar o tema sensível da homossexualidade no Irã. No entanto, não encontra outra maneira de encerrar esta trajetória para além do martírio.

Logo, embora isso não seja anunciado pela sinopse, e nem pretenda se vender desta maneira, Oponente se converte num drama LGBTQIA+. Vale notar a presença de um dos nomes mais famosos do audiovisual iraniano: além do sucesso A Separação, Payman Maadi também está em Hollywood com Westworld, Esquadrão 6, The Night Of, etc. Trata-se de um tabu particularmente espinhoso para um país que nem sequer reconhece a existência da homossexualidade em seu território, aplicando a execução aos “desviantes”.

O tema se converte numa obsessão sutil, por assim dizer. Ela permeia todos os pensamentos, e se transforma no conflito central na mente de Iman, da esposa Maryam (Marall Nasiri) e do colega Thomas (Björn Elgerd), além dos antigos parceiros de treino iranianos, encontrados no circuito de competições. No entanto, quase ninguém menciona o tema, ou quando o faz, emprega os eufemismos necessários para evitar termos como “gay” ou “homossexual” — jamais empregados nos diálogos. Fala-se, no máximo, em “amizades que se tornaram mais do que isso”

Por um lado, o projeto demonstra a coragem de enfrentar um tema sensível de maneira frontal, associando-se a outras experiências de exclusão. Iman é refugiado, não entende bem a língua sueca, nem compreende por completo os costumes locais. O fato de ser diferente, e não se encaixar na sociedade, o persegue tanto no Oriente Médio quanto na Europa. De certa maneira, este homem muçulmano, persa e gay (ou bissexual) não possui um lar em lugar nenhum. A sensação constante de abandono e perseguição é bem construída pelo roteiro.

As atuações contribuem à empreitada. Maadi posiciona seu protagonista num estágio além da descoberta de seus desejos: o lutador possui plena consciência da atração por homens, apenas não elabora estes sentimentos, nem mesmo para si próprio. Ele busca um meio-termo entre a brutalidade e a ternura, entre a valentia de enfrentar seus algozes, e o sentimento crônico de culpa (bela cena da esposa ao piano). Marall Nasiri, por sua vez, se encarrega de transmitir, apenas no desconforto da expressão facial, a plena compreensão do que ocorre ao marido. Muitos enfrentamentos ocorrem em silêncio, seja para não acordar as crianças, seja para não despertarem reações agressivas dos vizinhos, ou ainda simplesmente porque nunca verbalizaram o que realmente lhes ocorre.

Em contrapartida, o drama se enfraquece devido a determinadas escolhas desgastadas de roteiro e de simbologias. O desejo reprimido se converte na figura de um lobo perigoso que ronda os homens, e que entra na casa de Iman quando este não consegue mais se segurar. Thomas existe apenas para seduzir, se encantar e oferecer ajuda ao herói. O diretor nunca lhe confere conflitos autônomos, ou uma existência para além do romance proibido. 

Os planos próximos da mão deslizando suavemente sobre a pele também correspondem ao clichê da sensualidade, acompanhada por um sem-número de imagens de costas masculinas sob a ducha, tentando acalmar o fervor de sua pulsão. Ao menos, a narrativa se priva de “salvar” o refugiado pela oferta do amor romântico com um europeu acolhedor. Evita-se assim o white savior, ou o mito do colonizador gentil. Os criadores compreendem que o flerte pode aliviar pulsões, mas não ajuda no dilema mais amplo do protagonista.

Quanto mais esclarece a sexualidade do atleta, mais didática a história se torna. Surgem os gritos de “Você arruinou a minha vida!” ao ex-amante iraniano; discursos corajosos de confissão no clímax; instantes de raiva contra o possível-novo-namorado em decorrência da homofobia internalizada. A luta enquanto metáfora da repressão contra o inimigo (também presente em Máscara de Ferro, da 47ª Mostra) consiste numa imagem evidente dos opostos, assim como a sugestão de que o maior adversário de Iman não seria o ex-namorado, nem o atual colega, e sim ele mesmo.

Rumo à conclusão, o filme não encontra outra maneira de encerrar esta trajetória para além do martírio, da entrega sacrificial ao “lobo” simbólico que o persegue. Este recurso pode ser lido como fatalista, além de um tanto conformista em relação às regras do sistema. Nem resistente, nem herói, o lutador prefere perder esta partida, como se não encontrasse outra alternativa de existência para si próprio. O diretor o acompanha, ao optar por uma questionável imagem final.

Ora, o discurso se faz um tanto covarde, estimando que, para denunciar os crimes de Estado cometidos por um regime castrador, precise sacrificar alguns carneirinhos de maneira exemplar. Retornamos aos anos 1970, quando o cinema estimava que a melhor maneira de honrar homens e mulheres gays consistia em sublinhar seu sofrimento, esperando despertar a comoção do público heterossexual. A obra possui a coragem de levantar temas tabus, porém se diminui na hora de propor maneiras respeitosas e politizadas de lidar com estes dilemas. Pede que tenhamos piedade de Iman, e que lamentemos a situação, em chave mais moral do que questionadora.

Oponente (2023)
6
Nota 6/10

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