“Onde você está, Leos Carax?”. O média-metragem Não Sou Eu surge como resposta a esta provocação, para a qual o cineasta afirma não ter resposta. Em que ponto da carreira se encontra, em qual momento da vida acredita estar? Pensa no passado, projeta-se no futuro? Está contente com a fase presente? Revê seus filmes, avalia sua relação com o cinema francês? E como representar todas estas indagações, bastante amplas, num filme?
O diretor responde com uma colagem tão dispersa e imprecisa quanto a questão que lhe foi elaborada. Narra suas digressões na condição ocasional de narrador em off, embora deixe com frequência que as colagens falem por si mesmas. Assim, costura trechos de seus filmes (Sangue Ruim, Holy Motors, Annette) com captações pessoais (vídeos caseiros com a filha) e trechos de clássicos do cinema, dirigidos por Bresson, Lang, Epstein, Murnau, Muybridge, Vertov e dezenas de outros nomes.
O resultado se desenvolve aos atropelos, conscientemente. Nenhum recurso parece estar fora de cogitação: a imagem vira-se ao positivo, ao invés do negativo; tinge-se de verde e vermelho; muda de eixo; alterna a velocidade. Carax opera num fluxo de pensamento que respeita somente o impulso pessoal, quase inconsciente. Nenhuma noção de narratividade clássica, incluindo preceitos de causa e consequência, de desenvolvimento de personagens, objetivos e conflitos, atravessa essa colagem experimental, que explora todas as potencialidades da videoarte.
Um audiovisual em modo brainstorming, tão livre quanto aleatório, tão espontâneo quanto impreciso.
O referencial mais próximo para tal gesto reside nas últimas obras da carreira de Jean-Luc Godard, tais quais Filme Socialismo, Adeus à Linguagem e Imagem e Palavra. O uso de sobreposições, letreiros e fragmentos estáticos se assemelha bastante ao estilo praticado pelo francês. A conexão se torna ainda mais evidente quando Não Sou Eu emprega as mesmas fontes e cores nos letreiros, na mesma velocidade, com ritmo idêntico de superposição e fragmentos e sons. Carax presta uma homenagem, enquanto faz sua leitura godardiana da própria vida e obra.
Quando menciona de maneira direta a política partidária — para além desta política das imagens —, o longa-metragem soa menos original. A colagem de líderes mundiais de extrema-direita (Trump, Le Pen, Orbán, etc.) se torna mera constatação retórica, que nunca desenvolve um pensamento a respeito das ações destas pessoas. As imagens próximas de cadáveres de crianças imigrantes, afogadas na praia, ultrapassa a barreira do sensacionalismo.
Trata-se de saídas fáceis — uma espécie de provocação espontânea. É muito fácil comover ou causar repulsa através da imagem, próxima e relativamente longa, de crianças mortas. A menção ao estupro provocado por Roman Polanski nos anos 1970 (“Este aqui sodomizou uma garotinha”, afirma o narrador-diretor, diante de um recorte do rosto do polonês) poderia representar uma bela reflexão, caso fosse desenvolvida de alguma forma. Não é o que acontece. A menção à violência para por aí.
Os trechos de autocrítica, enquanto realizador, revelam-se mais interessantes. “Acho que nunca fiz planos subjetivos”, Carax confessa, e levanta uma interpretação para tal: “Tabu?”. Segundos mais tarde, lembra-se do único plano subjetivo da carreira, no qual se admira o rosto de Juliette Binoche, ocupando o quadro. O diretor discorre acerca da mudança da película para o digital, além da aparência de peso no dispositivo nas câmeras antigas, substituídas pela leveza inconsequente e mal refletida das captações em telefone celular. Enquanto pensador do audiovisual, Carax prova-se uma mente bastante fértil.
Ao final, Não Sou Eu soa como um projeto espontâneo, de pouca elaboração prévia — um filme-processo. Possui boas ideias misturadas a iniciativas infrutíferas, e reflexões válidas ao lado de outras, puramente alarmantes. Até a duração do média-metragem transmite certa indecisão, na montagem e no conceito, quanto aos caminhos que o diretor visava para esta iniciativa em termos de comunicação e lançamento. Ele efetua um audiovisual em modo brainstorming, tão livre quanto aleatório, tão espontâneo quanto impreciso.