Oferenda ao Demônio (2022)

A pressa é inimiga do horror

título original (ano)
The Offering (2022)
país
EUA, Reino Unido, Bulgária
gênero
Terror
duração
93 minutos
direçãO
Oliver Park
elenco
Nick Blood, Emily Wiseman, Paul Kaye, Allan Corduner, Daniel Ben Zenou, Sofia Weldon, Anton Trendafilov, Meglena Karalambova, Jonathan Yunger, Velizar Binev
visto em
Cinemas

Há uma mansão grandiosa, antiga, com papéis de parede repletos de texturas, luzes fracas no corredor, porões sombrios — assim como nas histórias de fantasmas. Há demônios malignos tomando o corpo de garotinhas virginais, que passam a desferir ameaças mortais aos adultos — assim como nas tramas de possessão. Há menção às práticas e rituais específicos da comunidade judaica, com amuletos e termos em iídiche — assim como no terror religioso e folclórico. 

Além disso, há mulheres grávidas correndo o risco de ter o seu bebê arrancado do corpo por forças do mal — assim como na premissa do body horror. Há monstros gigantescos, com garras assustadoras, em formas animalescas ornadas com chifres escuros — assim como no horror gore, trash, explícito. Há a possibilidade que todo o calvário infligido aos protagonistas não passe de um sonho — assim como no realismo fantástico. Oferenda ao Demônio soa, ao mesmo tempo, criativo e sem criatividade ao combinar, de maneira inesperada, os elementos mais desgastados do cinema de horror.

O projeto funciona bem enquanto drama. No centro do roteiro existe um casal jovem, isolado da cultura judaica ortodoxa dos pais, e retornando ao casarão familiar por motivos que serão revelados adiante. Desenha-se o mal-estar da dupla no recinto onde se recitam preces e cumprem tradições que ambos desconhecem, ou preferem esquecer. O pai religioso está contente de receber o filho de volta, mas possui sua carga de ressentimento. Este se sentiu oprimido, precisando fugir, mas também abraça, à revelia, o pai. Existe um humanismo comovente no desencontro entre paternidades no seio de uma família desconjuntada.

Entretanto, o drama é minoritário em relação à vontade de criar um Terror com T maiúsculo, repleto de medos, sustos, efeitos sonoros assombrosos e afins. Inicialmente, a câmera se aproxima lentamente dos espaços e pessoas, sugerindo uma atmosfera interessante de tensão. Em contrapartida, o diretor Oliver Park tem pressa demais para introduzir os demônios, e logo dispensa a ambientação para privilegiar os tiques mais explícitos e banais do horror comercial. E dá-lhe galinha jogada em frente à câmera para gerar medo; uma mão saindo de um paletó pendurado; alternadas com muitas portas abrindo e fechando sozinhas, luzes se apagando e vidros quebrando.

É estranha a sensação que, por trás de um drama respeitável, resta um terror B, apressadíssimo na tentativa de despertar emoções fáceis.

No que diz respeito ao elenco, Allan Corduner e Paul Kaye são ótimos. Os dois veteranos representam vertentes distintas da religião, o primeiro em chave mais tolerante, e o segundo, na forma de uma rigidez punitiva. Eles transitam entre o perdão e a vingança, entre a alegria e a decepção diante dos hóspedes da casa. Infelizmente, esta não é uma história sobre eles, que são rapidamente retirados de cena. O foco se encontra no casal formado por Arthur (Nick Blood), um corretor de imóveis em crise, e Claire (Emily Wiseman), escritora que abre mão do emprego para ser mãe.

Ora, Blood e Wiseman oferecem atuações bastante fracas. Ela, em especial, é limitada pelos criadores a perambular pela casa, sem nenhuma função para além de estar grávida, constituindo o alvo principal desta “demônia fêmea, tomadora de crianças”, conforme alertam os letreiros iniciais. Nesta hora, percebe-se que a obra dirigida, escrita, produzida, fotografada, editada e sonorizada apenas por homens sofre da falta de mulheres no processo criativo. Elas seriam capazes de alertar para a superficialidade evidente desta figura feminina destituída de desejos, objetivos, passado e traços marcantes de personalidade.

Blood, por sua vez, oferece a única expressão de pesar e piedade, sustentada inclusive diante das aparições malignas. A dupla central se une a uma maquiagem insuficiente, e repleta de problemas de tempo (o corpo apodrecendo após um dia apenas; o sangue que ainda jorra do corpo morto há vários dias). É estranha a sensação de que, por trás de um drama respeitável, que fornece tempo aos personagens e ações, resta um terror B, apressadíssimo na tentativa de despertar emoções fáceis, epidérmicas.

A demônia, por sua vez, carrega as inconsistências típicas do horror sobrenatural “de choque”. Ela não aparece aos humanos a olho nu, mas oferece-se de bom grado quando aparece uma câmera para gravá-la, a exemplo do inimigo em Atividade Paranormal. A criatura precisa da ajuda de uma criança em alguns momentos, porém dispensa a menina adiante. Sua presença está condicionada à leitura de certas frases, também esquecidas em meio ao caos do clímax. Ela pode ser invisível, pode adotar a forma de um bode em duas patas, pode ter mãos com garras, pode se converter numa fumaça negra. Tudo o que a direção considere amedrontador será adotado sem um critério aparente.

Ao final, deveríamos temer por Arthur e Claire? Sustentar algum tipo de identificação com o casal? Alguém sentiria falta de ambos, caso fossem capturados pelo ser folclórico? Com seu cartaz elegante e scope refinado, Oferenda ao Demônio sugere uma espécie de terror cuidadoso, sugestivo (semelhante a Jessabelle: O Passado Nunca Morre, 2014), até decidir que não possui a paciência nem disposição para sustentar tamanho trabalho de psicologia e ambiguidade na resolução dos conflitos. A presença da demônia saltando em direção ao espectador perto da conclusão apenas reforça a impressão de um projeto de baixo orçamento e modestas ambições, onde se notava, ali, no fundo, adormecido, um belo potencial para ir além.

Oferenda ao Demônio (2022)
4
Nota 4/10

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