Há uma mansão grandiosa, antiga, com papéis de parede repletos de texturas, luzes fracas no corredor, porões sombrios — assim como nas histórias de fantasmas. Há demônios malignos tomando o corpo de garotinhas virginais, que passam a desferir ameaças mortais aos adultos — assim como nas tramas de possessão. Há menção às práticas e rituais específicos da comunidade judaica, com amuletos e termos em iídiche — assim como no terror religioso e folclórico.
Além disso, há mulheres grávidas correndo o risco de ter o seu bebê arrancado do corpo por forças do mal — assim como na premissa do body horror. Há monstros gigantescos, com garras assustadoras, em formas animalescas ornadas com chifres escuros — assim como no horror gore, trash, explícito. Há a possibilidade que todo o calvário infligido aos protagonistas não passe de um sonho — assim como no realismo fantástico. Oferenda ao Demônio soa, ao mesmo tempo, criativo e sem criatividade ao combinar, de maneira inesperada, os elementos mais desgastados do cinema de horror.
O projeto funciona bem enquanto drama. No centro do roteiro existe um casal jovem, isolado da cultura judaica ortodoxa dos pais, e retornando ao casarão familiar por motivos que serão revelados adiante. Desenha-se o mal-estar da dupla no recinto onde se recitam preces e cumprem tradições que ambos desconhecem, ou preferem esquecer. O pai religioso está contente de receber o filho de volta, mas possui sua carga de ressentimento. Este se sentiu oprimido, precisando fugir, mas também abraça, à revelia, o pai. Existe um humanismo comovente no desencontro entre paternidades no seio de uma família desconjuntada.
Entretanto, o drama é minoritário em relação à vontade de criar um Terror com T maiúsculo, repleto de medos, sustos, efeitos sonoros assombrosos e afins. Inicialmente, a câmera se aproxima lentamente dos espaços e pessoas, sugerindo uma atmosfera interessante de tensão. Em contrapartida, o diretor Oliver Park tem pressa demais para introduzir os demônios, e logo dispensa a ambientação para privilegiar os tiques mais explícitos e banais do horror comercial. E dá-lhe galinha jogada em frente à câmera para gerar medo; uma mão saindo de um paletó pendurado; alternadas com muitas portas abrindo e fechando sozinhas, luzes se apagando e vidros quebrando.
É estranha a sensação que, por trás de um drama respeitável, resta um terror B, apressadíssimo na tentativa de despertar emoções fáceis.
No que diz respeito ao elenco, Allan Corduner e Paul Kaye são ótimos. Os dois veteranos representam vertentes distintas da religião, o primeiro em chave mais tolerante, e o segundo, na forma de uma rigidez punitiva. Eles transitam entre o perdão e a vingança, entre a alegria e a decepção diante dos hóspedes da casa. Infelizmente, esta não é uma história sobre eles, que são rapidamente retirados de cena. O foco se encontra no casal formado por Arthur (Nick Blood), um corretor de imóveis em crise, e Claire (Emily Wiseman), escritora que abre mão do emprego para ser mãe.
Ora, Blood e Wiseman oferecem atuações bastante fracas. Ela, em especial, é limitada pelos criadores a perambular pela casa, sem nenhuma função para além de estar grávida, constituindo o alvo principal desta “demônia fêmea, tomadora de crianças”, conforme alertam os letreiros iniciais. Nesta hora, percebe-se que a obra dirigida, escrita, produzida, fotografada, editada e sonorizada apenas por homens sofre da falta de mulheres no processo criativo. Elas seriam capazes de alertar para a superficialidade evidente desta figura feminina destituída de desejos, objetivos, passado e traços marcantes de personalidade.
Blood, por sua vez, oferece a única expressão de pesar e piedade, sustentada inclusive diante das aparições malignas. A dupla central se une a uma maquiagem insuficiente, e repleta de problemas de tempo (o corpo apodrecendo após um dia apenas; o sangue que ainda jorra do corpo morto há vários dias). É estranha a sensação de que, por trás de um drama respeitável, que fornece tempo aos personagens e ações, resta um terror B, apressadíssimo na tentativa de despertar emoções fáceis, epidérmicas.
A demônia, por sua vez, carrega as inconsistências típicas do horror sobrenatural “de choque”. Ela não aparece aos humanos a olho nu, mas oferece-se de bom grado quando aparece uma câmera para gravá-la, a exemplo do inimigo em Atividade Paranormal. A criatura precisa da ajuda de uma criança em alguns momentos, porém dispensa a menina adiante. Sua presença está condicionada à leitura de certas frases, também esquecidas em meio ao caos do clímax. Ela pode ser invisível, pode adotar a forma de um bode em duas patas, pode ter mãos com garras, pode se converter numa fumaça negra. Tudo o que a direção considere amedrontador será adotado sem um critério aparente.
Ao final, deveríamos temer por Arthur e Claire? Sustentar algum tipo de identificação com o casal? Alguém sentiria falta de ambos, caso fossem capturados pelo ser folclórico? Com seu cartaz elegante e scope refinado, Oferenda ao Demônio sugere uma espécie de terror cuidadoso, sugestivo (semelhante a Jessabelle: O Passado Nunca Morre, 2014), até decidir que não possui a paciência nem disposição para sustentar tamanho trabalho de psicologia e ambiguidade na resolução dos conflitos. A presença da demônia saltando em direção ao espectador perto da conclusão apenas reforça a impressão de um projeto de baixo orçamento e modestas ambições, onde se notava, ali, no fundo, adormecido, um belo potencial para ir além.