O Projeto Klezmer (2023)

Nosso alegre esquecimento

título original (ano)
Adentro Mío Estoy Bailando (2023)
país
Áustria, Argentina
linguagem
Documentário, Comédia, Drama
duração
117 minutos
direção
Leandro Koch, Paloma Schachmann
elenco
Leandro Koch, Paloma Schachmann, Perla Sneh, Rebeca Yanover, César Lerner, Marcelo Moguilevsky, Bob Cohen, Ivan Popovych, Simkhe Nemet, Vanya Lemen
visto em
73º Festival de Cinema de Berlim

Este longa-metragem se articula entre duas vertentes completamente distintas, de aparências opostas. Por um lado, busca o realismo do documentário a partir da história real de Leandro Koch, que decide realizar um filme sobre a música Klezmer, típica dos judeus ortodoxos da Europa central e do leste. No entanto, o projeto nunca ocorreu como esperado: apesar de visitar meia dúzia de países, o cineasta se deparava com o desaparecimento total desta tradição. Por isso, oferece como alternativa uma crônica do fracasso. 

Isso nos conduz ao outro lado da experiência: o aspecto de farsa, absurda demais para soar real. De acordo com a narração, Leandro fingiu estar realizando o documentário apenas para seduzir Paloma Schachmann, co-diretora, que toca trompete numa destas raras bandas ainda em atividade. Tendo inventado esta mentira durante o flerte, seguiu adiante com o filme para sustentar sua versão. Assim, imagina o documentário real sobre um documentário falso, narrado por ninguém menos que Satã em pessoa, encarnada (isso mesmo, no feminino) pela voz de uma senhora judia.

O espectador pode se divertir em determinar o que realmente ocorreu, e o que foi inventado, ou talvez exagerado para finalidade cômica. Os criadores borram os limites de maneira proposital: a diversão se encontra exatamente no limite poroso entre os registros, ou no fato que um estilo musical verídico, dotado de registros históricos, possa soar hoje como uma lenda urbana por onde passa o cineasta. “Esta é uma história de amor, ou a história de um impostor”, explica a Sra. Satã. As duas possibilidades combinam o grão de loucura com a pesquisa histórica.

A estética do “filme fracassado” permite que os realizadores utilizem falhas a seu favor, enquanto partes de uma experimentação, na chave da autoparódia. Logo, as filmagens de telas de celular e computador, as gravações um tanto amadoras de festas de casamentos (Leandro se descreve como “um cineasta medíocre”) e os instantes românticos com Paloma, em luz natural pouco trabalhada, se justificam pela linguagem do projeto amador e caseiro. Trata-se de uma obra certamente profissional, brincando de não sê-la. Mais do que isso, sugere uma forma de audiovisual espontâneo, sem planejamento, criado na base do improviso, enquanto está filmando.

No percurso, o filme deixa claro que seu tema real não seria nem o romance do diretor com a trompetista, nem a tentativa de realizar um documentário, e sim o desaparecimento de uma cultura.

Por isso, entre a comédia roteirizada e a ficção romântica, Adentro Mío Estoy Bailando (título em língua espanhola) se identifica sobretudo com o road movie, subgênero no qual o caminho interessa mais do que o ponto de chegada. Sabemos que o filme exclusivamente dedicado à música Klezmer não ocorrerá no final, e que a garota o rejeita ao longo do caminho, privilegiando seus caminhos profissionais próprios. Logo, a diversão se encontraria nas sucessivas tentativas, e nos erros decorrentes dela. 

Koch sugere que percorreu quilômetros, durante meses, e atravessou inúmeros países sem saber se encontraria qualquer banda Klezmer em atividade, guiando-se por rumores e pela intuição. É difícil imaginar que produtores tenham bancado a empreitada com poucas garantias de retorno, mas esta seria a ingenuidade preferida da metade tragicômica da obra: supor um cinema deste porte, feito por amadores, ao invés de profissionais. Enquanto protagonista, o diretor chega a dispensar (na trama inventada) todos os técnicos para filmar o restante dos encontros sozinho. 

O cinema, nascido de uma imagem refinada, vai perdendo suas peças, sua estrutura, até se aproximar do faz-de-conta lúdico (vide a cena final, sinal de claro improviso, numa captação longuíssima e sem cortes). Alguns cineastas refinam seu processo durante a construção, partindo do amadorismo rumo à confecção polida. Koch inventa o percurso inverso, da presunção de uma obra bem-estruturada ao remendo de um filme, finalizando-se como puder.

É claro que as pessoas por trás destes alter-egos clownescos se mostram menos ignorantes ou impulsivas. A revelação do primeiro casamento, com as portas do salão abrindo-se e fechando na exata dimensão do enquadramento (efetuando o corte diegético), e a filmagem das poucas bandas, sobre um fundo de texturas coloridas e kitsch, comprovam um cuidado muito mais precioso do que a aparência de aleatoriedade poderia sugerir. The Klezmer Project adora simular o aspecto rústico, sem reduzir sua qualidade.

No percurso, deixa claro que seu tema real não seria nem o romance do diretor com a trompetista, nem a tentativa de realizar um documentário, e sim o desaparecimento de uma cultura. “As culturas e línguas nunca morrem, são assassinadas — ao contrário das pessoas. É tão estranho uma cultura não sobreviver ao tempo quanto uma pessoa não morrer”, comenta uma das belas reflexões resgatadas pelos personagens durante a pesquisa. Fontes se sociologia, antropologia e história são empregadas para investigar as razões pela qual o Klezmer teria “misteriosamente” desaparecido.

Assim, a música é retratada por sua ausência. Através dos vilarejos onde não encontra bandas disponíveis, e dos trechos musicais que relembram o estilo judeu, sem pertencerem a ele, os cineastas efetuam um mosaico a respeito do sumiço repentino e injustificado de uma prática importante a tantos povos, em suas celebrações mais perenes (festas de casamento, em especial). Como filmar aquilo que não existe? O filme poderia optar por flashbacks, materiais de arquivo, entrevista com musicólogos. No entanto, prefere a chave lúdica da fábula. 

“Desde o Holocausto, não temos mais especialistas a quem fazer perguntas”, explica um conhecedor do tema. A frase, em caráter irônico, sustenta tanto o humor ácido quanto o lembrete muito grave do apagamento cultural de um povo através do genocídio. Ao longo dos instantes engraçados e trapalhadas autorreferenciais, Koch e Schachmann nunca deixam de nos lembrar que estamos rindo daquilo que não controlamos. Este seria um riso de desespero, uma maneira de celebrar a nossa existência, e a lembrança perdida — uma alegria triste que a cultura judaica sempre soube manejar muito bem. 

O resultado é fiel ao judaísmo e à história, enquanto revela de maneira inesperadamente sincera as suas limitações de pesquisa. Poucos documentários (ou docudramas) possuem tamanho potencial de comunicação com o público médio, a partir de um tema tão específico. Os cineastas encontraram uma forma despojada e contemporânea de resgatar uma parte esquecida de suas raízes, brincando com o esquecimento, com seu povo e consigo mesmos. No final, choremos pela perda daquilo que foi importante, mas sem pararmos de dançar. Segundo este pensamento, uma coisa não deveria excluir a outra.

O Projeto Klezmer (2023)
7
Nota 7/10

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