Os grandes humoristas e atores cômicos brasileiros se encontram numa situação curiosa em relação ao cinema nacional. Por um lado, nomes como Thati Lopes, Júlia Rabello, Dani Calabresa, Fábio Porchat, Letícia Lima, Marcelo Adnet, Antônio Tabet e Maria Clara Gueiros compõem uma equipe dos sonhos para qualquer cineasta do gênero. Trata-se de um grupo especializado em manejar diálogos, ágil na malícia da fala e do corpo, esperto na velocidade, no ritmo das piadas e na sugestão dos silêncios entre piadas. No entanto, raramente recebem um material e uma direção à altura do que podem oferecer.
Em parte considerável dos casos, seus personagens são limitados a um histrionismo crônico, onde se abrigou o humor popular pós-Internet. Criou-se a impressão que, para ser visto, para distrair da tela do celular e afastar o temido tédio, os atores precisam gritar, precisam tropeçar e cair, precisam se agitar o tempo inteiro. Metáforas são difíceis, sugestões demoram tempo a construir, e tantas obras preferem que suas histórias constituam meras distrações, pedidos de atenção. “Olhe para mim!”, insiste cada cena-espetáculo. Se os anônimos gritam nos Stories, nos Reels e no TikTok, a tela do cinema tenta gritar mais alto. O audiovisual busca rivalizar com os conteúdos caseiros pela histeria.
La Situación reflete bem este contexto. Seria injusto atribuir todos os fatores apenas a este filme, já que tantos outros apostam na mesma visão do humor, produzindo resultados semelhantes. Aliás, ele não procura se distinguir de outras obras: os produtores preferem uma noção de conforto e familiaridade. Qualquer espectador já viu algum road movie semelhante, com quiproquós parecidos (o carro quebra, a troca de identidades, os bandidos que aparecem no caminho). Thati Lopes tem interpretado a amiga louca à exaustão, assim como Júlia Rabello faz a mulher psicorrígida com frequência. Já Natália Lage compõe a Carrie Bradshaw deste suposto Sex and the City cocainado e latino-americano.
Todas as piadas possíveis relacionadas à vagina, ao ânus, ao sexo e aos fluidos corporais (ejaculação, vômito, sangue, cocô, xixi, sangue menstrual) são exploradas pelo texto que converte o corpo da mulher em fetiche.
Em compensação, o diretor Tomas Portella investe a todo instante na imagem-choque, na cena tentando ser engraçada por si mesma, fora de um contexto particular. Por isso, quatro sequências terminam com as mulheres berrando para o alto, em total descontrole emocional — pelo visto, ainda é considerado divertido tratar as mulheres como bombas hormonais desprovidas de racionalidade. As sequências iniciais investem em close-ups tão ostensivos que a direção de arte poderia ser poupada de decorar os cenários ou vestir as atrizes para baixo do pescoço. Afinal, a câmera cola no rosto, chacoalha a esmo (tentando criar dinamismo, talvez?), e repete: “Olhe para mim!”.
Há uma carência nesta forma de cinema desesperado, tentando agradar em excesso, despejando piadas a cada dois segundos, sem deixar o espectador respirar, nem procurar elementos de interesse estético. Imagina-se o oposto do espectador ativo e participativo. Pelo contrário: relaxe na poltrona, que vamos servi-lo com surpresas, cortes rápidos, caretas, cenas improváveis e um coquetel interminável de piadas de texto, que quase nunca se tornam piadas de linguagem, de enquadramento, da imagem. Este humor é falado, razão pela qual as comédias dependem tanto da avalanche ininterrupta de diálogos. Quando param um segundo, os criadores não sabem mais como fazer rir.
Em especial, La Situación acredita no humor do corpo feminino. Existe uma verdadeira fascinação em compreender como funciona a anatomia das mulheres, como se regula cada fluxo hormonal, cada movimento intestinal e cada orifício. O roteiro se inicia com a cólica menstrual de Ana (Natália Lage), filmada como um orgasmo. No banheiro, ela introduz um absorvente com cocaína, o que a faz suar e pular aeroporto afora. No avião, sonham com cheiro de cocô saindo do banheiro, e falam sobre o tempo de “seca”, sem sexo. Adiante, admiram a “queimação gostosa” na vagina, tomam remédio para enjoo via anal, viajam com vibradores e consolos nas malas, perguntam se estão no cio e se apresentam aos gringos como “ninfomaníacas em busca de prazer”.
Todas as piadas possíveis relacionadas à vagina, ao ânus, ao sexo e aos fluidos corporais (ejaculação, vômito, sangue, cocô, xixi, sangue menstrual) são exploradas pelo texto que converte o corpo da mulher em fetiche. Em última instância, elas não viajam para reaver a herança de Ana — motivo esquecido pelas próprias amigas diversas vezes —, apenas para satisfazerem o apetite sexual com um galã acessório, brotando por acaso no caminho delas. Por trás do imaginário de emancipação, existe uma simplificação grosseira da subjetividade feminina. Surpreende que a obra tenha sido criada por tantas mulheres nas equipes criativas.
Quanto às reviravoltas do roteiro, elas não possuem o mínimo sentido, e nem se esforçam para ter. A comédia física, à beira do realismo fantástico, permite inúmeras concessões ao real. No entanto, mesmo com tamanha abertura ao acaso, a narrativa investe em acontecimentos aleatórios e injustificáveis. O universo conspira de maneira perversa contra Ana, Letícia (Júlia Rabello) e Yovanka (Thati Lopes). Por acaso, há três traficantes no mesmo voo que decidem pegar. Por acaso, conseguem roubar o passaporte das meninas, e também a mercadoria.
No percurso, conseguem um carro de polícia, e rendem os policiais, porque uma delas é mãe e saberia dar ordens. Em meio a um descampado, sobre uma pilha de pedras, decidem que é hora de descansar. Estão apavoradas, mas param para cantar um hit sertanejo na balada. Na primeira parada, convertem-se em ícones da luta pelas terras, e nas líderes de uma nova facção — para o roteiro, não há diferença nenhuma entre manifestantes pela reforma agrária e gângsteres do tráfico. Elas afirmam não entender uma palavra de espanhol, nem mesmo palavras simples, até se desenrolarem num portunhol bastante hábil quando isso convém ao roteiro.
O roteiro dispensa qualquer lógica interna, qualquer desenvolvimento de personagens ou narrativa. Se estima que aquela piada pontual funcionaria para aquela cena pontual, então a inclui, e paciência para o resto do filme. Assim, o esvaziamento da identidade feminina se combina com o esvaziamento de pautas e representações de mundo. Os gringos são todos mafiosos, exploradores; a militância se converte em negócio escuso que nunca interessa a nenhuma das mulheres.
No que diz respeito à imersão latino-americana, a viagem à Argentina poderia também ocorrer com o Uruguai ou o Paraguai — as personagens, pouco inteligentes, sempre confundem o país onde estão, e o filme nunca explora especificidades da cultura e da geografia. Este cinema se organiza pela incômoda regra do tanto faz: as guinadas não possuem sentido, mas tanto faz. A urgência de fugir aos bandidos nunca imprime tensão, mas que seja. As personagens jamais soam minimamente plausíveis em suas ações, apesar dos esforços notáveis da trinca de atrizes, mas esta é apenas uma comédia, certo?
Os autores transparecem pouca preocupação com o próprio filme, com a própria história, com a imagem, com a trilha sonora, com a representação do outro. Não há nenhum esmero estético, de iluminação, de edição. Cumpre-se o mínimo necessário para um telefilme modesto, para o qual os pretensos risos justificariam a ausência de sentido ou visão de mundo. Se nem estes artistas se importam com o que estão fazendo, por que nós, do outro lado da tela, deveríamos nos importar?