Se os cachorros pudessem falar em linguagem humana, o que diriam? O cinema familiar já utilizou essa premissa centenas de vezes para conferir aos bichos um raciocínio considerado exclusivo dos humanos. A brincadeira, neste tipo de comédia, reside na inadequação: não se considera possível, nem adequado, que nossos animais de estimação pensem e ajam exatamente como humanos adultos. Logo, o deslocamento produz a comicidade do absurdo.
Ruim pra Cachorro vai além. O diretor Josh Greenbaum e o roteirista Dan Perrault, conhecidos pela trajetória em clipes e esquetes de comédia para a televisão, imaginam quatro vira-latas representando verdadeiros gângsteres das ruas. Eles falam palavrões, praticam crimes, consomem drogas, se metem em problemas com a polícia. As duas figuras mais desbocadas correspondem justamente a dois pequenos cachorros, de aparência gentil.
Logo, a narrativa investe todos os seus esforços na aproximação entre opostos. Aos bichos de aparência amigável, atribuem-se grosserias; aos animais, oferecem-se pensamentos humanos; ao cinema de verniz amplo e acessível, incluem-se violências e linguajar proibido aos menores de idade. Já imaginou se Beethoven ou Marley dissessem “caralho” e “porra” a cada dois minutos? Se conversassem sobre o desejo de transar com um sofá? Um estranhamento semelhante ocorre aqui.
O roteiro depende excessivamente de piadas regressivas, focadas na tríade “pinto, xixi e cocô”. Estranha-se que os cachorros com vozes de adultos se comportem como a quinta série do colégio.
O dispositivo surpreende, a princípio, por constituir uma afronta à noção de moral e bons costumes atribuída aos filmes de cachorros falantes. É curioso assistir aos cachorrinhos disparando um “Eu vou jantar esse arrombado”, ou “Será que chupar cu deixa doido?”. O choque é buscado de maneira voluntária e insistente pelos atores e pelos criadores, que se esforçam para trazer algo cada vez mais improvável, agressivo ou escatológico. Prepare-se para cães comendo vômito, muitos close-ups em ereções caninas e uma orgia animal com objetos de jardim, apenas para citar algumas sequências.
A versão dublada, apresentada à imprensa brasileira, possui diversos méritos. O primeiro deles reside na qualidade destas vozes, proveniente de alguns dos melhores talentos em dublagem no Brasil. Em segundo lugar, é raro encontrar este tipo de linguajar nas ficções nacionais, mesmo aquelas em live-action. A linguagem do “maluco da quebrada”, claramente estereotipada para finalidade cômica, joga luz ao protagonismo de cachorros que representam, neste caso, um bando de moleques periféricos que raramente estrelam nossos longas-metragens.
No entanto, passada a afronta imediata da rebeldia juvenil, resta pouco a Ruim pra Cachorro, em termos cinematográficos, ou mesmo de humor. O roteiro depende excessivamente de piadas regressivas, focadas na tríade “pinto, xixi e cocô”. Estranha-se que os cachorros com vozes de adultos se comportem como a quinta série do colégio, achando engraçadíssimo quanto alguém faz piadas de conteúdo levemente sexual ou escatológico. As cenas de cocô e pênis de cachorros se sucedem ad nauseum, fruto de uma obra que deposita todo o seu prazer neste retorno idílico à fase anal.
Além disso, para cada elemento digno de crônica, outro investe em muletas artificiais para produzir reviravoltas, pois externas à jornada dos cães. É interessante que o roteiro faça piadas com o ódio dos cães por carteiros, com o fato de girarem antes de deitar, ou com a incapacidade de reconhecerem a si próprios nos reflexos dos espelhos. No entanto, a introdução de uma águia sequestrando Bug, e a chegada de cogumelos alucinógenos em plena floresta resultam em saídas acessórias para introduzir obstáculos ao road movie e aproximá-lo de uma aventura.
Nestes trechos (o voo da águia e o incêndio), os efeitos visuais se tornam insuficientes para uma obra que busca a todo custo a aparência de realismo, filmando com cachorros reais. A crônica do relacionamento tóxico entre Reggie e o dono Doug, que seria o verdadeiro tema da jornada, permanece em segundo plano. Sobressaem-se, aqui, as gags e o humor de sensações, passageiro e descontextualizado (vide os “amijos” da versão brasileira, equivalentes a amigos que mijam um no outro).
A produção se torna indecisa a respeito do tipo de filme que deseja ser, e a quem procura apelar. A fuga dos cachorros da prisão, numa cena envolvendo o sujeito atrapalhado e coberto de cocô, não faria feio em clássicos infantis como Esqueceram de Mim ou Os Batutinhas. Já o texto busca a comunicação com um público muito mais velho — no Brasil, a comédia recebeu classificação etária 16 anos.
Assim, o resultado pode soar infantil demais ao público com idade suficiente para vê-lo. Os criadores realmente apostam que a originalidade se encontra no cruzamento entre a inocência e a malícia, ou entre o erotismo da infância e a sexualidade desenvolvida de um adulto. Ora, o longa-metragem destinado a maiores de 16 anos poderia adotar rumos menos previsíveis, além de saídas mais complexas aos conflitos dos protagonistas. Ele prefere copiar à risca o esqueleto das histórias de Sessão da Tarde, embutindo piadas adultas de TikTok ao conjunto. Há quem se esbalde com este monstro de Frankenstein.