Uma Família Extraordinária (2022)

A sobrevivência do mais fraco

título original (ano)
Wildflower (2022)
país
EUA, Canadá
gênero
Comédia, Drama
duração
105 minutos
direção
Matt Smukler
elenco
Kiernan Shipka, Jean Smart, Jacki Weaver, Alexandra Daddario, Brad Garrett, Reid Scott, Charlie Plummer, Ryan Keira Armstrong, Samantha Hyde, Dash Mihok
visto em
Cinemas

Bea (Kiernan Shipka) escuta várias vezes que não deveria ter nascido. Tanto o pai quanto a mãe possuem um grau considerável de deficiência intelectual, de modo que a gravidez provoca imenso receio dos pais de ambos. Na infância, a menina quase cai do colo da mãe, e sofre com a falta de cuidados básicos no interior de um trailer. Aos dez anos, envolve-se num acidente de carro, pois a menina recebe aulas obrigatórias de direção por parte do pai. Ela começa o filme em coma, num leito de hospital. Ninguém sabe o que lhe ocorreu.

Por um lado, Uma Família Extraordinária se assemelha a tantas obras adolescentes motivadas por alguma doença ou síndrome que limita a percepção de mundo dos protagonistas — apenas para aprenderem a importância de viver cada dia intensamente e amar as pessoas ao redor. Pense em A Culpa É das Estrelas, A Cinco Passos de Você, Extraordinário, etc. Ele ainda lembra estas comédias dramáticas agridoces a respeito da necessidade de aceitar as limitações de nossos pais — caso de CODA: No Ritmo do Coração.

Por outro lado, este novo projeto resgata o prazer típico do cinema independente, que consiste em reunir numa única família uma série de pessoas disfuncionais, excessivas e barulhentas, visto que os encontros produzem uma infinidade de conflitos a filmar. Pequena Miss Sunshine, Os Excêntricos Tenenbaums e O Lado Bom da Vida correspondem a esta vertente que promete fortalecimento através da união entre desajustados e marginais de todos os tipos.

Um cinema de muitos sorrisos, mas poucos risos; muitas tristezas, mas poucos choros. Uma forma dócil de aceitação, que deseja defender as diferenças sem apontar dedos a quem quer que seja.

O motivo pelo qual os parágrafos acima mencionam tantas obras indies recentes reside no fato que este projeto não possui um único grão de originalidade ao longo de toda a sessão. Nem uma cena, uma piada, uma construção de personagens, uma maneira de filmar. É óbvio que a garota em coma, narrando a sua própria vida enquanto está inconsciente, se recuperará. É claro que as desavenças serão superadas diante das adversidades. É evidente que cada um sairá desta experiência na condição de uma pessoa melhor.

Caso a criatividade seja um fator determinante para a apreciação do espectador, o resultado será considerado fraquíssimo. No entanto, o projeto dirigido por Matt Smuckler pode ser apreciado pela capacidade harmoniosa de traçar com segurança os caminhos conhecidos. Em outras palavras, o potencial de fazer um bom arroz com feijão, simples e despretensioso, capaz de agradar precisamente por não desafiar o espectador em momento nenhum, e oferecer o que se esperava dele.

Para um cineasta iniciante nos longas de ficção, surpreende como o autor confia pouco nas próprias imagens e na capacidade de compreensão do público. A narração em off, extremamente didática, apresenta cada personagem e a própria heroína, trazendo todas as informações de que o público pode precisar — e mesmo aquelas que jamais pediria. As piadas são explicadas; o som é limpíssimo para que nenhum diálogo seja mal compreendido; a fotografia apela para a nitidez excessiva dos filmes feitos para o streaming.

Em paralelo, os conflitos surgem ao mesmo tempo, para que se entenda com mui-ta cla-re-za a crise de Bea. Logo, ela briga com a melhor amiga, corta, briga com os pais, corta, briga com o namorado. A trilha sonora traz um piano triste nos instantes lacrimosos, e uma composição ágil quando a situação melhora (caso alguém ainda não tivesse compreendido o teor da cena, e precisasse de uma ajudinha). Os colegas de turma são reduzidos às panelinhas cristalizadas do colégio americano (o nerd secretamente bonito, as Meninas Malvadas, etc.). O mundo está no lugar que se espera dele.

Esta escolha soa particularmente irônica para um filme a respeito de sujeitos deslocados socialmente. A família é composta pelos pais deficientes, o namorado sem um testículo, a avó alcoólatra, a outra avó psicorrígida, e assim por diante. Como se pode retratar o ponto de vista da diferença por uma estética tão consensual? O indie norte-americano sempre estimou que rende justiça aos marginais ao tratá-los com o mesmo teor feel good dos filmes majoritários. Onde antes havia Meg Ryan ou Julia Roberts, hoje existem atores com limitações cognitivas reais.

Entretanto, talvez esta escolha assimilacionista não respeite as suas especificidades, nem busque transmitir a sensação de ser diferente à forma do filme. Bea reconhece, na conclusão, a alegria de ter uma família Buscapé tão singular. Já o longa-metragem, por sua vez, prefere que as deficiências e problemas jamais contaminem a estética com seriedade e problemas duradouros. Mesmo nos casos de acidentes e doenças, sabemos que tudo terminará bem no final. Vende-se o otimismo enquanto visão de mundo e posicionamento político — para o bem e para o mal.

Felizmente, o elenco possui ampla desenvoltura com o humor físico (Jacki Weaver), com os diálogos irônicos (Jean Smart) e o teor de atuação à la WandinhaPara Todos os Garotos que AmeiBarraca do Beijo exigido das atrizes jovens nos coming of age stories (caso de Kiernan Shipka). Todos estão confortáveis, numa sessão de ritmo agradável, que se assiste com tanta facilidade quanto se esquece em seguida. Um cinema de muitos sorrisos, mas poucos risos; muitas tristezas, mas poucos choros. Uma forma dócil de aceitação, que deseja defender as diferenças sem apontar dedos a quem quer que seja. Vamos apenas nos amar e fazer do mundo um lugar melhor, pode ser?

Uma Família Extraordinária (2022)
6
Nota 6/10

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