A programação das mostras competitivas no Bonito Cine Sur — Festival de Cinema Sul-Americano de Bonito seguiram com mais filmes a respeito de grandes temas. Se o primeiro dia de competição trazia obras a respeito do neonazismo, incesto, pedofilia e infanticídio, o segundo dia se volta às narrativas centradas no bullying e na prostituição de menores.
O curta-metragem Milonga de Espino, de Álvaro Leivas, se concentra na figura de um jovem entregador de comida. Desde a primeira cena, ele chama um senhor idoso de “retardado” no trânsito. Em seguida, o roteiro tratará de puni-lo pela ofensa através de uma perseguição implacável, estação após estação, o que inclui tortura e outros sofrimentos. Por trás do instinto justiceiro, existe a história de um garotinho morto em decorrência do bullying na escola, quando o chamaram, precisamente, de retardado.
É claro que os autores partem de boas intenções — assim como todas as obras exibidas no festival sul-mato-grossense até agora. O drama uruguaio-espanhol deseja alertar a respeito dos perigos da violência e do ódio contra o outro. Para tal, demonstra sua violência e ódio contra o entregador. Seja pelo retrato caricatural de três meninas em situação de rua, seja pelo fatalismo da narrativa, o filme confunde justiça e vingança, ou ainda reflexão acerca de um problema e denúncia do mesmo. Não, o bullying não se resolve com a tortura de nossos algozes.
O longa-metragem La Pampa propõe outra maneira de enfrentar os graves problemas sociais. Neste caso, o tema gira em torno da gigantesca zona de prostituição mencionada pelo título, de onde escapa Reina, uma garota frágil e doente. Para o diretor Dorian Fernández Moris, a solução ao problema sistêmico reside nos braços fortes dos “homens de bem”. Vamos arregaçar as mangas, pegar em armas e defender donzelas indefesas.
É curioso como, sob pretexto de denunciar a violência contra mulheres, o projeto peruano-chileno-espanhol ergue uma grande homenagem aos homens. Em nenhum momento desenvolve a personagem da vítima, e jamais cogita alguma possibilidade de reparar o problema enquanto fenômeno social, por medidas políticas. Entram em cena, então, os planos aéreos, as câmeras lentas, a trilha sonora de violinos — a valentia soa mais cinematograficamente sedutora do que a política. Leia a nossa crítica.
Em comum, temos duas obras capazes de perceber a existência de dilemas sociais graves, que merecem ser discutidos. No entanto, jamais ultrapassam a constatação do problema, transformando-os num espetáculo de chantagem emocional ou vingança imediata. A reflexão cede espaço ao maniqueísmo. Ainda mais curiosa é a descrença nas instituições ou nas revoluções sociais. Ambos estimam que uma eventual melhoria destas estruturas viciadas ocorrerá pela índole corajosa de um punhado de homens solitários. Trata-se de um pensamento bastante perigoso.