Na noite de 8 de novembro, o Bonito Cine Sur — Festival de Cinema Sul-Americano de Bonito apresentou dois longas-metragens radicalmente diferentes aos espectadores. Ambos tratam de grandes batalhas sociais e políticas, mas em um caso, os protagonistas compram esta luta com unhas e dentes. No outro caso, percebem que o desgaste seria grande demais, e desistem.
Do lado passivo da guerra, encontra-se o drama boliviano-peruano O Visitante. O diretor Martín Boulocq acompanha o retorno para casa de um homem que acaba de sair da prisão. Ele tenta se reaproximar da filha adolescente, hoje sob cuidado dos sogros, dois pastores evangélicos, posto que a mãe da menina faleceu. Logo, Humberto precisaria comprar briga com o preconceito social, os dogmas cristãos e as leis em nome da reunião familiar.
Ora, o personagem não faz nada disso. Prefere se afastar, permanecer em silêncio, consentir com a decisão de terceiros. Surpreende a placidez com que o autor reduz seus conflitos a não-problemas. Felizmente, a obra conta com excelentes atuações — com destaque para César Troncoso, no papel do pastor evangélico — e com um cuidado precioso nos enquadramentos, de onde surge um humor sutil e inteligente. Leia a nossa crítica.
No aspecto combativo se encontra Vento na Fronteira, documentário exibido dentro da Mostra Ambiental. O filme de Laura Faerman e Marina Weis aborda a resistência do povo Guarani Kaiowá face aos proprietários de terra na região central do Brasil. Apesar das derrotas judiciais e institucionais, sobretudo durante o governo Bolsonaro, continuam organizados e formam as novas gerações para seguirem os seus passos.
O filme demonstra interesse e respeito pelos povos originários, mas incomoda ao oferecer tempo excessivo às falas dos herdeiros de terras. A câmera acompanha a rotina de fazendeiros e testemunha placidamente quando proferem falas racistas, ou declaram o desejo de exterminar os indígenas a balas. A estrutura de equivalências (sugerindo que a fala do opressor mereça tanta atenção quanto a fala do oprimido) desperta problemas éticos. Leia a nossa crítica.
O quarto dia de mostra competitiva também trouxe curtas-metragens muito potentes no Bonito Cine Sur. Yigayo Yuwuerane representa uma narrativa simples, porém eficaz em termos cinematográficos e narrativos. O filme dirigido por Ross Dayana López acompanha as vivências transexuais no interior de comunidades indígenas, com o foco em uma costureira rejeitada pelos familiares. A estrutura nunca vai muito longe no discurso, porém efetua um retrato empático e eficiente desta mulher.
Fora da competição, as telas do Centro de Convenções exibiram o melhor filme de todo o evento até o momento: o curta-metragem argentino Fogo no Mar, de Sebastián Zanzottera. O cineasta relembra a relação conflituosa com o pai por meio de legendas sem equivalente sonoro. Em outras palavras, as falas surgem na tela enquanto descobrimos uma animação que visa representar as plataformas de petróleo onde o patriarca trabalhava.
Abraçando a representação pela ausência, este filme-fantasma impressiona tanto pelo que revela quanto por aquilo que oculta. Nunca enxergamos imagens do diretor-narrador, nem mergulhamos na construção do pai. A plataforma será representada pela animação, onde se projetam cenas de manifestações políticas contra a precariedade do trabalho. O resultado soa hipnótico, provocador, e bastante adequado ao formato curto.
Enquanto O Visitante e Vento na Fronteira hesitavam entre apenas revelar os conflitos ou intervir diretamente neles, coube ao curta-metragem de quinze minutos a síntese mais bem resolvida entre ética e estética, ou entre narrativa e experimentação formal. Para os dilemas políticos, cabe a poesia.