Em 21 de junho, os espectadores e representantes da imprensa no Cine OP — 19ª Mostra de Cinema de Ouro Preto tiveram a rara oportunidade de conhecer alguns dos primeiros e mais importantes filmes do cinema chileno. Em acordo com a Cineteca Nacional do Chile, o evento mineiro exibiu as animações pioneiras desta cinematografia, além de um longa-metragem mudo, considerado Monumento Histórico do Chile — o único filme a receber tal distinção.
A Transmissão de Cargo 1920-1925 (1921), de Alfredo Serey e Nicolás Martínez, concentra-se na eleição de um novo presidente, e presta homenagem à chegada da democracia ao país. Com traços simples e cartunescos (incluindo balões para falas, por exemplo), constitui a primeira animação da história do Chile, tendo sido perdida durante mais de cem anos. Os trechos restaurados e exibidos em Ouro Preto correspondem a cerca de 60% da obra original — tudo o que se pôde recuperar do material de origem.
Já 15 Mil Desenhos (1941), de Carlos Trupp e Jaime Escudero, adota uma narrativa livre. Ao invés da relação direta à política nacional, prefere um estudo de movimentos e sombras a partir de personagens de ficção: uma mulher, uma tartaruga, um tigre. Novamente, trata-se de segmentos recuperados, que correspondem a cerca de 25% do média-metragem original. Percebe-se a configuração de uma obra que buscava impressionar pela qualidade técnica, para além de alguma mensagem ou discurso a transmitir.
Ainda entre as animações, que constituem o foco do 19º CineOP, a sessão contou com duas obras posteriores, do grande animador Tomás Welss. Em Massa (2010), ele analisa as relações gastronômicas e eróticas de um casal que devora um prato de macarrão enquanto devora a si mesmo. Os gemidos da dupla explicitam o caráter sexual do projeto que coincide as duas noções de “comer” enquanto funde distintas formas de prazer.
Vista em conjunto com as animações iniciais, demonstra a liberdade, adquirida com o passar das décadas, de utilizar o suporte da animação justamente para fugir ao real e construir estéticas e linguagens que a filmagem em live-action não permitiriam. Aqui, corpos se transformam, fios de macarrão se esticam e o cômodo se modifica, de um restaurante ao quarto onde ocorre a noite íntima.
Um gosto semelhante pelos movimentos e pela maleabilidade dos corpos se encontra em Tango Mortal (1988), também de Welss, onde a dupla de dançarinos se estica, voa e aproveita uma peça de vestuário vermelha para se integrar, literalmente, ao ambiente. A velocidade dos giros e passos de dança aproxima o filme da abstração, neste que foi provavelmente o curta-metragem mais estimulante da sessão.
A experiência se concluiu com o drama histórico O Hussardo da Morte (1925), dirigido e estrelado por Pedro Sienna. O longa-metragem, que já passou por três processos de restauro, recupera a trajetória do líder revolucionário Manuel Rodríguez, organizador de um grupo popular contra a monarquia chilena. Repleto de cenas de ação e luta, busca se constituir como peça didática acerca da história nacional, ainda que obviamente exagere em virtudes e vilanias, de modo a construir para o público um herói corajoso, de fácil identificação.
Este conjunto muito diverso de filmes permite vislumbrar a maneira particular como os filmes pioneiros do Chile pensaram sua própria História e sua relação bastante engajada com a política.