Em primeiro lugar, 12.12: O Dia pode ser compreendido como um filme capaz. O diretor Kim Sung-soo deseja construir um grande suspense político, repleto de intrigas, ameaças, ataques e contra-ataques de diferentes campos ideológicos, que culminaram com um período de trevas na Coreia do Sul, a partir de 12 de dezembro de 1979. Seu modelo se encontra sem dúvida nos grandes filmes hollywoodianos de guerra, com generais lutando contra majores, homens poderosos pressionando presidentes, ameaças de balas, prisões, sequestros, tanques na rua.
A mise en scène aplica esta cartilha à risca, com amplo domínio dos efeitos desejados. Estão presentes a trilha sonora de impacto, crescendo conforme o herói precisa tomar decisões mais arriscadas a respeito do futuro da nação. Notam-se as cenas gigantescas, com efeitos visuais competentes, além do trabalho dedicado de cerca de 20 atores principais e mais uns 30 figurantes com certa relevância. Eles ocupam dezenas de cenários fartamente decorados e minuciosamente iluminados. Trata-se de uma grande produção, e também de um filme-portfólio — do tipo que os cineastas levariam embaixo do braço para atestarem suas capacidades na hora de buscar recursos para os próximos projetos.
A crítica poderia se encerrar por aqui. Imagens grandiosas, trilha de impacto, atuações comprometidas, clima solene. Cinco estrelas, parabéns, segue-se em frente. No entanto, convém questionar, em 2025, a validade desta forma de cinema, e o que ele representa enquanto retrato de um golpe de Estado — especialmente para a Coreia do Sul, que acaba de sofrer uma tentativa de autogolpe por parte do presidente direitista. Não se trata de uma disputa imaginária, mas de fatos da história recente do país asiático, empregando nomes verídicos e buscando reproduzir “fatos reais” (sic) numa embalagem de espetáculo.
Embora o ponto de vista seja pró-democracia, a estética segue à risca a linguagem do masculinismo bélico que moldou o cinema norte-americano de ação nos anos 1970 e 1980.
O público conservador pode se felicitar. Embora o ponto de vista seja pró-democracia, abraçando o heroísmo do general Lee (Jung Woo-sung), que tenta se opor às forças autoritárias, a estética segue à risca a linguagem do masculinismo bélico que moldou o cinema norte-americano de ação nos anos 1970 e 1980. Para as pessoas que reclamam de uma “agenda woke” contemporânea e repudiam filmes estrelados por mulheres fortes, com subtramas LGBT, etc., este filme resgata um ideal de bravura, coragem e valentia unicamente imputados aos homens de poder, como se gostava de acreditar antigamente.
Assim, a narrativa inteira se desenvolve num toma-lá-dá-cá entre machos viris, ameaçando-se cena sim, cena também; com olhares destemidos e frases de efeito do tipo “Nunca mais diga na minha frente que algo pode dar errado”, “Fiquem onde estão, ou eu levo meus tanques agora mesmo e esmago seus crânios”, “Eu lutarei com base nos princípios; vencer ou perder não importa”, “Você é a nossa última esperança”. Há três cenas com sujeitos ousados que encostam o peito voluntariamente a uma arma e dizem “Atira!”. Generais se sacrificam na linha de frente para poupar seus homens, enquanto os puros de coração, antes do combate, ligam para a querida esposa para transmitirem uma mensagem de carinho.
12.12: O Dia deixa muito claro quem são os mocinhos e os vilões; quem luta pelo bem, e quem representa a tirania. Obviamente, o sujeito virtuoso é bom marido e funcionário exemplar, “sem ambições políticas” (a política seria algo sujo, a evitar). Já o adversário é calvo, traz a pele repleta de marcas, e arregala os olhos em feições maníacas. Devido à recusa em participar da disputa, o Ministro da Defesa é visto enquanto um sujeito covarde e patético; enquanto o presidente se mostra um burocrata sem interesse real pelo país. A direção julga moralmente seus personagens, dizendo ao espectador por quem torcer, e quem detestar. Não precisamos elaborar qualquer reflexão por conta própria — a mensagem está esmiuçada ao espectador médio.
Em especial, incomoda a tendência a transformar o golpe de Estado numa diversão para as massas aproveitarem no cinema, com refrigerante e balde de pipoca a tiracolo. Embora o discurso alegue que os atos de Chun Doo-gwang (Hwang Jung-min) sejam condenáveis, ele se retrata a sede inabalável deste militar pela liderança como algo interessante visualmente, e empolgante enquanto ação. Em outras palavras, o diretor condena o conservadorismo no conteúdo, porém simpatiza com a sociedade-brucutu na forma.
Segundo este olhar, ainda parece muito excitante bolar um complô contra a democracia, reunir comparsas numa sala escura, colocar tanques na rua, tomar prédios a força e fazer valer a sua própria vontade, contra as leis. Em nenhum momento o filme condena esta ideologia que lhe traz tantas cenas de suspense frenético e ação saborosa (leia-se: tiros, bombas, perseguições). Para além da caricatura do homem malvado comandando o golpe de Estado, Kim Sung-soo jamais demonstra nenhuma aversão aos atos dos golpistas em princípio, apresentando a trama real, nos letreiros iniciais, enquanto segredo bombástico que teria sido guardado durante décadas.
Atenção: pequenos spoilers a seguir.
Uma discussão semelhante decorre de filmes muito mais populares — vide a recriação do sofrimento de judeus por Steven Spielberg em A Lista de Schindler, e por Roberto Benigni em A Vida É Bela. Que papel teria esta reconstrução dos horrores de terceiros para fazer o público chorar, se emocionar, vibrar? Seria apenas um aprendizado de virtudes, uma educação sentimental? Que forma de discussão política decorre de uma obra que dialoga sobretudo com sentimentos, piedade, martírio, e sacrifício do bem contra o mal? Em 12.12, a caminhada solitária do general-herói, entregando-se às forças opositoras, não se distingue muito da despedida sorridente de Guido rumo ao campo de concentração em A Vida É Bela. Trata-se da dor-espetáculo, do sofrimento convertido em entretenimento.
Ora, haveria inúmeras formas de representar a aversão às atitudes golpistas, sem converter os adversários em vilões adoráveis por sua perversidade e obstinação desmesuradas. As ferramentas do asco, da paródia, do cinismo, da releitura histórica, do terror, enfim, da deturpação do naturalismo, ajudariam o autor a demonstrar, através da construção de imagens e sons, sua aversão aos fatos retratados. Para quem assiste à megaprodução, que representa seu país na disputa pelo Oscar 2025, resta a impressão de que golpes de Estado são, de fato, coisas erradas, mas divertidíssimas. Como é empolgante ver tanques correndo pelas ruas! Em conclusão, os maiores problemas de 12.12 — O Dia são de ordem ética, estética e conceitual. Os autores dominam uma cartilha questionável em sua própria visão de mundo.
PS: Para nosso espectador local, a trama do país distante deve despertar fácil identificação. Afinal, trata-se de generais condecorados que, descontentes por terem perdido o poder, e partidários do último presidente de extrema-direita, planejam um golpe contra a democracia para se perpetuarem no topo do comando. Planejam mortes, sequestros e desinformação enquanto ferramentas de imposição de um regime autoritário. Exatamente como no Brasil.