Três amigos se encontram em período de crise. É fundamental ao filme que os três percam sua estabilidade ao mesmo tempo: Pedro (Tony Ramos) sofre com a falência do restaurante familiar, com a morte iminente da cadela Calabresa e com a ausência de familiares que o apoiem. Ivan (Cássio Gabus Mendes) está prestes a se divorciar da esposa e não possui real prazer no trabalho de advogado. Já Mariano (Ary França) desenvolve conflitos com a profissão de padre quando se apaixona por uma ajudante na paróquia, e pensa em abandonar a batina.
Para o roteiro, esta é a condição necessária para que o trio, na casa dos cinquenta anos, aceite embarcar numa viagem juntos rumo à cidade de Areado, onde foram criados. É preciso que não tenham muito a perder em suas casas — motivo para não se preocuparem com tarefas profissionais ou saudade de entes queridos. O texto ainda inventa as pretensas intenções suicidas de Pedro, que decide encerrar a vida logo após a vitória do Palmeiras no campeonato.
Talvez ninguém acredite de fato no teor trágico desta escolha, porém o roteiro singelo acredita nesta versão leve e abrasileirada da premissa de Gosto de Cereja, onde o suicida encontra diversas pessoas ao longo de uma viagem tentando dissuadi-lo da decisão macabra. As coincidências param por aí, é claro. 45 do Segundo Tempo se constrói na forma de uma comédia dramática independente, marcada por certa previsibilidade na reaproximação entre figuras solitárias que, uma vez reunidas, redescobrem o prazer pela vida.
Apesar dos caminhos seguros, o deleite para o espectador se encontra na configuração de um filme de personagens. O longa-metragem não abandona um segundo sequer seus protagonistas, e depois que se reencontram, eles jamais se afastam de fato. Raros filmes no circuito brasileiro apostam neste humor moderado, agridoce, focado na amizade terna entre homens de meia-idade. Aqui, amores românticos, dilemas de paternidade e relações com instituições (escola, igreja, associações, etc.) ficam em segundo plano. Pedro, Mariano e Ivan passam a existir um para o outro.
O longa-metragem não abandona um segundo sequer seus protagonistas. Raros filmes no circuito brasileiro apostam neste humor moderado, agridoce, focado na amizade terna entre homens de meia-idade.
O resultado soaria menos interessante caso o diretor não demonstrasse tamanho carinho pelos três homens. Luiz Villaça sempre demonstrou um traquejo natural para o trabalho de atores, sem exigir grandes momentos de sentimentalismo nem felicidades efusivas. Chega a ser um alívio encontrar nos cinemas uma trama baseada em piadas singelas, afeitas ao humor de desconforto ao invés das gags chulas do humor popularesco. A obra busca este espaço intermediário, capaz de cativar tanto o público adulto quanto a crítica especializada.
Os atores facilitam a tarefa. Confortáveis em papéis que não exigem nada muito distante de seus registros habituais, entregam-se sem vaidade aos papéis. Tony Ramos sabe expressar o pesar de um homem de tendência fatalista sem exagerar no melodrama, enquanto Ary França equilibra o tom com as tiradas mais engraçadas (o padre de intenso desejo sexual). Cássio Gabus Mendes serve de elo entre o drama e a comédia, expressando os olhos marejados ocasionalmente, sem se permitir extravasar.
Juntos, estabelecem ótima dinâmica e despertam boas possibilidades de representar uma amizade longínqua. Os abraços desconfortáveis no metrô, as provocações no ônibus de viagem e especialmente a conversa no topo da caixa d’água, com o trio vestindo apenas calções, revelam uma fragilidade comovente. É certo que estas obras costumam associar a sensibilidade masculina à infantilização (a virgindade, o desejo de retornar à quadra da escola, a paixão retomada pela garota do tempo de colégio), no entanto, o projeto conduz a abordagem com empatia, evitando julgamentos morais.
45 do Segundo Tempo seria ainda mais potente caso a direção de fotografia e, principalmente, o trabalho de som não fossem tão rígidos e sanitizados. Na fotografia, Alexandre Ermel aposta nos tradicionais planos de conjunto e planos americanos, com o trio posicionado exatamente no centro do quadro, em interações de pouca movimentação ou exploração dos espaços. Mesmo os jogos de futebol, as correrias na cozinha de um restaurante e as conversas em bares soam estáticas, imóveis, como se os intérpretes se encontrassem diante de painéis teatrais pintados ao fundo.
A situação se intensifica graças ao som limpíssimo, artificial, valorizando os diálogos enquanto ignora o mundo ao redor. Os lugares estão convenientemente vazios, ou repletos de pessoas silenciosas: os amigos caminham por avenidas vazias, saídas vazias de metrô (Apenas um vagão estava interditado para a foto inicial? Como?), rodoviárias vazias, restaurantes vazios, além de ônibus e jantares da firma com pessoas que não emitem um ruído sequer. Não há trânsito, conversa paralela, latidos de cachorros — em outras palavras, não existe muita vida ao redor do trio.
É conveniente demais que uma grande escola não possua seguranças, o centro da cidade não tenha nenhum vigia, que a mulher de antigamente esteja esperando por eles, solitária em casa, isenta de tarefas próprias. O roteiro facilita até demais a tarefa para seus personagens: já que Ivan está resolvendo todos os seus conflitos, por que não descobrir novas informações a respeito do filho jovem e solucioná-las de uma vez só? Existe uma vontade deliberada em acumular pequenos conflitos apenas pelo prazer de vê-los superados. É a tática de criar o problema pelo prazer de vender a solução.
O ápice desta estratégia se encontra no clímax, quando a direção pesa a mão nos recursos de linguagem. Entram em cena diálogos inspiradores (“O sentido da vida é estar vivo”), câmeras giratórias, contraluz, câmera lenta, música intensa em volume crescente, lágrimas, abraços. Força-se um teor melodramático que o filme vinha evitando sabiamente até então, inclusive na leitura do futebol enquanto grande metáfora para a vida. Felizmente, os atores trazem certa sobriedade, capaz de atenuar a sobrecarga estética.
Os três constituem, afinal, o ponto de partida e também o ponto de chegada da trama. Poucos longas-metragens elaboram personagens interessantes para homens desta idade, em posição de protagonistas, e a trinca de veteranos sabe aproveitar a oportunidade. De fato, a ameaça do suicídio constitui mera distração, e piadas envolvendo mulheres que se oferecem ao sexo instantaneamente no ônibus soam desengonçadas. Ora, estes são meros detalhes diante da contemplação de três amigos no alto de uma caixa d’água, admirando a cidadezinha onde cresceram. A bela poesia compensa algumas pedras no caminho.