Não é difícil antecipar os rumos desta comédia dramática. Assim que abandona o cargo numa cozinha estrelada, a chef Cathy Marie (Audrey Lamy) se desloca a uma reunião de emprego num pequeno abrigo para jovens. O lugar é sujo, praticamente abandonado, abrigando no estoque algumas conservas de ravioli. É claro que qualquer outra pessoa negaria o cargo ingrato e, aparentemente, mal pago. Ora, a heroína aceita de imediato, muda-se para o dormitório minúsculo, e no dia seguinte, inicia uma revolução culinária no local reservado a adolescentes em situação ilegal na França.
De que ela precisaria abrir mão para viver no novo local? Não teria amores, família, amigos, bichos de estimação, um aluguel esperando por ela de volta na cidade? Não saberemos. O diretor da instituição, Lorenzo (François Cluzet) e a amável assistente (Chantal Neuwirth) não possuiriam nenhuma outra função para além do dia a dia com os adolescentes? A Brigada da Chefe se abre na chave do otimismo sonhador, que consiste em colocar o resto do mundo entre parêntese enquanto a protagonista realiza sua jornada pessoal de reinvenção. A política, a economia, os romances e outros dilemas podem esperar.
Cathy encontra, no caso, um grupo de meninos negros, comunicando-se em francês com sotaque forte estrangeiro. O roteiro segue os moldes dos dramas clássicos a respeito de professores enviados a turmas “difíceis”, até inspirarem os alunos e transformarem suas vidas para sempre. No caso, há algumas questões importantes: trata-se de uma professora branca ensinando a disciplina e a ambição profissional a jovens negros; uma mulher impondo-se entre os moradores unicamente masculinos; e uma francesa ensinando a culinária a garotos originários de nações africanas.
As relações de raça, etnia e origem soam particularmente delicadas e problemáticas. Elas apontam à possibilidade um enésimo filme paternalista em relação aos povos historicamente colonizados pelos europeus. Ora, dramas como A Sociedade dos Poetas Mortos (1989), Mentes Perigosas (1995) e Escritores da Liberdade (2007) se ajustariam mal aos dias de hoje, quando se percebeu sua ingenuidade e romantização da miséria alheia em nome da idealização dos professores persistentes. A famosa “lição de vida” sugere que complexos problemas socioeconômicos se resolveriam por meio de amor e persistência individuais, ao invés de uma transformação coletiva.
O cinema francês está repleto de histórias bem-intencionadas, e um tanto ingênuas, sobre o respeito às diferenças e a comunhão entre opostos.
O diretor Louis-Julien Petit tenta atenuar alguns problemas desta fórmula. Cathy Marie não se mostra generosa desde o princípio, assim como os inesperados alunos de culinária passam longe do imaginário de “garotos-problema”. No entanto, ele resvala numa representação simetricamente oposta, e também questionável: os jovens do abrigo provam-se servis demais, dispostos a aceitar qualquer capricho da chef grosseira. A mulher tem o caminho facilitado, visto que as pessoas ao redor fazem tudo por ela: a melhor amiga carrega suas compras; Lorenzo acata com os ataques de fúria; Sabine sorri após cada crise de estrelismo da heroína. O universo dramatúrgico demonstra uma propensão inabalável a perdoá-la.
Ao mesmo tempo, os habitantes deste centro de acolhimento adquirem camadas ínfimas de construção psicológica e social, ou de ambições para o futuro. Eles recebem uma característica cada (aquele cuja mãe o vigia de perto; o outro que sonha em se tornar jogador de futebol; o rapaz que nunca fala), e o roteiro se dá por satisfeito no quesito desenvolvimento de personagens. Da primeira cena à final, eles serão vistos pelos olhos de terceiros (a trinca francesa de adultos), expressando-se pouco, e ganhando rara oportunidade de se imporem na trama. Os imigrantes se reduzem à condição de acessórios à redenção de Cathy: eles existem apenas para que ela, a mulher branca e francesa, se torne uma pessoa melhor.
Felizmente, Audrey Lamy é uma atriz excelente, e possui as ferramentas necessárias para atenuar o tom açucarado da trama. Os instantes em solitário, no dormitório, ou na grande cozinha vazia, oferecem uma melancolia, um respiro necessário à jornada pedagógica. Frente a ela, o veterano François Cluzet soa mal aproveitado e dirigido, oscilando de maneira pouco orgânica entre a dedicação e o desprezo por sua função — a revolta no campo de futebol soa abrupta, injustificável. Já Chantal Neuwirth recebe a personagem menos elogiosa do projeto, dócil ao limite da infantilidade. Para complexificar Cathy, o diretor domestica o universo ao redor.
O cinema francês está repleto de histórias bem-intencionadas, e um tanto ingênuas, pregando o respeito às diferenças e a comunhão entre opostos. Para cada obra politicamente complexa (os filmes de Stéphane Brizé, por exemplo), chovem versões levemente modificadas da premissa de Intocáveis (2011), em tons delicados e levemente dramáticos, caso de As Invisíveis (2018), produção anterior dirigida pelo diretor e muito semelhante a esta aqui; Mais que Especiais (2019), Entre Rosas (2020), De Cabeça Erguida (2015), Placés (2021), etc. Na maior parte dos casos, os educadores brancos não desejam efetuar este trabalho. Eles iniciam a jornada a contragosto, mas logo descobrem o amor incondicional pela ajuda aos desfavorecidos.
A Brigada da Chefe sabe explorar este caminho, pelo menos, até o terço final. Neste momento, o roteiro adota algumas reviravoltas surpreendentes e inexplicáveis. O retorno à competição de culinária depõe contra tudo aquilo que a narrativa pregava até então. A inserção de Cathy Marie no mesmo programa de onde saiu ocorre de maneira repentina, veloz demais, com a mulher passando despercebida pela equipe com quem trabalhava até poucos meses atrás. “Você verificou quem ela é?”, perguntam os produtores durante uma emissão ao vivo. A “surpresa” armada pela cozinheira para expor ao mundo os problemas dos imigrantes é tão sonhadora e improvável que beira o ridículo.
Para Louis-Julien Petit, não basta apenas empoderar e redimir a mulher amarga, nem expor ao público o problema de garotos negros que esperam suas permissões de estadia na França, podendo ser deportados a qualquer momento. É preciso que esta transformação ocorra de maneira espetacular, midiática, ainda mais mágica porque inesperada. Na reta final, o projeto envereda pelo realismo fantástico, acelerando seus passos, e atropelando as reviravoltas com novos acontecimentos repentinos. Os jovens serão esquecidos, ou transformados em quadros na parede (ou seja, estudos de casos, exemplos morais), sinal de que o texto nunca se importou com eles de fato, apenas com Cathy Marie. Fica a chefe, esquece-se a brigada.