Alguns diretores contemporâneos de cinema e séries têm eleito as cozinhas de restaurantes enquanto palco privilegiado para a produção de conflitos — dando certa folga para os setores de emergência de hospitais e as redações de grandes jornais. Para estes autores, os bastidores da gastronomia em ampla escala representam a oportunidade ideal para colocar os personagens gritando, correndo, suando, se provocando, e também amando e fazendo amizades (tudo isso em espaço limitado, algo que os produtores agradecem).
La Cocina segue o imaginário coletivo desenvolvido em projetos como O Chef (2021) e The Bear (2022 -), para citar apenas alguns. O diretor Alonso Ruizpalacios parte do gigantesco The Grill, em Nova York, local que serve tanto hambúrgueres e massas quanto lagosta e outros pratos finos. Por isso, existem dezenas de cozinheiros, ajudantes e garçonetes no espaço apertado, além da presença esporádica de chefs, gerentes e diretores do empreendimento. Ocasionalmente, filhos, pedintes e candidatos a uma vaga de emprego também circulam por ali.
O protagonista é Pedro (Raúl Briones), um homem de excessos. Cozinheiro de evidente talento, este mexicano sonha em conseguir os documentos para permanecer legalmente nos Estados Unidos. Enquanto isso, gosta de brigas, xingamentos, provocações. Perde a cabeça num piscar de olhos, recorre a métodos ilegais e impulsivos para conseguir dinheiro, e inventa artimanhas para conquistar as mulheres desejadas. Ele constitui o homem de ação dos sonhos do cineasta: um sujeito com muita pulsão e quase nenhuma reflexão, para quem tudo precisa ser exteriorizado, verbalizado, somatizado no corpo.
O verdadeiro foco desta iniciativa se encontra no próprio Ruizpalacios, rei de seu mundo, chefe de todos os funcionários, e enfant terrible de um cinema de autor enamorado pelo caos.
Em consequência, o longa-metragem se pauta por crises, golpes e surpresas. Para além das tensões esperadas de uma cozinha profissional (demora no atendimento, clientes insatisfeitos, etc.), há trapalhadas que não fariam feio a um filme de Adam Sandler: personagens que desmaiam, caem e batem e cabeça; cozinha inundada com refrigerante; casais fazendo sexo no armazém das carnes; funcionários deitados na bancada de preparo de alimentos. O autor decide que, quanto maior, melhor, e quanto mais intenso, mais cinematográfico.
Ora, a busca por um teor frenético, durante 2h20, demonstra algumas limitações. Por um lado, La Cocina possui de fato um ritmo eficaz, graças ao trabalho de montagem de Yibrán Asuad, que se esforça para colocar uma cena de contemplação logo após as grandes catarses, enquanto equilibra cerca de 20 personagens centrais. Por outro lado, a vontade de crescer em tom após um início bastante forte leva a narrativa a uma explosão cartunesca, circense, que cativará alguns enquanto irritará tantos outros.
Ruizpalacios nunca foi um diretor da sutileza e das meias-medidas. O ambiente da gastronomia lhe permite mostrar a paixão por filmes que se agitam e personagens correndo para todos os lados, mesmo que não tenham necessariamente para onde ir. Às vezes, os dilemas de Julia (Rooney Mara), uma garçonete em busca de dinheiro para um aborto; ou de Estela (Anna Diaz), a mexicana recém-chegada, que nem sequer fala inglês, ameaçam ganhar destaque na narrativa. Mero engano: ambas serão deixadas pelo caminho.
Rumo à conclusão, o autor reforça a predileção pelos dilemas de Pedro, cujos ataques são desculpados com impressionante condescendência, graças à quantidade de conflitos que se mostra capaz de proporcionar. Aos olhos do diretor, o protagonista seria um malandro irresistível e querido por todos (conforme atestam os colegas durante a pausa para o cigarro). Logo, toleram-se atitudes reprováveis do “macho mexicano” (palavras do personagem) quando busca controlar a namorada em meio a acessos de raiva. Esta tendência a romantizar ações de homens abusivos (percebidos como espontâneos, incapazes de controlar a sua paixão) incomoda muito.
Em uma bela cena, a narrativa demonstra a poesia e humanismo que poderia desenvolver, caso Ruizpalacios deixasse os atores apenas atuarem, e permitisse ao espectador alguma contemplação além da correria. Fora do restaurante, cinco colegas discutem seus sonhos. Nonz (Motell Foster) compartilha uma estranha e fascinante história de extraterrestres, como quem narra o melhor dia de sua vida. Os colegas assistem, atônitos. O filme respira, se acalma.
Então, no final da cena, o diretor encontra um ângulo onde o primeiro e o quarto personagens da fila estão nítidos, já os colegas do meio possuem intensidades distintas de desfoque. Não adianta: o cineasta jamais consegue segurar a tendência histriônica a representar cada ser humano pelo potencial estético de manipulá-los, de fazê-los reagir (gritar, chorar, sangrar, gozar). Seus personagens consistem menos figuras tridimensionais, munidas de passados e vontades específicas — com exceção de Pedro, ninguém tem desejos construídos em profundidade —, do que marionetes passíveis de mexer, mover, modelar, como quem brinca com bonecos.
Nota-se um desejo de controle neste tipo de mise en scène, caso em que o diretor manifesta o prazer vaidoso de equilibrar vinte pratos ao mesmo tempo, enquanto faz com que os bonecos namorem e briguem. O mexicano está pouco aberto ao que os atores ou o espaço tenham a lhe oferecer — é ele quem impõe uma dinâmica muito específica, previamente concebida. Por isso, todos os funcionários possuem uma intensidade maníaca, como se iniciassem o dia após cheirarem algumas carreiras de cocaína.
Isso também justifica o uso por um preto e branco de baixo contraste + o movimento de borrões + a trilha sonora de fanfarras ou operística ou rítmica + eventuais incursões de luz colorida + flashes piscando num corredor escuro + câmera lenta de lagostas caindo num tanque + movimentos grandiosos de câmera nos fundos do restaurante + exposição longa de nudez exclusivamente feminina. O autor adora intervir no meio, modificá-lo, sem jamais acolher do real aquilo que possa proporcionar enquanto material humano, ou sensações in loco. O verdadeiro foco desta iniciativa se encontra no próprio Ruizpalacios, rei de seu mundo, chefe de todos os funcionários, e enfant terrible de um cinema de autor enamorado pelo caos.