A Ferrugem (2021) busca o equilíbrio entre dois registros muito distintos. O primeiro deles poderia ser descrito como o ultrarrealismo, no qual se trabalha com a luz natural, a diversidade de sons e ruídos da natureza, as ações em tempo real (caminhadas, trabalho físico). O espectador tem a impressão de acompanhar dias quaisquer na vida de Jorge (Juan Daniel Ortiz Hernandez), um rapaz encarregado de cuidar sozinho da fazenda familiar após o suicídio do pai. A rotina se desenvolve sem transformações marcantes, nem a preparação dos conflitos para algum desfecho específico. Privilegia-se o banal.
Enquanto isso, os atores aparentam desempenhar de fato as funções de seus personagens: eles andam de burros, carregam cargas pesadas, cortam o cabelo diante das câmeras. Além disso, vestem as roupas largas pertinente ao local, portam as unhas longas e encardidas pelo trabalho na terra. O protagonista maneja plantas e animais com a naturalidade de quem faz isso todos os dias. Opera-se na chave do “fazer verdade”, ou seja, abrir o plano e evitar cortes em instantes que aparentam verossímeis. Esta linguagem busca a nossa admiração pela dificuldade de falsear o real.
O segundo registro, em contrapartida, se encontra na estetização da magnífica natureza encontrada pelos produtores e captada com prazer imenso pela direção de fotografia. O projeto se inicia com um longo plano-sequência envolvendo drones, e chamando bastante atenção ao dispositivo aéreo. Captações semelhantes, das alturas, ocorrem quando os jovens nem sequer estão se deslocando (caso do sexo na plantação), ou num plongée incomum (o despertar de Jorge após o pesadelo). Quando o herói busca se desfazer de um feitiço, o ritual é coroado por um zoom em direção ao rosto.
Nota-se a vaidade do diretor Juan Sebastián Mesa, tanto pela riqueza de estímulos à disposição, quanto pela vontade de comprovar sua capacidade de controle num ambiente possivelmente inóspito. Ele mergulha a câmera na piscina, tinge o clímax de vermelho-sangue, faz um giro de mais de 180 graus quando o agricultor sobe a montanha para uma simples ligação telefônica. Ora, que função narrativa, ou que efeito orgânico tais ornamentos produziriam, para além de alertarem o espectador, sem parar, a respeito da presença de um diretor orquestrando as imagens?
Tamanho embelezamento da natureza (humana e ecológica) serve a maquiar um posicionamento político modesto.
Diz-se que os cineastas podem ser separados entre aqueles que buscam encaixar o cinema no mundo, e os segundos, que preferem configurar o mundo para as vontades do cinema. Os primeiros intervêm o mínimo possível, acreditando que a sociedade oferece matéria suficiente para o nosso olhar. Os segundos estimam que a realidade constitui mera massinha de modelar, devendo ser amassada, tingida, ajustada. O autor, neste caso, corresponde ao último grupo, aproveitando o “valor de produção” (a riqueza ostensiva de paisagens e locações, incluindo uma bela casa de muros rachados sem qualquer função narrativa) para forjar o real à sua maneira.
O encontro de estilos contraditórios produz efeitos tanto na narrativa quanto no trabalho de atores. Juan Daniel Ortiz Hernandez se sai muito bem nas sequências onde é solicitado pelo corpo presente (as tarefas domésticas e os deslocamentos corriqueiros). Em contrapartida, na hora de manifestar remorso pela ex-namorada, tristeza pelo pai morto e pesar pela prima com quem se relaciona em segredo, mostra-se aquém das intenções do realizador. A natureza bruta se converte em tamanho valor, em tamanho signo de luxo, que na hora de produzir uma emoção genuína a partir da ficção pura, o cineasta se vê incapaz de moldar o elenco às suas intenções.
O principal exemplo desta deficiência ocorre no clímax. O drama prepara o espectador o tempo inteiro para as festividades do vilarejo, quando Jorge precisará resolver sua vida amorosa, optando entre a prima e a forasteira que realmente ama. O evento é mencionado inúmeras vezes, e a introdução de drogas, bebida e dinheiro ao coquetel nos prepara para eventos perigosos e eróticos. Ora, chegado o momento, esta sequência se revela longa demais, desprovida de tensão, e inerte na narrativa. Talvez o criador tenha procurado sugerir alguma simbologia de expiação da culpa ali dentro, porém a jornada se implode no anticlímax.
Por fim, tamanho embelezamento da natureza (humana e ecológica) serve a maquiar um posicionamento político modesto. O cartaz original se posiciona através de um slogan forte: “Permanecer é um ato de resistência”. Entretanto, a narrativa jamais carrega a mesma ferocidade, deixando em aberto os valores e vontades de cada um — o que dizer de uma personagem importante, que parte do vilarejo na conclusão? Este seria um ato de desistência, um sinal de fraqueza? Deveríamos interpretar Jorge, garoto de aparência desafetada, como o grande herói de um movimento?
O que realmente se sobressai em A Ferrugem é o triângulo amoroso, de fundo profundamente clássico, e determinado pelas escolhas do homem, que domina tanto as vontades dos trabalhadores empobrecidos quanto das mulheres ao redor. Nem mesmo a praga do título, que afeta a plantação e ameaça o futuro da fazenda, produz qualquer consequência forte ao drama. Embora o ritmo plácido e o estilo observador carreguem méritos evidentes de montagem e direção, eles não escondem uma cartilha modesta de filme-de-personagem naturalista, incompatível com os arroubos formalistas que seu autor procura imprimir.