A compreensão da morte constitui um dos pontos de virada fundamentais para a passagem à fase adulta. As crianças começam a assimilar a beleza e tristeza do mundo a partir do confronto com a perda de um animal doméstico, com o falecimento dos avós, além da descoberta de uma violência social (simbólica ou estrutural). A perda da inocência está diretamente ligada ao contato com a morte e com a sexualidade — dois lados da mesma moeda. No confronto com nossa finitude, deparamo-nos com as contradições fundamentais de estar em sociedade.
Estes dilemas dominam a narrativa de A Mulher que Chora, dirigido por George Walker Torres. O diretor e roteirista observa a complexidade do amadurecimento pela perspectiva de Miguel, garoto de sete anos que experimenta os traumas citados acima (perda do bicho de estimação, e de um familiar idoso), além do afastamento em relação ao pai. Sobretudo, ele será marcado pela lenda da “mulher que chora”, espécie de mito fundador das relações familiares, pelo prisma do cinema de gênero.
Segundo a empregada venezuelana, esta figura seria uma mulher agredida pelo marido (a exemplo da mãe de Miguel) que, em ato de revolta contra a sua condição, teria assassinado o próprio filho. Desde então, fundiu-se com a natureza, encontrando uma maneira tanto de desaparecer quanto de estar presente o tempo inteiro, infinitamente. Acredita-se que ela habite a floresta vizinha à casa da avó, para onde Miguel se mudou após a separação entre os pais. Miguel vive, então, ao lado da criatura que o fascina e o amedronta. Ela nunca o procura, mas o menino decide buscá-la por conta própria. Ele precisa testemunhar tal manifestação com seus próprios olhos.
O filme privilegia o desespero contido, o grito preso pela garganta. Enquanto isso, a mulher que chora, figura mítica e trágica, representa o horizonte impossível a estas mulheres civilizadas.
O diretor embala os conflitos familiares numa estética obscura, porém elegante, suntuosa. Curiosamente, insere a atmosfera típica do cinema de terror em um contexto dramático de perfeita normalidade. Para estas mulheres silenciosas e amarguradas, é normal ocupar um imóvel de portas e janelas fechadas, com meros feixes de luz alaranjada atravessando os vitrais. Deslocam-se de um lado para o outro, sem objetivo preciso. Deambulam como fantasmas, ou mortas-vivas, presas num purgatório da classe-média.
A referência mais óbvia para Torres foi provavelmente Cria Corvos (1976), de Carlos Saura, também baseado na fábula da infância confrontada à finitude e à vida misteriosa dos adultos. O Espírito da Colméia (1973), de Víctor Erice, e mesmo O Pântano (2001), de Lucrecia Martel, surgem como horizontes possíveis. Este imaginário latino-americano de fatalidades em família, de absurdos normalizados e abraçados a quatro paredes, domina a obra.
Assim, graças somente à atmosfera, cria-se uma tensão inexistente nas ações. Sugere-se uma impressão claustrofóbica que poderia passar despercebida nas mãos de outros criadores de verve menos estetizante. Os efeitos sonoros são altíssimos (a camisa golpeada contra o muro, os galhos e ventos lá fora), enquanto a cicatriz profunda da empregada e a mudez da avó convalescida sugerem violências e perigos fora de quadro. Apela-se a um imaginário de morte, para além da morte concreta.
Neste sentido, a criatura do título se identifica com a mulher estrangeira, em vários sentidos: além de vir de outro país, e falar uma língua distinta (que todos compreendem), Carmen (Samantha Castillo) manifesta, em relação ao garoto, um carinho negado pelas demais mulheres. As histórias da funcionária permitem a Miguel viajar para fora da casa-prisão, onde a avó exige que os portões fiquem trancados. Ela encarna uma perspectiva de felicidade e esperança em meio à sombria vida doméstica. Compreende-se que o garoto se agarre a ela com todas as forças. Enquanto isso, vinga-se das injustiças atacando os amigos com crueldade.
A Mulher que Chora soa como um projeto bastante maduro, refletindo cada escolha de cena, luz e direção para obter um efeito muito específico. Este cinema mais cerebral do que impulsivo transparece o prazer pelo controle, pela composição e por um registro calculado das atrizes. Os eventos no interior da casa (tragédias, acidentes, noites com a empregada) se prestariam a catarses novelescas, que Torres evita sem pestanejar. Ele prefere insinuar acontecimentos e desejos a esclarecê-los ao espectador.
Assim, pode-se falar em um filme cujo prazer reside na arte de formular perguntas, ao invés de oferecer respostas. O rosto profundamente expressivo de Julia Stockler (uma das atrizes mais fascinantes que o cinema brasileiro descobriu nos últimos anos) apresenta as pistas necessárias para compreender as dores desta mãe com afeto limitado pelo filho, pois tampouco possui muita estima por si própria. Em seu silêncio, a avó (Regina Vogue) também demonstra uma variação preciosa quando necessário (“Ela está chorando de novo!”).
Trata-se de um desespero contido, um grito preso pela garganta. Apenas o espectador testemunha as agressões sofridas e praticadas por Miguel, além da depressão da mãe, trancada em seu quarto. Somos cúmplices de uma situação familiar cronicamente inviável. Enquanto isso, a mulher que chora, figura mítica e trágica, representa o horizonte impossível a estas mulheres civilizadas. A criatura coloca em prática todos seus desejos — para o bem ou para o mal. Age segundo os seus princípios, contrários à moral e à sociedade. Não à toa, é considerada monstruosa.