Após uma extensa carreira de curtas-metragens, e com dois longas na carreira, Leonardo Mouramateus desenvolveu alguns traços autorais de fácil reconhecimento. Bastam alguns minutos (segundos?) de projeção para se identificar uma obra do diretor, pela maneira de enquadrar, dirigir atores, pelo humor e ritmo particulares. Para o bem ou para o mal, o jovem cineasta tem desenvolvido este estilo em profusão (são 15 obras filmadas desde 2011), permanecendo fielmente idêntico a si mesmo.
A Vida São Dois Dias preserva esta cartilha particular. Nota-se o interesse pelo pastiche do real, através de situações surreais que ocorrem a sujeitos banais, e nunca alteram o funcionamento das coisas. Os protagonistas comuns vivem pequenos sofrimentos e minúsculas felicidades, atravessando os dias numa existência tão fluida quanto etérea. Eles dificilmente são vistos trabalhando, estudando, envolvendo-se em ações graves e determinantes. Em geral, descansam pelos cômodos de um apartamento, ou caminham a esmo pela rua.
No caso, a trama envolve o afastamento e a aproximação entre dois irmãos gêmeos (interpretados por Mauro Soares, com bigode e sem bigode). Um deles vive em Fortaleza e compõe músicas que podem, ou não, ter uma finalidade profissional. O outro reside em Portugal e ganha a vida negociando livros e objetos furtados — embora jamais vejamos o comércio ocorrendo de fato. Nestas tramas, a ficção se torna uma questão de fé: precisamos acreditar no que os personagens dizem, posto que suas atividades raramente se traduzem em imagens.
A direção leva seus personagens a sério apenas até certo ponto. Persiste, nas aventuras do cineasta, este sorriso de canto de olho, uma mistura de sonho com realidade inconsequente, apartada do real. Rómulo jamais soa como um verdadeiro músico, pelo grau de aleatoriedade e amadorismo de suas gravações. No entanto, os amigos aprovam e o encorajam. Orlando nunca comprova a esperteza e os contatos com criminosos, necessários para efetuar o trabalho, embora livros valiosos estejam empilhados sobre sua cama.
Paira a atmosfera de faz-de-conta, com personagens que interpretam personagens. […] Ao se aproximar do real (quando caem as máscaras, os bigodes falsos, e os cabelos descoloridos voltam à cor natural), a vida soa desinteressante.
Paira a atmosfera de faz-de-conta, com personagens que interpretam outros personagens, e depois mais alguns, em looping. Mauro Soares e Mariah Teixeira encarnam pelo menos duas figuras diferentes cada, e estes, por sua vez, assumem novas identidades. A cada vez que se travestem ou fantasiam, o resultado soa mais cômico e improvável, numa série de decalques que se enveredam, invariavelmente, ao humor. Ao se aproximar do real (quando caem as máscaras, os bigodes falsos, e os cabelos descoloridos voltam à cor natural), a vida soa desinteressante.
Logo, Mariah Teixeira assume, entre outros, o papel de uma atriz histriônica, que se veste de Princesa Isabel dentro de casa, e recebe dois anônimos em tais trajes. Minutos mais tarde, estará tocando um teclado imaginário, fechando os olhos e emocionando-se com a música inexiste, oriunda do instrumento invisível. O aspecto lúdico da mise en scène se encontra na predisposição respeitosa ao absurdo — em outras palavras, a direção observa com atenção as interações mais patéticas e assumidas como tais. O humor nasce desta fricção inesperada entre gravidade e leveza.
A Vida São Dois Dias aproveita o confronto dócil de registros através da multiplicação de duplos, de cópias e adulterações. Há irmãos gêmeos se passando um pelo outro; livros roubados e falsificados; amigos se revelando rivais; tramas de ficção plagiadas por colegas; flores novas aludindo a flores que aparecem anteriormente. A montagem anuncia primeiro a consequência, para depois revelar a origem, contribuindo à desconexão da temporalidade e das relações causais. O mundo está discretamente fora do lugar — mas apenas para estes jovens melancólicos. O universo ao redor nem sequer presta atenção à sina tragicômica dos heróis.
Devido ao grau de inconsequência, os conflitos mais roteirizados se tornam confusos, incoerentes. O quiproquó do livro escrito por um irmão, mas apropriado pelo outro, se perde nas idas e vindas entre países, disfarces da dupla e funções do livro. A coletiva de imprensa se presta a um humor paspalhão e exagerado, já os efeitos nefastos desta história íntima não afetam ninguém de fato. Às vezes, o autor soa mais interessado em elaborar premissas curiosas e pitorescas do que em desenvolvê-las até o fim de sua lógica interna. Assim como crianças, os personagens se cansam dos brinquedos e logo os trocam por outros (a trama da motocicleta é esquecida, assim como a briga com o colega de quarto).
Por ter desenvolvido este estilo durante tantos anos, Mouramateus possui segurança na direção. Ele trabalha com um ritmo fluido, agradável, além das mesmas cores pastéis e sons diretos, capazes de atenuar o caos. Já o estilo enérgico de Mariah Teixeira se equilibra com composições desafetadas de Mauro Soares. A narrativa se desenvolve por rumos corretos e tranquilos, até demais: nenhuma cena surpreende de fato, nenhuma sequência soa mais potente ou inventiva do que as demais. A linearidade da experiência resulta tão reconfortante quanto previsível. Para quem conhece os trabalhos anteriores do cineasta, o longa-metragem oferece poucas surpresas.
Parte da crítica considera que esta seria a qualidade principal das obras do diretor: o fato de saber exatamente qual história se presta aos seus talentos, explorando-as a partir das cores, ritmo e humor típicos. Mouramateus parece ter encontrado uma fórmula bela e funcional, passando então a experimentar tímidas variações de sabor. Para alguns, trata-se de um cinema hipster e blasé, repleto de conflitos internos egocêntricos e antissociais (os personagens nunca interagem com instituições sociais). Para outros, é precisamente esta ruptura com o cotidiano que nos permite observar gestos banais, a exemplo de um vaso lançado ou de um livro arremessado na rua, munidos de um olhar renovado e um interesse suplementar.