Acompanhante Perfeita (2025)

A revolução dos monstros

título original (ano)
Companion (2025)
país
EUA
gênero
Comédia, Terror
duração
97 minutos
direção
Drew Hancock
elenco
Sophie Thatcher, Jack Quaid, Lukas Gage, Megan Suri, Harvey Guillén, Rupert Friend, Jaboukie Young-White, Matt McCarhty, Marc Menchaca
visto em
Cinemas

Iris (Sophie Thatcher) parece muito feliz ao lado do namorado Josh (Jack Quaid). A lembrança recorrente do primeiro encontro entre ambos reproduz os lugares-comuns do romance tradicional: ele derruba laranjas num supermercado, e ambos riem do acontecido. No entanto, quando a garota finalmente viaja para conhecer os amigos dele durante um fim de semana, ela se mostra insegura. Parece melancólica, introvertida, temendo a rejeição. “Apenas sorria e seja você mesma”, sugere o namorado. O discurso não soa muito convincente.

Acompanhante Perfeita demora um pouco a revelar o segredo prenunciado pelos trailers e materiais promocionais, além de indicado diversas vezes nos diálogos: Iris é um robô, embora não tenha consciência disso. “Essa linda criação deve ser a Iris”, cumprimentam os colegas, no chalé em meio à floresta. “Eu sou apenas um acessório dele”, ela pensa. “Tem sempre algo dentro de mim travando”, completa. Namorado e namorada cumprimentam-se com um toque no nariz, fazendo o som de beep-boop: a onomatopeia para representar um robô.

O principal desafio do roteiro consiste em reter uma revelação garantida desde o prólogo, via narração em off. Afinal, a própria heroína apresenta a história ao espectador, a partir de um momento indeterminado no futuro. (Em outras palavras, podemos ficar tranquilos: a protagonista sobreviverá no final). Ela anuncia que matará o namorado querido, razão pela qual nos cabe esperar pela guinada do romance perfeito ao terror profundo. O que leva o casal apaixonado ao assassinato? Romance e terror seriam compatíveis? O elemento permitindo unir ambos os registros, sem surpresa, é a comédia de costumes.

Acompanhante Perfeita deseja preparar as suas revelações e nos pegar de surpresa; plantar inúmeros indícios das ações futuras e ainda chocar por sua audácia ao concretizá-las.

Neste sentido, o roteiro do cineasta Drew Hancock investe num leve pastiche das relações de gênero, da nossa dependência tecnológica, e da solidão contemporânea. Imagina o mundo em que qualquer um pode adquirir uma boneca extremamente realista — a ponto de não conseguirmos distingui-la dos humanos — e, então, modelar a cor de seus olhos, sua inteligência, o nível de paixão pelo dono/namorado. Se pessoas reais são complexas e difíceis de lidar, por que não adquirir um produto com garantia de amor infinito e sexo à vontade, posto que foi configurado para tal finalidade?

É claro que o filme não se aprofunda em nenhum destes tópicos. O longa-metragem elabora uma fábula a respeito da dominação masculina e da objetificação feminina, convertendo a namorada submissa ao patamar literal do produto customizável. Até o momento em que a figura abusada se emancipa dos laços de dominação (com a ajuda de uma figura negra e queer), decidindo tomar as rédeas da própria vida. Ao invés de uma trama a respeito de androides tomando o controle da Terra, devido à sua inteligência crescente, aproximamo-nos da dimensão em que mulheres se libertam dos laços domésticos impostos pelo conservadorismo.

Tais aprendizados se traduzem num jogo de gato e rato, repleto de revelações aceleradas. Hancock está menos preocupado em ser verossímil do que ser divertido, provocador — razão pela qual apresenta reviravoltas absurdas, ainda que, ironicamente, previsíveis. A direção nunca esconde seus passos, pelo contrário: ao mostrar a personalização da robô no celular de Josh, sabemos que o aparelho será utilizado adiante. Ao indicar que a androide seria incapaz de efetuar atos de violência, antecipamos que tal regra será quebrada a seguir. E assim por diante.

Acompanhante Perfeita deseja, em paralelo, preparar as suas revelações e nos pegar de surpresa; plantar inúmeros indícios das ações futuras e ainda chocar por sua audácia ao concretizá-las. Soa como uma traquinagem juvenil, para o bem ou para o mal. A direção lembra aquela criança que nos desafia: “Duvida eu descer esta escada rolando? Duvida? Duvida?”. O gesto parece improvável e, mesmo assim, ainda nos chocamos diante do corpo literalmente rolando escada abaixo. Existe uma proposta de liberdade nesta forma de cinema, cada vez menos presa às amarras do realismo. 

Assim, a comédia de terror aproveita as virtudes de ambos os gêneros, no que diz respeito à fantasia, ao delírio, à ilusão. A originalidade em uma indústria desgastada decorre da possibilidade de confrontar homens e mulheres num jogo mortal, transformando corpos em monstros, robôs, espectros, psicopatas. Nenhuma linguagem transmite tão bem a impressão de mal-estar na sociedade quanto o horror, que materializa em metáforas a sensação de não pertencer, não ser livre, não possuir direitos. 

Ainda que suas ambições sociológicas sejam modestas, o projeto canaliza numa única iniciativa diversos impulsos do cinema de terror comercial recente. Converge o medo pelos robôs inteligentes de M3gan, o medo da fúria feminina em Abigail e Casamento Sangrento, o romance perfeito transformado em relacionamento abusivo de Fresh, a sensação de uma juventude vazia e individualista de Morte, Morte, Morte. Ainda ostenta uma leve originalidade ao contar a história pela perspectiva do robô, ao invés das pessoas ao redor dele, fazendo da descoberta de sua constituição (algo equivalente à percepção de sua sexualidade, ou de sua condição feminina) o motor fundamental de revolta. 

Trata-se de uma pequena fábula revolucionária, espécie de atualização das Esposas de Stepford (1975) de Bryan Forbes. Consegue soar, simultaneamente, familiar demais e bastante criativo — em outras palavras, aparenta reciclar recursos bastante conhecidos, ainda que os disponha num arranjo incomum e, por isso mesmo, propenso à sensação de originalidade. Atinge um meio-termo interessante para a indústria, ao se tornar tão acessível e divertido quanto provocador, entre o besteirol de uma Sessão da Tarde e o terror chique, que se leva a sério demais, das obras da A24. 

Acompanhante Perfeita (2025)
7
Nota 7/10

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