Agudás: Os Brasileiros do Benin (2023)

O passado inconveniente

título original (ano)
Agudás: Os Brasileiros do Benin (2023)
país
Brasil, Benin, França
Linguagem
Documentário
duração
97 minutos
direção
Aída Marques
visto em
19º CineOP — Mostra de Cinema de Ouro Preto

Nos tempos de escravidão de povos africanos, muitos cidadãos beninenses foram levados à força ao Brasil. Décadas depois, retornaram à terra de origem, onde tiveram que conviver com o fato que parte de seus cidadãos foi conivente com o regime escravocrata. Hoje, estes indivíduos do Benin, de origem brasileira, são chamados de Agudás na cultura local. Por um lado, orgulham-se do legado sul-americano que carregam consigo. Por outro lado, envergonham-se da pecha de colaboradores da opressão racial e étnica.

O documentário Agudás: Os Brasileiros do Benin (2023) parte deste tema complexo, e pouco conhecido entre o público brasileiro. A cineasta Aída Marques viaja ao país africano para conversar com esta comunidade e entender de que modo enxergam sua posição social, ou ainda como refletem acerca do passado de escravidão e imigração forçada. Neste período de forte polarização social, trata-se de uma oportunidade ideal para discutir as nuances sociopolíticas no estudo das relações raciais.

No entanto, o resultado se prova modesto face à responsabilidade do tema. A direção testemunha algumas falas provocadoras em suas entrevistas (o homem que enxerga o “lado positivo” da escravidão, “que me enriqueceu artisticamente”), sem confrontar os interlocutores nem produzir fricções na montagem. Os demais personagens esquivam-se do tema, desenvolvem pouco os motivos que teriam levado os antepassados a participarem da exploração escravista. 

O filme parte de um tema espinhoso, apenas para evitar seu debate e se encerrar numa celebração plácida da conjunção entre povos.

Sobram comemorações singelas acerca da herança brasileira na África. Algumas famílias comem feijoada, outras cantam um samba das nossas terras. Historiadores e estudiosos atestam a conexão entre as línguas, mencionam a ligação das crenças e dos costumes. O filme sublinha a intimidade entre ambos os países e continentes, sem estudar as transformações desde a época da escravidão, ou ainda as diferentes maneiras (políticas e sociais) como lidamos com nossas feridas históricas.

Em especial, o longa-metragem se ressente da falta de materiais de arquivo. Há raras fotografias ou vídeos que ajudem a ilustrar e desenvolver os temas abordados, restando somente as conversas pouco reveladoras. Nem mesmo a estética busca alguma forma de evocar, poeticamente, os conflitos abordados. Os criadores seguem uma estrutura clássica, convencional e linear, despertando a impressão de registros insuficientes para preencher a extensa duração proposta. 

A montagem aprofunda o sentimento de uma narrativa que gira em círculos. Algumas cenas cotidianas são fragmentadas e dispersas no filme, na forma de passagens nunca se concluem, nem permitem passar ao próximo tópico. O almoço com dois garotos comendo feijoada, o preparo da cocada por uma mulher e a apresentação musical (filmada no mesmo ângulo) se sucedem com tamanha insistência que o espectador pode começar a suspeitar que algo muito importante ocorrerá nestas capturas simples do dia a dia. Mas não ocorre.

Passados vinte minutos, o projeto esgota a maioria de suas ideias e imagens. A performance no Cais do Valongo traz certo frescor à experiência, embora apareça tarde demais: o terço central se arrasta sem necessariamente se desenvolver. A conclusão, voltando-se ao mar (símbolo máximo de libertação/opressão, ou de fuga/aprisionamento), tampouco desperta alguma sensação de ousadia ou tomada de riscos nesta abordagem convencional de um tema raro. 

Ao final, resta uma evocação didática (vide o historiador, e o homem que se apresenta formalmente à câmera no início), repleta de boa vontade, porém com aspecto de uma obra inacabada, apresentada ao público e à imprensa do CineOP enquanto work in progress. De modo geral, precisamos acreditar nas diversas narrativas que nos são contadas, na base da confiança, posto que nunca são acompanhadas de indícios documentais e imagéticos capazes de sustentá-las. 

Mesmo o incômodo debate acerca do colaboracionismo por parte dos povos negros será esquecido, ou minimizado. O filme parte de um tema espinhoso, apenas para evitar seu debate e se encerrar numa celebração plácida (em cores beges, sem contraste, e sons aprazíveis) da conjunção entre povos. Agudás: Os Brasileiros do Benin serve de ponto de partida para um tema que o espectador precisará pesquisar por conta própria, num momento pós-sessão.

Agudás: Os Brasileiros do Benin (2023)
4
Nota 4/10

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