Naves espaciais. Batalhas intergalácticas. O mapa para um tesouro secreto. Inimigos que incluem trens devoradores de pessoas e criaturas eletrônicas gigantescas. Exploradores espaciais destemidos, resgatando criancinhas indefesas. Monstros, raios laser, frases inspiradoras apontando que a verdadeira riqueza se encontra em nossos corações. Mundo Proibido certamente conhece muito bem as suas referências, e sabe qual tipo de cinema deseja ser.
Esta é provavelmente a principal qualidade desta animação brasileira. Os diretores Alê Camargo e Camila Carrossine ostentam a cinefilia e a paixão pelos universos da ficção científica e fantasia como uma medalha de honra. Os espectadores reconhecerão referências, piscadelas e, sobretudo, uma ode ao imaginário coletivo que vai Star Wars aos gibis contemporâneos. É evidente que os criadores dominam os códigos, personagens e discursos destas produções. Dedicam-se, portanto, a se aproximar ao máximo deste horizonte (norte-americano, em sua maioria).
Em diversos momentos, o trabalho de criação de personagens e cenários impressiona. A tela grande é o espaço adequado para travar contato com os universos finamente desenhados por onde Fujiwara Manchester e Lydia se deslocam. A riqueza de um mundo de cores ocre, a travessia sobre uma ponte estreita e a chegada à natureza local enchem os olhos, conquistando o efeito de deslumbramento buscado pelos autores. No que diz respeito à atratividade dos desenhos e ao requinte técnico, o filme brasileiro rivaliza sem dificuldade com grandes animações estrangeiras.
Em diversos momentos, o trabalho de criação de personagens e cenários impressiona. Mas isso não significa que os personagens sejam bem desenvolvidos.
Entretanto, a qualidade da imagem nunca foi exatamente o problema da cinematografia brasileira de animação. Ainda mais no momento frutífero que traz Placa-Mãe, Bizarros Peixes das Fossas Abissais, Perlimps, Tito e os Pássaros, etc. A pequena deficiência reside, em geral, no roteiro. Muitas vezes, questiona-se como tamanha dedicação ao desenho e à finalização (um trabalho de muitos anos, quase sempre efetuado por equipes pequenas) é aplicado a roteiros que ainda não aparentam prontos para a realização.
Algo semelhante ocorre aqui. Camargo e Carrossine sabem exatamente qual aparência e ambientação Mundo Proibido deve ter — e atingem este tom sem grande esforço. Miram numa aventura leve, familiar, comandada por um explorador malandro e sua namorada limitada à função de companheira. Ele se expressa através de provocações e tiradas ágeis do vocabulário oral. O roteiro brinca muito consigo mesmo — vide as piadas acerca de frases em latim, e o gigantesco inimigo que pode ser combatido ao desligar os cabos da tomada. Existe um bem-vindo senso de autoironia no conjunto.
Em contrapartida, isso não significa que os personagens sejam bem desenvolvidos, tanto em sua construção psicológica, quanto nas motivações. Trata-se de arquétipos do herói, da mocinha, da criancinha órfã, do monstro-bicho-de-estimação, etc. Eles conquistam seus objetivos sem real esforço ou investigação. Ela recebe um temperamento mais defensivo e doméstico (Lydia sonha em abandonar tudo para viver seu amor em casa), embora ele não consiga viver longe da adrenalina. A criança que o universo lhes oferece de presente, pelo caminho, serve para formar a família patriarcal perfeita. A reprodução fiel das referências também impede sua modernização, neste caso.
Aliás, por que Fujiwara queria este dinheiro todo? Em que gastaria a fortuna? Quais desafios enfrentou no passado? Como eles se comportam fora da única jornada que ocupa a narrativa? Possuem família, amigos, ou são apenas os dois? O que justifica um resgate em frente aos trens, que se converte em martírio? Qual a lógica ou função do monstro sobre os trilhos? Por que o trio segura a forca oferecida pelos possíveis inimigos? Que cultura teriam os habitantes locais, que terminam a trama vestidos como humanos contemporâneos, de jeans e camiseta? As escolhas de arte e trama despertam mais dúvidas do que certezas.
Mesmo o caráter brasileiro do projeto pode ser questionado: os diálogos remetem a frases em inglês traduzidas, com as tiradas habituais do linguajar gringo, enquanto componentes de brasilidade fogem aos cenários, figurinos e comportamentos dos protagonistas, para além das gírias do herói. Embora uma canção em português apele para frases óbvias naquele contexto (“Venha logo e pegue esse trem”), no desfecho, é o inglês que domina o tema emotivo da dupla central. Haveria diversas maneiras de combinar a raiz estrangeira com brasileirismos sem renunciar às nossas especificidades locais.
Mundo Proibido também levanta questionamentos acerca de seu público-alvo. A classificação indicativa indica 14 anos, provavelmente devido às cenas de nudez, referências sexuais, imagens de cadáveres em putrefação e palavrões (“Eu falo a caralha do Galacticon!”). Mesmo assim, ainda pode soar excessivamente infantil, em sua construção maniqueísta do mundo, para apelar ao público adulto. Talvez se pense no segmento adolescente que — espera-se — possa descobrir a produção e contemplar os poucos horários em que a obra foi disponibilizada nas salas de cinema em São Paulo, por exemplo. “Chega a hora em que devemos crescer e virar aquilo que devemos ser”, afirma a lição de moral. Não seria um ensinamento simples (ou puro, ou inocente) demais para nossos tempos tão cínicos?
Ao final, resta o prazer de encontrar uma obra de poucas concessões. Os diretores aparentam ter desenvolvido o filme que gostariam, abraçando os excessos e lacunas que achavam pertinentes, aplicando as cores, mensagens e interações que desejavam. Mantiveram a alusão sexual entre macacos, a chegada providencial de personagens para resolverem todos os problemas (os mesmos macacos), além dos códigos desgastados de gênero (meninos vestem azul; meninas vestem rosa). O texto não parece ter se questionado e aprimorado durante muito tempo, passando à concretização com uma fé tão sincera quanto ingênua no funcionamento desta pequena trama espacial. Existe um caráter louvável nesta forma de cinema enquanto gesto de autoafirmação do prazer cinéfilo.