Mundo Proibido (2022)

Licença por cinefilia

título original (ano)
Mundo Proibido (2022)
país
Brasil
linguagem
Animação, Aventura, Ficção Científica
duração
95 minutos
direção
Alê Camargo, Camila Carrossine
vozes originais
Pierre Bittencourt, Shallana Costa, Giulia de Brito, Alê Camargo, Cassiano Ávila, Paulo Porto
visto em
Cinemas

Naves espaciais. Batalhas intergalácticas. O mapa para um tesouro secreto. Inimigos que incluem trens devoradores de pessoas e criaturas eletrônicas gigantescas. Exploradores espaciais destemidos, resgatando criancinhas indefesas. Monstros, raios laser, frases inspiradoras apontando que a verdadeira riqueza se encontra em nossos corações. Mundo Proibido certamente conhece muito bem as suas referências, e sabe qual tipo de cinema deseja ser.

Esta é provavelmente a principal qualidade desta animação brasileira. Os diretores Alê Camargo e Camila Carrossine ostentam a cinefilia e a paixão pelos universos da ficção científica e fantasia como uma medalha de honra. Os espectadores reconhecerão referências, piscadelas e, sobretudo, uma ode ao imaginário coletivo que vai Star Wars aos gibis contemporâneos. É evidente que os criadores dominam os códigos, personagens e discursos destas produções. Dedicam-se, portanto, a se aproximar ao máximo deste horizonte (norte-americano, em sua maioria).

Em diversos momentos, o trabalho de criação de personagens e cenários impressiona. A tela grande é o espaço adequado para travar contato com os universos finamente desenhados por onde Fujiwara Manchester e Lydia se deslocam. A riqueza de um mundo de cores ocre, a travessia sobre uma ponte estreita e a chegada à natureza local enchem os olhos, conquistando o efeito de deslumbramento buscado pelos autores. No que diz respeito à atratividade dos desenhos e ao requinte técnico, o filme brasileiro rivaliza sem dificuldade com grandes animações estrangeiras.

Em diversos momentos, o trabalho de criação de personagens e cenários impressiona. Mas isso não significa que os personagens sejam bem desenvolvidos.

Entretanto, a qualidade da imagem nunca foi exatamente o problema da cinematografia brasileira de animação. Ainda mais no momento frutífero que traz Placa-Mãe, Bizarros Peixes das Fossas Abissais, Perlimps, Tito e os Pássaros, etc. A pequena deficiência reside, em geral, no roteiro. Muitas vezes, questiona-se como tamanha dedicação ao desenho e à finalização (um trabalho de muitos anos, quase sempre efetuado por equipes pequenas) é aplicado a roteiros que ainda não aparentam prontos para a realização.

Algo semelhante ocorre aqui. Camargo e Carrossine sabem exatamente qual aparência e ambientação Mundo Proibido deve ter — e atingem este tom sem grande esforço. Miram numa aventura leve, familiar, comandada por um explorador malandro e sua namorada limitada à função de companheira. Ele se expressa através de provocações e tiradas ágeis do vocabulário oral. O roteiro brinca muito consigo mesmo — vide as piadas acerca de frases em latim, e o gigantesco inimigo que pode ser combatido ao desligar os cabos da tomada. Existe um bem-vindo senso de autoironia no conjunto.

Em contrapartida, isso não significa que os personagens sejam bem desenvolvidos, tanto em sua construção psicológica, quanto nas motivações. Trata-se de arquétipos do herói, da mocinha, da criancinha órfã, do monstro-bicho-de-estimação, etc. Eles conquistam seus objetivos sem real esforço ou investigação. Ela recebe um temperamento mais defensivo e doméstico (Lydia sonha em abandonar tudo para viver seu amor em casa), embora ele não consiga viver longe da adrenalina. A criança que o universo lhes oferece de presente, pelo caminho, serve para formar a família patriarcal perfeita. A reprodução fiel das referências também impede sua modernização, neste caso.

Aliás, por que Fujiwara queria este dinheiro todo? Em que gastaria a fortuna? Quais desafios enfrentou no passado? Como eles se comportam fora da única jornada que ocupa a narrativa? Possuem família, amigos, ou são apenas os dois? O que justifica um resgate em frente aos trens, que se converte em martírio? Qual a lógica ou função do monstro sobre os trilhos? Por que o trio segura a forca oferecida pelos possíveis inimigos? Que cultura teriam os habitantes locais, que terminam a trama vestidos como humanos contemporâneos, de jeans e camiseta? As escolhas de arte e trama despertam mais dúvidas do que certezas.

Mesmo o caráter brasileiro do projeto pode ser questionado: os diálogos remetem a frases em inglês traduzidas, com as tiradas habituais do linguajar gringo, enquanto componentes de brasilidade fogem aos cenários, figurinos e comportamentos dos protagonistas, para além das gírias do herói. Embora uma canção em português apele para frases óbvias naquele contexto (“Venha logo e pegue esse trem”), no desfecho, é o inglês que domina o tema emotivo da dupla central. Haveria diversas maneiras de combinar a raiz estrangeira com brasileirismos sem renunciar às nossas especificidades locais.

Mundo Proibido também levanta questionamentos acerca de seu público-alvo. A classificação indicativa indica 14 anos, provavelmente devido às cenas de nudez, referências sexuais, imagens de cadáveres em putrefação e palavrões (“Eu falo a caralha do Galacticon!”). Mesmo assim, ainda pode soar excessivamente infantil, em sua construção maniqueísta do mundo, para apelar ao público adulto. Talvez se pense no segmento adolescente que — espera-se — possa descobrir a produção e contemplar os poucos horários em que a obra foi disponibilizada nas salas de cinema em São Paulo, por exemplo. “Chega a hora em que devemos crescer e virar aquilo que devemos ser”, afirma a lição de moral. Não seria um ensinamento simples (ou puro, ou inocente) demais para nossos tempos tão cínicos?

Ao final, resta o prazer de encontrar uma obra de poucas concessões. Os diretores aparentam ter desenvolvido o filme que gostariam, abraçando os excessos e lacunas que achavam pertinentes, aplicando as cores, mensagens e interações que desejavam. Mantiveram a alusão sexual entre macacos, a chegada providencial de personagens para resolverem todos os problemas (os mesmos macacos), além dos códigos desgastados de gênero (meninos vestem azul; meninas vestem rosa). O texto não parece ter se questionado e aprimorado durante muito tempo, passando à concretização com uma fé tão sincera quanto ingênua no funcionamento desta pequena trama espacial. Existe um caráter louvável nesta forma de cinema enquanto gesto de autoafirmação do prazer cinéfilo.

Mundo Proibido (2022)
6
Nota 6/10

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