Quem nunca tiver ouvido falar em Antônio Bandeira, aprenderá neste documentário que ele foi um pintor, expoente da arte abstrata no Brasil. Morou diversas vezes na França, onde teve contato tanto com as obras clássicas quanto com os novos artistas europeus. Alterou seu estilo de pintura rumo a uma composição mais livre, que valorizava as cores, recusando-se a adotar os traços comuns da época. Por isso, nem sempre foi bem aceito no meio artístico, nem mesmo reconhecido pelos familiares. Ainda assim, constitui um dos principais nomes das artes plásticas do Ceará.
Trata-se de uma explanação tão competente quanto didática, auxiliada por especialistas na área, e por intelectuais cearenses que pontuam os principais deslocamentos, conflitos e viradas na trajetória do artista. Entendemos em qual momento ele viaja, retorna ao país, expõe quadros, modifica seu estilo. Os entrevistados comentam a peculiaridade de sua pintura, seu caráter acolhedor, o aspecto sedutor, e assim por diante. Narram episódios que partem da infância, quando uma professora o incentiva na arte do desenho, até chegarem ao falecimento que comoveu o meio artístico brasileiro.
Uma explanação tão competente quanto didática. O cineasta confina sua obra ao objetivo humilde de evocar Bandeira, como se a nobreza do tema o dispensasse da busca por uma estética própria.
Caso o diretor Joe Pimentel e os demais criadores estimem ser esta a principal função da obra, terão cumprido com excelência sua ambição. O aspecto educativo serve como porta de entrada à vida e obra do pintor e, caso o espectador se interesse por maiores detalhes desta trajetória, poderá pesquisar por conta própria, a posteriori. É evidente o carinho do cineasta com seu protagonista, reforçado pela presença do sobrinho dele, Francisco Bandeira, que retraça os passos do tio pela França e soma-se às vozes que reconstituem o artista.
Em contrapartida, a linguagem acadêmica possui suas limitações. O Poeta das Cores segue à risca o raciocínio tradicional do show and tell, no qual a imagem tem como função repetir e ilustrar o conteúdo sonoro. Quando algum testemunho menciona Saint-Germain-des-Près, vemos uma placa relacionada ao bairro francês. Quando se menciona o uso da cor vermelha, contemplamos quadros com a cor vermelha. Lista-se a elegância do homem e, de imediato, surgem fotografias do artista em trajes refinados. Fala-se novamente na França, então parte-se para o imaginário das viagens em Bateaux Mouches sobre o Senna, com trilha sonora de jazz leve e imagens em preto e branco.
Não existe nenhum dissenso entre os depoentes. Eles se comunicam em uníssono na tarefa invariável de elogiar o protagonista (“A pintura de Bandeira mostra o que é um trabalho de mestre”, “Se não tivesse morrido, ele seria um dos artistas abstratos mais importantes do mundo”), apontá-lo como pioneiro (“O que ele fez lá [na França] adiantou o relógio do Brasil”) e pressupor psicologismos e outras intimidades impossíveis de verificar factualmente (“Em 1961 ele teve o ano mais feliz da vida dele”). O intuito é convencer o espectador quanto ao talento do gênio, por meio da reincidência do discurso unívoco.
Ora, as imagens soam um tanto genéricas. Apesar da captação competente (em termos de luz e som) das entrevistas, tanto os espaços em que estas pessoas discursam quando os materiais de arquivo (da França e dos museus) soa bastante impessoal. Os criadores aparentavam dispor de poucos registros do próprio Bandeira, que nunca ganha a oportunidade de falar por si mesmo, ou ser visto em vídeos e entrevistas. É curioso que se relegue aos créditos finais um raríssimo vídeo do protagonista e, mesmo assim, dispensando o som direto. Nada teria restado das participações do artista como ator em dois filmes? Faz muita falta que o cearense se expresse por si próprio, para além da narração de Cláudio Jaborandy, interpretando-o em off.
A estrutura convencional dos talking heads, somada ao caráter cronológico, linear e descritivo do roteiro, impede o documentário de propor qualquer criação autoral, metafórica, capaz de representar Bandeira. Durante toda a experiência do filme, ele será contado, explicado, resumido. Para um pintor inventivo e criativo, oferece-se um formato tão correto quanto avesso à inventividade e ao risco. O cineasta confina sua obra ao objetivo humilde de evocar Bandeira, como se a nobreza do tema o dispensasse da busca por uma estética própria, capaz de dialogar com o trabalho do pintor de igual para igual.
Nos minutos finais, o roteiro encontra tangentes interessantíssimas, capazes de fugir da listagem Wikipédia de deslocamentos, viagens e principais trabalhos. Menciona-se a importância de ser um artista negro no Brasil da época, enquanto se levanta a questão das falsificações e da impressão de “facilidade” da criação de obras abstratas. Trata-se de discussões fascinantes, e importantíssimas para retirar Bandeira da mera sucessão de fatos. Infelizmente, as reflexões chegam tarde, e jamais se desenvolvem a contento. Entretanto, elas revelam que, caso desejassem, os artistas teriam muito a debater a partir de Bandeira, pensando a arte e a sociedade brasileiras de modo mais amplo. Resta um esforço tão eficaz quanto singelo — um filme voluntariamente pequeno para um artista tão grande.