Em algum lugar de Ararat reside uma ficção muito potente. A premissa se presta a um tenso drama familiar: a filha Zeynep (Merve Aksoy) sobrevive a um acidente de carro, que provoca fatalidades. Dizem as vozes na região que a garota bateu o veículo de propósito. O pai conservador aposta toda a renda da família numa nova empresa de mármore, até perceber que os negócios são menos rentáveis do que imaginava. A mãe sofre humilhações de todos os lados, e permanece em silêncio, embora compreenda tudo o que ocorre por trás das portas fechadas.
O longa-metragem aparenta investigar a configuração nociva das famílias patriarcais no século XXI. Hasan (Rasim Jafarov), o pai-tirano, governa o lar na base de gritos, socos e tapas. Dá ordens ríspidas, e espera ser atendido de imediato. Quando procura alguma resposta sobre os acontecimentos, inicia verdadeiros interrogatórios com esposa e filha. Na ausência de explicação que lhe convenha, aumenta o tom, repete a pergunta, desfere um golpe. Com a honra familiar em jogo, já que a menina é considerada a “puta” do vilarejo, ele decide agir de maneira ainda mais enérgica.
As diferenças de gênero, geração e cultura (trata-se de uma família turca vivendo na Alemanha) se prestariam a um belo estudo de realismo social, ou então aos suspenses sociológicos que Asghar Farhadi efetua tão bem. No entanto, o diretor Engin Kundağ escolhe uma maneira muito particular de filmar e, sobretudo, de editar este material. Por algum motivo, estima que quanto mais esticar os planos, mais tensa será a troca entre os personagens. Talvez estejam receosos, buscando suas palavras antes de responder.
Por algum motivo, o diretor estima que quanto mais esticar os planos, mais tensa será a troca entre os personagens.
Isso significa que as cenas se tornam artificialmente longas, e os atores são condicionados a esperarem longos segundos — sem exagero — antes de reagirem a cada nova provocação. As trocas seguem esta estrutura: “Por que você passou no bar ontem?”. (Silêncio de dez segundos, elenco imóvel em cena). “Porque sim”. (Silêncio de dez segundos). “Por que você foi ao bar ontem?”. (Silêncio de dez segundos). “Por que eu quis”. (Mais dez segundos). E assim por diante. Às vezes, os atores ficam tão estáticos em cena que alguns espectadores, na sala de cinema, se questionavam se a imagem não teria congelado, ou ocorrido um erro de projeção.
O estilo mui-to pau-sa-do se combina com atividades cotidianas igualmente esticadas pela montagem de Evelyn Rack, além de encenações repetidas, baseadas em gestos e enquadramentos idênticos. Há uma predileção por sequências de almoço e jantar, além dos personagens deitados na cama. O som capricha na deglutição dos alimentos enquanto marido e esposa digerem calados, e rancorosos devido a alguma briga calorosa que antecedeu a refeição. A imagem espera, espera, acompanhando inúmeras colheradas. Na cena de jantar seguinte, reencontramos os personagens provando algum prato novo, através de ângulos parecidos.
Tal opção conceitual poderia se justificar caso o tema fosse o tédio, o vazio de uma vida de classe média, ou se as ações idênticas começassem a se ressignificar, revelando fissuras inesperadas no núcleo patriarcal. Ora, nada disso acontece de fato. As agressões se reincidem, sem necessariamente fazer a trama avançar. Não há nenhuma investigação ou desenvolvimento no caso do acidente de carro, e os problemas financeiros decorrentes do mármore surgem de uma hora para a outra. Kundağ transmite a dificuldade de trabalhar a progressão, a tensão ou as relações de causa e consequência.
Por isso, Ararat se articula numa lógica simples demais de contração e relaxamento, ataque e defesa. Faltaria apostar em ambiguidades, de metáforas, e transições levando de um estilo tenso ao outro, moroso em excesso. Como um acidente de carro, numa trama que se pressupõe naturalista, pode adquirir rumos tão inconsequentes? A direção se concentra apenas nos traços exteriores (o rosto impassível, a boca que grita), evitando uma construção psicológica aprofundada. Terminaremos a trama sem conhecer de fato estes indivíduos violentos e rancorosos.
Esta linguagem pode ser interpretada dentro de uma vontade autoral de ser sombrio, árido, e hermético ao público amplo. (Dentro da sala de cinema, muitas pessoas dormiam). As escolhas de montagem, em particular, transformam o dilema humano numa versão homeopática do conflito, ou numa compreensão afetada do que seria o cinema de autor. Há um prazer em alienar parte do público em nome de certa ousadia formal, que contribui em pouco à fruição da trama, ou ao trabalho dos atores. Em outras palavras, sacrifica-se o elenco, o ritmo e o vigor da narrativa em nome de uma vaidade da direção, que planeja chamar atenção a si própria.
Por este fator, o elenco fica preso a composições desequilibradas — não em razão das qualidades de cada um, mas do condicionamento do cineasta. Merve Aksoy constitui uma bomba de agressões e grosserias, reagindo sempre com a mesma expressão de desgosto e afronta. Supõe-se que a atriz fosse capaz do comedimento, do sarcasmo, da dissimulação, e muitas outras formas de se impor face aos colegas de cena. Rasim Jafarov, por sua vez, explode em mesmo nível, até demonstrar um silêncio implosivo, um olhar de horror. As pausas forçadas se convertem em obstáculos para ambos, que se esforçam de maneira louvável.
Ao final, Ararat terá oferecido 95 minutos de uma visão desesperançosa da humanidade. A conclusão aponta para a manutenção do status quo, além da opressão dos excluídos. Por trás desta suposta crítica social que não investiga causas, nem possibilidades alternativas de existência, paira um teor fatalista, mesmo conformista em relação aos abusos. Por que lutar, se todos os esforços serão em vão? Por que rebelar contra as forças masculinas, se a dominação dos homens é insuperável — inclusive, com a conivência de algumas mulheres? Como de costume, as críticas associais resultam muito mais conservadoras do que pretendiam ser.