A sinopse nos sugere que Betânia (Diana Mattos) é uma senhora de 65 anos, vivendo em uma cidadezinha maranhense onde nem sequer existe energia elétrica. As filhas suplicam para que ela se mude a uma cidade maior, no entanto, a parteira, acostumada à região, resiste. Betânia também representa a Lagoa de mesmo nome, e o povoado vizinho onde vivem inúmeros personagens que interessam ao diretor e roteirista Marcelo Botta. O título diz respeito a uma mulher, uma cidade e uma ideia ampla de estar no mundo.
Por isso, os focos são múltiplos. Através de uma ciranda de pelo menos dez personagens, a narrativa discute o luto; o embate entre cidades grandes e localizações interioranas; a chegada de facções criminosas; o abuso de poder de pastores evangélicos; as vivências LGBTQIA+ fora dos centros urbanos; as famílias matriarcais; a possibilidade de reinvenção de si após os 60 anos; o ensino que deixaremos às nossas crianças; os crimes contra a natureza; o olhar estrangeiro em relação ao nosso patrimônio.
Além disso, o longa-metragem efetua uma grande homenagem aos Lençóis Maranhense e sua paisagem. Não se espanta o apoio institucional do Estado do Maranhão e da prefeitura de Santo Amaro nos créditos: os criadores jamais disfarçam a aparência turística da narrativa. Há muitas dezenas de planos aéreos da região de dia, de tarde, de noite, nos mais diversos ângulos e luzes, espalhados generosamente pela montagem. A transição entre cada cena traz uma enésima imagem aérea da natureza maranhense. Os drones trabalharam incansavelmente nesta produção.
Os autores demonstram maior interesse em imaginar conflitos do que em desenvolvê-los. Roteiro, direção e montagem ficam indecisos quanto aos objetivos e focos desta narrativa coral.
A este propósito, o elemento que mais chama a atenção nesta obra diz respeito à edição. O montador Márcio Hashimoto dispõe de diversas cenas atemporais — Betânia dançando com um boi nas dunas; os senhores locais entoando cânticos; o grupo ao redor da fogueira. Então, decide fragmentar ao máximo e espalhar estes registros de maneira quase aleatória ao longo da experiência. Cenas de suposta tensão ou carga dramática são interrompidas por inserts destes momentos lúdicos e fantasiosos, quebrando o ritmo e o tom das interações.
As noções de tempo e espaço começam a se diluir: Tonhão (Caçula Rodrigues) se encontra na cidade de origem de Betânia, ou já está no novo povoado? Este canto se situa no presente ou no passado, na forma de uma lembrança? Isso importaria à trama? Além de buscar o equilíbrio entre uma dezena de subtramas em paralelo, o montador ainda insere estes flashes e o sem-número de passagens turísticas para embaralhar os sentidos e o caminhar da trama. As cenas resultam curtas demais, enquanto personagens serão esquecidos antes da resolução de seus dilemas pessoais.
Uma adolescente experimenta a homoafetividade longe dos olhos da mãe, uma fundamentalista religiosa. Quando o caso é descoberto, a montagem corta a sequência, suspende a briga. Alguns minutos mais tarde, ambas serão vistas andando lado a lado. O caso foi superado? Quando, como? Betânia se muda contra a sua vontade para uma nova cidade após uma tragédia de grandes proporções. No entanto, vemos um pequeno fragmento dessa crise, e em seguida, a senhora parece muito contente de se encontrar no novo lar. Não sente saudades de onde veio? Não se indigna com os acontecimentos recentes?
Assim, os autores demonstram maior interesse em imaginar conflitos do que em desenvolvê-los e costurá-los a contento — vide a conclusão dos imbróglios envolvendo o pastor, um dinheiro roubado e o casal de turistas franceses. Estes últimos, aliás, dominam uma sequência estranhamente longa, com grande dificuldade de imprimir tom e tensão. Soam estranhos pelo português quase fluente a partir de pessoas que, a princípio, não falam a língua. Roteiro, direção e montagem ficam indecisos quanto aos objetivos e focos desta narrativa coral. Não sabem ao certo para onde virar os olhos, e quando viram, hesitam quanto à permanência em cada núcleo.
Como resultado, Betânia se torna coadjuvante da história portando o seu nome. Chegando à nova localidade, limita-se a observar silenciosamente os conflitos alheios. Resulta estranhamente conformista para a mulher descrita por todos enquanto destemida. Adiante, coordena abruptamente as buscas por pessoas perdidas nas dunas, para então retornar à calmaria de um lar contemplativo, onde os dias se parecem idênticos. É difícil acreditar nesta evolução vacilante de personagens e objetivos.
Muitas das escolhas deste projeto são compreensíveis: os autores pretendem abraçar diversas questões humanas que circulam esta região, sem se limitarem a um tema só (o luto, o etarismo, a independência feminina, etc.). Decidem representar esta parte do Maranhão por um olhar metonímico, inserindo na família da heroína todas as questões políticas e sociais que estimam importante desenvolver. Além disso, demonstram carinho real por esta parte do país e suas belezas naturais.
No entanto, jamais aprofundam nenhuma destas questões para além da constatação de sua existência e, pior ainda, não conseguem desenvolver o impacto dos conflitos na vida daqueles que os atravessam. A montagem frenética impede os personagens de sentirem o peso do tempo, o isolamento, a solidão aparentemente grave à vida de Betânia. Às vezes, o filme aposta numa linguagem próxima do documental, quando a parteira conversa com habitantes locais. Às vezes, aposta numa artificialidade extrema, saturando as cores ao limite da fantasia.
Diana Mattos apresenta uma atuação consistente — às vezes explosiva demais, ainda que cenas como a do sal na comida soem como um pedido do diretor, ao invés de simples escolha da atriz. Ela é capaz de sustentar os diversos questionamentos desta protagonista, que seriam mais do que suficientes para rechear uma obra de realismo social. Betânia possuiria maior consistência caso se focasse, de fato, em sua protagonista, ao invés de incontáveis cantos, imagens aéreas e personagens coadjuvantes pelo caminho.