Existe corrupção no Brasil. A lei não funciona para todos, privilegiando os mais ricos. Há racismo, machismo e homofobia nas instituições, criadas por homens brancos no intuito de favorecê-los. A polícia é truculenta; serve a proteger os interesses dos poderosos. Os mais pobres são explorados, e desamparados pelo Estado. O Brasil sofreu um golpe militar em 1964, com apoio dos Estados Unidos. Indígenas são massacrados, e não têm seus direitos reconhecidos. A justiça é muito mais severa com um manifestante pacífico do que com agressores sexuais ou empresários criminosos.
Brazyl, uma Ópera Tragicrônica acredita na necessidade de dizer o óbvio. O filme é composto por esquetes teatrais, nas quais os pensamentos listados acima, junto a muitos outros, se sucedem de maneira di-dá-ti-ca ao espectador. Em cena, seis atores interpretam múltiplos personagens cada. Muito distante do naturalismo, o cineasta José Walter Lima prefere alegorias claríssimas do rico e do pobre, do negro e do branco, do poderoso e do desprivilegiado. Seus políticos e empresários são perversos, enquanto os representantes do povo sofrem em silêncio. Mulheres são abusadas, perseguidas, assediadas. Os homens do poder, por sua vez, riem.
“A América Latina está com fome! Está com fome de quê? De justiça!”. “O mundo é movido pelo capital, e quem é que não gosta de dinheiro?”. “O falso patriotismo é o refúgio dos canalhas”. “A burguesia é subserviente ao imperialismo colonizador”. “A classe dominante suga e disseca os pobres”. “O mundo está doente, o país está doente, o Brasil está doente”. Frases como estas se multiplicam, muitas delas, entoadas diretamente à câmera, ao espectador. A quem interessar possa, saiba que nossa nação possui inúmeros problemas. Alguém ignorava a existência da corrupção, das desigualdades? Pois agora está ciente.
Brazyl, uma Ópera Tragicrônica possui a tendência a dizer tudo aquilo que pensa, em volume alto, articulando bem, de maneira incomodamente redundante. Dispensa qualquer possibilidade de dúvida, contradição, ambiguidade.
O projeto sofre, em primeiro lugar, de um problema de comunicação e foco. A quem se destina tal discurso? Para o espectador minimamente informado — aquele com predisposição a assistir a um filme independente brasileiro —, os aforismos martelados pelo discurso soam como o grau zero do senso comum, uma lista de evidências incontestáveis. Todos estes problemas existem, é claro. No entanto, qual valor haveria em listá-los de maneira tão explícita? Aos desavisados, ou incrivelmente alienados, é improvável que as imagens e sons lhes cheguem aos sentidos — ou seja, que paguem pelo ingresso e prestigiem a obra. Logo, prega-se para convertidos, num nível de simplicidade metafórica de quem não considera seu interlocutor particularmente inteligente.
Em segundo lugar, o dispositivo teatral se esgota com rapidez. Passados cinco minutos de experiência, o espectador já terá visto tudo aquilo que, em termos estéticos, os criadores têm a oferecer. Trata-se dos mesmos seis atores, sobre um palco, diante de projeções pouco inventivas do Brasil, projetadas na tela ao fundo. As falas à câmera também ocorrem sob efeitos luminosos padronizados e repetitivos. Faltando dez minutos para o encerramento, uma animação colorida sugere a explosão da bomba atômica — talvez o primeiro instante de criatividade e ousadia. Pena que ela intervenha tarde demais: a narrativa se encerra em seguida, sem dar a oportunidade para que a linguagem distinta influencie os demais sons e imagens.
Em terceiro lugar, a extrapolação alegórica, propensa às paródias e caricaturas, não ajuda a complexificar o discurso de um país mais complexo do que as denúncias inequívocas permitem entrever. A excelente Clara Paixão, destaque recente do belo drama A Mensageira, resume-se na maioria das cenas à “negra”, símbolo da alteridade, do outro, do diferente, da vítima. E dá-lhe perseguição, humilhação, exposição, em nome de uma denúncia exemplar do racismo no país. Chega a ser um alívio quando, durante alguns segundos, a atriz encarna uma militar conservadora. De resto, reduz-se ao papel do alvo. Cabe pensar se esta seria a maneira mais honrável de utilizar os amplos talentos da atriz, reduzindo-a a um arquétipo desprovido de subjetividade.
Ao espectador, oferece-se pouco a elaborar ou questionar. Afinal, Brazyl, uma Ópera Tragicrônica possui a tendência a dizer tudo aquilo que pensa, em volume alto, articulando bem, de maneira incomodamente redundante. Dispensa qualquer possibilidade de dúvida, contradição, ambiguidade. Trata seus espectadores como crianças indisciplinadas, a quem precisa transformar qualquer mensagem em espetáculo grandiloquente, colorido e divertido, para reter a sua atenção.
Embora a linguagem dialogue com o tropicalismo e a cultura carnavalesca, procurando um ativismo à brasileira, ela faz pouco para explorá-lo dentro dos potenciais da estética cinematográfica. A câmera permanece frontal, observando os atores da posição de uma plateia teatral. Movimenta-se pouco, evita criar novos ângulos e espaços de percepção. Nem mesmo as projeções ao fundo adquirem novas funções. É curioso que, para afirmações de tamanha grandiosidade, tenha-se optado por uma linguagem tão modesta. O teatro de boas intenções fica aquém das ambições antropofágicas, históricas e militantes de sua trupe.