Cloud: Nuvem de Vingança (2025)

Pequenas ações, grandes consequências

título original (ano)
Kuraudo (2024)
país
Japão
gênero
Suspense, Ação
duração
124 minutos
direção
Kiyoshi Kurosawa
elenco
Masaki Suda, Kotone Furukawa, Daiken Okudaira, Yoshiyoshi Arakawa, Masataka Kubota, Yoshiyuki Morishita
visto em
14º Olhar de Cinema (2025)

“Essa é a realidade”. Durante a apresentação em vídeo enviada ao público do 14º Olhar de Cinema, o diretor Kiyoshi Kurosawa insistiu que seu suspense teria como objetivo se aproximar ao máximo da realidade japonesa, misturando-a com elementos do cinema de sensações norte-americano. Ele autoavaliou seu trabalho positivamente, estimando que cumpriu “muito bem” com a fusão de elementos, e que a atuação de Masaki Suda, no papel principal, era “excelente”. Ao descrever a possível universalidade da trama, estimou que ela poderia ocorrer “em todo o Japão”. Não em todo o mundo, mas na totalidade japonesa. Afinal, que país é esse, pelos olhos do cineasta?

Cloud: Nuvem de Vingança traz uma visão pouco otimista da vida em sociedade. A narrativa é povoada por pequenos golpistas, mulheres interesseiras, assistentes mafiosos, policiais corruptos e vizinhos vingativos. Já o protagonista Ryôsuke Yoshii representa um jovem solitário. Ele não possui família, amigos duradouros, e demonstra nulo interesse pela namorada que, ocasionalmente, dorme na sua casa. Além disso, não possui obrigações com a sociedade, o que lhe permite bolar qualquer plano para conseguir dinheiro, e se mudar de cidade de maneira instantânea quando a ocasião o exige. 

É difícil torcer por quem quer que seja em meio a tantos indivíduos inescrupulosos, impulsivos, fracos e pouco inteligentes — uma ciranda de pessoas tristes com arma na mão.

No caso, este revendedor adquire produtos baratos e os superfatura na hora da venda. Apesar da insistência, ele nunca colhe os frutos da empreitada: para cada venda bem-sucedida, as seguintes corroem o modesto capital acumulado. Certa vez, Ratel (seu apelido na Internet) vende bolsas de origem duvidosa — possivelmente falsificadas. Isso basta para gerar a sua ruína. Pessoas na Internet buscam o falsário, e a polícia fica em seu encalço. Nos grupos online, compradores planejam encontrar o endereço do malandro e matá-lo. Poucos dias depois, eles estão armados com espingardas, planejando sequestro e tortura, a serem exibidos em rede nacional. “Você vai conhecer o inferno!”, eles bradam com olhares assustadores.

Trata-se de uma curiosa realidade, segundo Kurosawa — não exatamente pelo acontecimento dos fatos (sem dúvida, há inúmeros trapaceiros no Japão, como em qualquer lugar do mundo) mas pela velocíssima escalada das hostilidades. A “vingança” embutida de modo espetacular no título brasileiro diz respeito a um duplo movimento: primeiro, destes clientes e revendedores que se sentem enganados por Yoshii, e segundo, do protagonista contra seus algozes. Partindo de uma juventude frustrada, em busca de enriquecimento instantâneo, chega-se a um inesperado bangue-bangue entre pequenos bandidos e minúsculos embusteiros. O jovem é apresentado enquanto inimigo número um; delinquente que acumula desafetos por todo o país. Tudo isso por algumas bolsas falsificadas e aparelhos acima do preço de custo?

O cineasta evita mergulhar na psicologia dos personagens, ou enxergar o mundo pelo olhar de qualquer um deles. Assim, o espectador é posicionado à igual distância de todos, descobrindo somente durante a ação o que estes sujeitos têm em mente. Nunca entendemos a origem, ou os planos motivados pela ganância do personagem central, tampouco as inúmeras mudanças de temperamento e opinião das pessoas que o cercam (o ex-parceiro Muraoka, o assistente Sano, a namorada Akiko). Informações são apresentadas de maneira abrupta (a identidade do vizinho que depreda a casa; dados a respeito do passado criminoso do chefe da gangue), com altíssimo teor de catarse. As pessoas gritam, choram, contorcem-se no chão, quebram uma casa a madeiradas. 

Mesmo assim, podendo matar Yoshii em inúmeras oportunidades, os adversários simplesmente o esquecem sozinho três vezes seguidas, possibilitando a fuga. Cloud: Nuvem de Vingança está repleto de conveniências de roteiro, o que inclui o encontro por acaso com diversas pessoas na rua, uma queda injustificável na moto e celulares facilmente rastreáveis (que voltam a funcionar na hora providencial). Embora seja ameaçado de morte com frequência, “Ratel” nunca cogita troca o nickname, esconder-se sob novo alter-ego virtual. Apesar de gerenciar operações secretas, esclarece a qualquer interessado sobre os objetos comprados e modus operandi na revenda. 

Torna-se difícil torcer por quem quer que seja em meio a tantos indivíduos inescrupulosos, impulsivos, fracos e pouco inteligentes. No terço final, quando o longa-metragem se converte numa obra policial comum, baseada em trocas de tiros e perseguições num galpão, o espectador se depara com um grupo de fracassados devorando-se mutualmente — uma ciranda de pessoas tristes com arma na mão. Todos aprendem a atirar, descobrem táticas de guerra, escondem-se atrás de trincheiras convenientemente dispostas no caminho entre inimigos — mais um facilitador irresistível aos olhos da direção.

Neste sentido, Cloud: Nuvem de Vingança oscila fortemente entre tons, ora apostando no humor farsesco e físico, ora acreditando dizer algo grave e profundo a respeito da cobiça. “Você está querendo ser mais feliz do que os outros?”, reclama o chefe de Yoshii, ao descobrir os planos de enriquecimento do rapaz. “Eu sou… tão ruim assim?”, questiona-se, pela primeira vez, o revendedor, ao perceber a horda de matadores que o cercam. Nenhum laço é confiável ou duradouro, e todos podem se trair, dependendo das conveniências. A nuvem do título faz referência à aparência nebulosa que prepara à entrada no inferno. A perspectiva não se mostra particularmente otimista.

O resultado é certamente agradável em termos de ritmo e condução. Para uma obra com pouco mais de duas horas de duração, Kurosawa elabora um suspense ágil, repleto de reviravoltas. Entretanto, permanece na dúvida constante entre imersão e distanciamento, entre criticar o mundo do crime ou se divertir a partir de suas regras. Afinal, o mundo dos trapaceiros é condenável ou delicioso? Lamentável ou divertidíssimo? O discurso jamais se decide. Embora apresente um painel devastador do estado das coisas, o projeto evita compreendê-lo com base em raízes culturais, políticas, sociais. Trata-se de uma questão geracional, de falta de oportunidades sistêmicas, de má índole individual? Não sabemos. Novos personagens surgem de lugar nenhum, com motivações repentinas e ações ainda mais abruptas. A obra adora mostrar o caos nas relações de poder, mas não necessariamente refletir sobre elas.

Cloud: Nuvem de Vingança (2025)
6
Nota 6/10

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