M (Putthipong Assaratanakul) é um péssimo filho e neto. O adolescente passa os dias no celular, ou jogando videogame. Não estuda, nem trabalha, e se recusa a ajudar a mãe em casa, apesar de vê-la sobrecarregada pelos empregos acumulados. Ele tampouco se importa com a avó Amah (Usha Seamkhum), mesmo quando esta sofre uma queda e fica internada no hospital. Pressionado para dar alguma atenção à senhora idosa, ele responde: “Vai me pagar para visitá-la? Meu tempo é dinheiro”.
Ele não é o único personagem insensível. M tem dois tios: o primeiro será descrito o filme inteiro enquanto vagabundo (vive de golpes, rouba dinheiro da avó, nunca se estabelece). O segundo, riquíssimo, prefere enviar alguma enfermeira para ajudar a senhora no hospital, ou proporcionar algum auxílio financeiro, a passar tempo com ela de fato. Como se percebe, a tese do diretor e co-roteirista Pat Boonnitipat é simples: vivemos numa sociedade individualista, hedonista, que perdeu o senso de empatia e solidariedade — algo que vale para ricos e pobres, igualmente. Mas nada que a proximidade com a morte não possa corrigir.
Isso porque a avó descobre um câncer em estágio terminal. Regra número um do melodrama convencional: anuncie uma doença incurável, uma morte iminente. Hollywood também adora o preceito humanizador do sofrimento alheio: vide Lado a Lado, Doce Novembro, Um Amor para Recordar, A Culpa É das Estrelas, etc. Forneça um ótimo motivo para seus personagens egoístas manifestarem interesse pela vida alheia, conquistando a redenção. Assim, os autores acreditam num futuro mais promissor, a partir desta retomada moralizadora da caridade em tempos atuais. Basta testemunhar pessoas definhando ao nosso lado, afinal. Sofrem por nós, para nos ajudar.
Regra número um do melodrama convencional: anuncie uma doença incurável. Forneça um ótimo motivo para seus personagens egoístas manifestarem interesse pela vida alheia, conquistando a redenção.
Assim, como esperado, M se humaniza. Começa a cuidar da avó, tomando gosto pela tarefa. Descobre-se rapidamente um bom enfermeiro; recusa dinheiro quando lhe oferecem; dá bronca nos tios ausentes; preocupa-se com o cansaço da mãe trabalhadora. Ele se esquece do videogame, e afasta a proposta aproveitadora da prima, para quem os cuidados com idosos representam somente a oportunidade de uma participação na herança. Como os demais personagens não dedicam tempo a Amah, são privados deste aprimoramento pessoal. Continuam vagabundos (tio 1), indiferentes (tio 2), ou atarefados demais (mãe).
Pat Boonnitipat sabe trabalhar com os clichês. A partir de um enredo de profunda previsibilidade, atrai o espectador médio pelo humor: o primeiro terço se aproxima de uma comédia pastelão. No entanto, qualquer traço de leveza ou autoironia desaparece nos terços seguintes, quando o cineasta abraça doenças, morte e solidão. A comédia servia como uma espécie de isca, embora o autor não demonstre nenhum interesse genuíno na possibilidade de rir junto da morte, com ela, graças a ela. Ou aborda o humor (compreendido como sinônimo de irresponsabilidade), ou investiga o drama (visto enquanto gravidade, solenidade). Os dois, em simultâneo, lhe parecem incompatíveis.
Algo semelhante ocorre com a trilha sonora. Ela se inicia pontual, leve, até os dedilhados genéricos ao piano se acentuarem, tomando por completo a banda sonora, rumo à concretização do destino trágico. Qualquer meio sorriso ou gesto de despedida aciona o acompanhamento do piano triste, com ocasional intervenção de um violino tristíssimo. As regras ainda exigem que símbolos do início sejam recuperados e ressignificados (o ato de jogar flores no cemitério), outros sejam inventados abruptamente (o valor da romã no jardim) e introduzidos a fórceps para produzir lágrimas (a revelação de um segredo ao final).
Pelo menos, How to Make Millions Before Grandma Dies (título internacional) conta com belas atuações, sobretudo de Usha Seamkhum. Diante de um texto nada sutil, ela minimiza os instantes rabugentos da primeira parte, e atenua a generosidade com o neto na segunda parte. Transmite uma infinidade de pequenos remorsos e alegrias mínimas. Se existe alguma parcela de sutileza e gradação entre sentimentos, ela decorre deste trabalho. Sarinrat Thomas, no papel da mãe de M, também conquista belas cenas esporádicas, a exemplo da confissão ao filho no sofá de casa.
Em certa medida, o projeto remete ao excepcional A Despedida (2019), de Lulu Wang, que também confrontava a família à morte próxima da avó. No entanto, no exemplar sino-americano, havia senso de ironia, além da capacidade de se constituir enquanto comédia dramática propriamente dita: havia humor no desconforto, risadas a respeito da morte. Ninguém era obrigado a se tornar uma pessoa melhor para ganhar a simpatia do espectador. Aqui, retomam-se as convenções que talvez justifiquem a inclusão da obra tailandesa na pré-lista do Oscar de filme em língua não-inglesa. Afinal, Pat Boonnitipat honra o ponto de vista da indústria norte-americana.
Este longa-metragem tem recebido belo acolhimento de público e crítica devido ao caráter afetuoso, otimista, conciliador. Sem dúvida, estas características estão presentes na narrativa. Transbordam, aqui e acolá, reações do tipo “Fiquei com vontade de ligar para a minha avó e dizer que a amo”. No entanto, o diretor observa seus personagens com piedade: ele transparece dó pela vó doente, pena pelo neto incapaz de apreciá-la a princípio, e desprezo pelos familiares ensimesmados. Logo, introduz um toque de mágica para permitir que se reúnam. Algo semelhante ocorre com tantas pessoas que, após sobreviverem a um acidente ou doença grave, aproximam-se do caminho da fé.
Em consequência, o mecanismo defendido pelo roteiro se assemelha muito aos dramas religiosos, sobretudo os cristãos, caso se deseje transpor a perspectiva para a nossa realidade ocidental — embora o projeto tailandês seja laico. Acredita-se que nada melhor do que a suspensão da razão (dando lugar a uma crise emocional envolvendo o medo, a angústia, a tristeza) para nos reconectar com as virtudes essenciais do ser humano. Existe um caráter menos gentil do que condescendente, e até arrogante, nesta redução da sociedade contemporânea a um aglomerado de ovelhas desgarradas, carentes de salvação espiritual.