Disco Boy é um filme estranho, para dizer o mínimo. A cerca de dois terços da trama, ainda não se sabe ao certo onde o diretor Giacomo Abbruzzese pretende chegar com as duas histórias paralelas, nem exatamente o ponto de vista que estabelece diante da tragédia. É difícil saber em que medida ele se identifica e solidariza com instituições citadas, como a Legião Estrangeira, onde trabalha um dos protagonistas, e a Frente de Libertação da Nigéria, onde trabalha o outro. Sente pena dos mortos nas florestas? Fica do lado das vítimas, dos agressores, dos mandatários?
Tamanha indefinição decorre do fato que os personagens africanos constituem, para o cineasta, sobretudo uma matéria plástica. O filme se abre com a imagem de dezenas de homens negros empilhados, dormindo uns sobre os outros, brilhando muito bem ao luar (a fotografia pertence à excelente Helène Louvart). Em seguida, um close-up revela Jomo (Morr Ndiaye) com um dos olhos amarelos, traço típico dos moradores do povoado. No entanto, jamais compreenderemos a importância política ou cultural deste fator diferencial. Ele é retratado, neste caso, como um artefato de moda utilizado por rapazes e garotas belíssimos, que posam para o enquadramento.
Julgando pela cena inicial, os protagonistas aparentam ser Aleksei (Franz Rogowski) e Mikhail (Michał Balicki), rapazes bielorrussos buscando se divertir na Europa. Depois, o foco se encontra apenas em Aleksei. Em seguida, entra a história de Jomo, líder dos guerrilheiros. A montagem se esquece por muito tempo dos franceses e imigrantes. Então o foco parece ser a Legião Estrangeira, como instituição, e a seguir entra em cena a guerra, que toma à frente do discurso. Ao contrário de um projeto sem foco, este aqui possui focos até demais. O autor se depara com uma encruzilhada no final de cada cena, fecha os olhos, e toma uma direção qualquer.
Abbruzzese nutre forte exotismo por estes homens e mulheres negros, pintados de cores incomuns, dançando de maneira desconhecida pelos europeus.
O resultado soa como um freestyle, um conjunto de peças que possuem notáveis belezas em separado, ainda que formem um conjunto problemático. Primeiro, porque o ponto de vista jamais pertence ao jovem africano, nem o interesse reside em sua luta, mal detalhada e abandonada com rapidez. O falso paralelismo entre os dois combatentes sempre pende em favor do novo-francês, rebatizado Alex. O duelo entre ambos, antes da metade da jornada, determina com rapidez de qual lado se encontra o olhar da direção (graças à atenção dedicada a cada um; ao desfecho dado às vítimas, enterradas em questão de segundos; e dos algozes, que saem voando de helicóptero, honrados).
Abbruzzese nutre forte exotismo por estes homens e mulheres negros, pintados de cores incomuns, dançando de maneira desconhecida pelos europeus. A dança de irmão e irmã em transe constitui o ápice desta pseudo antropologia fetichista, na qual se admira a alteridade pela grande lacuna em comparação com o referencial francês, mas sem fazer o mínimo esforço para entender o peso destes rituais na comunidade dos combatentes. A “aquisição” de uma garota do local para trabalhar na boate jamais suscita com qualquer forma de estranhamento ou questionamento. Contanto que a garota possa dançar de maneira tribal sob as luzes neon, gerando belos frames e composições, o diretor se dá por satisfeito.
Mesmo as performances de Udoka (Laëtitia Ky) são desprezadas pelo enquadramento, sendo percebidas como fundo de plano, mero motivo para justificar a reação embasbacada de Alex. Agora, dançando como os africanos, possuído — literalmente — pela africanidade, ele toma consciência de seus gestos e da guerra. Além de tratar a identidade daqueles povos como sinônimo de feitiçaria; o cineasta ainda reforça que todo o sofrimento vale a pena caso o herói passe por uma transformação e se torne uma pessoa melhor ao final. “Talvez eu tenha matado seu irmão, né? Não tem problema! Vamos dançar!”.
Em oposição às pinturas e movimentos estranhos dos coadjuvantes, a Legião Estrangeira fornece, como contraponto, a maravilha dos vinhos Bordeaux, acolhimento aos estrangeiros de qualquer origem (“Aqui, todos têm uma chance!”) e a canção Non, Je Ne Regrette Rien, entonada como hino pelos estrangeiros-reconvertidos-em-franceses. Prega-se a assimilação econômica, cultural, a incorporação do outro, evitando manifestar o mínimo interesse em suas culturas e situações de origem. Aleksei torna-se Alex, e agora deveria ser mais feliz por defender a bandeira do novo país. O filme critica uma ou outra liderança no movimento, mas evita questionar a instituição na totalidade. Aparentemente, com a exceção do protagonista, os demais soldados estão contentes, bem alimentados e tratados.
Em meio ao neocolonialismo chic, sobra espaço para uma sequência de luta filmada com lentes infravermelhas (para sugerir que os dois lutadores seriam iguais em carne, osso e humanidade? Não, apenas pela distinção, pela possibilidade de fazer diferente). O diretor permite ao protagonista que entre em todos os lugares desejados, durma nas camas que escolher, seja perdoado por comportamentos ruins, e recompensado no final ao receber a única fala gentil de um instrutor autoritário. Não há dúvidas sobre onde recai a idealização e a defesa política, neste caso.
Ainda mais problemáticas seriam as insinuações de que ambos os homens lutaram suas batalhas, que seriam equivalentes, tendo experimentado sofrimento igual. A proposta fantástica de fusão entre os dois, e de dança colaborativa entre algozes e vítimas, com evidente interesse sexual do homem branco-eslavo pela menina negra, provoca forte incômodo neste posicionamento. Vence a plasticidade, a assimilação pela força, a tomada de cultura, a apropriação sexual e escravização econômica dos mais fracos. Surpreende que uma obra tão elegante, endinheirada, contando com inúmeros produtores de tantos países, não tenha questionado um pouco mais o discurso e a natureza das imagens.