Um homem é esmagado pelo furgão dirigido por um homem bêbado. Um bombeiro, de luto pela mulher que ama, senta no cemitério, segura uma corda e pensa em se matar. O padre do vilarejo é ferido num ataque violento. Outro morador não consegue controlar a compulsão por álcool, e entre vexames e humilhações, corre o risco de se afogar na fonte da praça. Os habitantes esperam ansiosamente as festividades de Páscoa, interrompidas devido à súbita onda de violência.
É Preciso uma Aldeia é uma comédia. Mas o diretor Adam Koloman Rybanský decide se concentrar em pessoas tristes, ressentidas, inconformadas com a pequeneza de suas rotinas. Para o cineasta, esse é o cenário perfeito para plantar uma fábula a respeito da proliferação das ideias de extrema-direita. Por este ponto de vista, os verdadeiros racistas são os homens brutos e de meia-idade, desejando provar sua virilidade aos demais. Já as mulheres e o padre da pequena paróquia são poupados da tendência extremista.
O mecanismo que deflagra a intolerância é evidente: após o acidente envolvendo um furgão, imagina-se que um homem árabe tenha cometido o ato deliberadamente. Não há qualquer indício apontando nesta direção, exceto pela profunda vontade de Bronya (Miroslav Krobot) e Standa (Michal Isteník) que seja verdade. Como o homem mais velho é movido por ódio, projeta o sentimento neste inimigo imaginário, e aproveita para estimular os companheiros a pensarem da mesma maneira. O caso seria facilmente desmascarado com a mínima investigação, mas para quê se dar ao trabalho? Algumas mentiras são mais convenientes do que os fatos.
O longa-metragem se desenvolve em ritmo leve e discretamente absurdo. Os personagens ocupam funções preestabelecidas (o padre, o homem racista, o bêbado, os ciganos, etc.) e a moral se desenha de maneira previsível no horizonte. É claro que os criadores não compactuam com a verve inquisidora destes sujeitos ignorantes, e que a narrativa tratará de puni-los, ou pelo menos de corrigir os erros, na hora oportuna. Este é o tipo de projeto munido pelo otimismo e pela crença na aproximação entre opostos, razão pela qual garante a oportunidade de redenção ao herói Standa, um bombeiro parcialmente seduzido pela xenofobia.
É Preciso uma Aldeia possui a aparência de uma comédia onde o humor nunca chega a uma punchline, nem à possibilidade de se extravasar.
O texto se reveste de símbolos bastante simples: a chegada de um novo bebê na região ilustra a possibilidade de renascimento, enquanto a ressurreição de Cristo indica uma perspectiva de melhoria e reinvenção de si. Outras imagens apontam para uma leitura semelhante de superação das dificuldades: a derrubada da velha árvores implica na superação de obstáculos; e o anúncio da verdade oculta, na capacidade de abraçar o bem. Aos poucos, desenha-se um vilão e um mocinho tentados pela ira, mas adivinha para qual lado penderá a conclusão?
Este discurso bem-intencionado, porém ingênuo enquanto visão de mundo, encontra-se com a vontade de representar os tempos contemporâneos marcados por notícias falsas e teorias da conspiração. Sanda acredita que veneno está sendo espalhado por aviões no céu, e após ler uma única notícia nesta direção, crê estar sendo atacado. Embora nunca se desenvolvam, os símbolos do veneno e do vinagre utilizado para combatê-lo são explorados à exaustão, até a cena final.
É Preciso uma Aldeia possui a aparência de uma comédia onde o humor nunca chega a uma punchline, nem à possibilidade de se extravasar. Pode-se admirar a vontade de Rybanský em navegar pelo humor de desconforto, ao invés das piadas decorrentes de diálogos. Cineastas como Aki Kaurismaki e Roy Andersson já ofereceram pérolas do humor crítico ao trabalharem com arquétipos, atuações desafetadas e uma linguagem que sublinha a artificialidade das convenções sociais.
No entanto, este é precisamente o elemento que falta ao projeto tcheco: o rigor nas escolhas estéticas e a capacidade de ridicularizar os acontecimentos apenas pela linguagem. O cineasta poderia usar imagens simétricas demais, cores dessaturadas em excesso, luzes duras de refletores (como Kaurismaki) ou atuações performáticas e voluntariamente robóticas (como Wes Anderson). Tragédias também poderiam ser banalizadas, ou tratadas de maneira apática, como faz Andersson. Há inúmeras maneiras de provocar estranhamento em relação às expectativas de conduta, sobretudo em se tratando de um tema de natureza moral.
Ora, o filme se alonga demais na montagem, além de trabalhar de maneira pouco firme o elenco e a direção de arte. O naturalismo briga com o fabular, e nenhum dos dois estilos se desenvolve a contento. Por isso, as atuações soam apenas corretas, ao invés de propriamente inspiradas, e nenhuma cena consegue canalizar o furor do tema abordado. Ao invés de uma experiência descompromissada, o resultado corre o risco de ser interpretado como inconsequente, blasé — algo contraproducente para o debate a propósito do racismo na Europa.
É igualmente reprovável a dificuldade do autor em se colocar do lado das vítimas — o sujeito atropelado pelo furgão é praticamente esquecido, e o único homem de origem estrangeira tem uma passagem veloz pelo vilarejo. Para Rybanský, o verdadeiro afetado pelo caso seria Standa, que perde o senso de prioridades e a empatia ao próximo ao abraçar a ideologia extremista. É ele que o filme procura salvar: o homem branco, heterossexual, cisgênero e de classe média.
O discurso acerca do respeito e da tolerância se articula sem uma minoria sequer. Ele se destina às vozes dominantes, a quem se suplica, uma vez mais, que sejam um pouco mais amorosas daqui para frente. Para um longa-metragem de pretensões corrosivas (vide a trilha sonora heavy metal durante os créditos), este discurso de pacificação e amor no coração, típico das pregações cristãs, está longe de um engajamento político assertivo.