“Anika: Comunicadora de Animais. Telepatia natural. Trabalhos verdadeiros e eficazes. Atendemos em domicílio. Viajamos ao interior”. Com este pequeno cartaz, impresso numa folha de papel comum, o casal formado por Myriam (Mara Bestelli) e Roger (Marcelo Subiotto) faz propaganda de seus serviços. Eles ganham alguns trocados percorrendo a Argentina, vendendo mensagens decodificadas pela pequena Anika (Anika Bootz). A menina teria o dom de ler a mente de animais falecidos, ou ainda vivos (mas em momento de angústia), transmitindo a mensagem aos tutores. Bastaria ver uma fotografia do bicho, ou se deparar com ele pessoalmente, para estabelecer a comunicação.
Em alguns instantes, descobre-se que um cão falecido se sentia culpado por não encontrar o tesouro enterrado. Um gato estaria traumatizado por testemunhar a infidelidade da tutora, nos fundos da casa. Um porco-espinho se felicita por ter todos os espinhos apenas para si. Os clientes, satisfeitos, dão algumas notas de dinheiro aos viajantes, que nunca enriquecem com o comércio atípico. Afinal, seguem em seu minúsculo furgão, alimentando-se de salgadinhos, dormindo juntos num único colchão.
Esta premissa criativa poderia despertar uma infinidade de quiproquós, sobretudo pelo viés cômico. Imagine os incontáveis problemas envolvendo informações erradas sobre os bichos, clientes revoltados com as leituras da pequena médium, exigindo o dinheiro de volta, chamando-os de charlatães. Talvez tivessem que fugir de cidade, mudar de nome, ou inventar leituras mais sensacionalistas para aumentar os ganhos. A menina poderia recusar o trabalho forçado, ou impor suas condições, revertendo a hierarquia de poder em relação aos adultos (que, conforme o roteiro insiste em lembrar, não são seus pais biológicos).
O drama argentino-espanhol-uruguaio se diverte em abraçar uma narrativa propensa às reviravoltas, onde não acontece reviravolta nenhuma.
Entretanto, nenhuma destas possibilidades acontece. A principal surpresa para o espectador, diante do ponto de partida humorístico, reside na conduta plácida, leve, e isenta de conflitos propriamente ditos. Isso significa que os familiares não encontram problemas pelo caminho: os clientes estão sempre satisfeitos; a garota segue cumprindo o seu papel; os bichos ainda se comunicam de imediato; o veículo nunca causa problemas (em qualquer road movie, o veículo quebraria à beira da estrada). O dinheiro escasso tampouco representa um obstáculo ao trio, que segue em frente, desempenhando as mesmas tarefas do dia anterior.
Nem mesmo a possível farsa desta atividade se converte, para o público, num motivo de tensão. Jamais saberemos ao certo se a garota inventa as mensagens recebidas pelos animais, ou se acredita conversar de fato com eles. Curiosamente, a montagem salta a maioria das “canalizações”, privilegiando a devolutiva posterior de Myriam aos clientes. Por que ocultar o principal elemento de fantasia, e de possível participação ativa por parte do espectador? Por que insistir em tratar com tamanha banalidade um elemento especial? Até a discussão moral é retirada de cena.
El Mensaje fornece, progressivamente, novos elementos de construção de personagens. Descobrimos que Roger foi artista de circo, e que Anika possui uma irmã mais velha, internada numa instituição psiquiátrica. A criança também sofre com problemas respiratórios. Em paralelo, percebemos a passagem do tempo através da queda dos dentes de leite. No entanto, nenhuma destas informações servirá a compreender melhor os laços que os unem, ou a decifrar a dimensão deste ofício improvisado. Nós os observamos por uma perspectiva exteriorizada, que impossibilita compreendê-los de fato. Após 90 minutos de narrativa, ainda serão misteriosos aos nossos olhos.
Assim, o drama argentino-espanhol-uruguaio se diverte em abraçar uma narrativa propensa às reviravoltas, onde não acontece reviravolta nenhuma. Pode-se falar em uma experiência voluntariamente frustrante, que atenua os motores cômicos, dispensa a recompensa emocional, e retira elementos óbvios de identificação. Por isso, resulta em uma jornada tão delicada quanto fria. Testemunhamos a beleza de um interior monótono, assim como a busca por acontecimentos num local onde, a priori, nada acontece. Fund acredita no encanto do banal e no valor do cotidiano, contra as guinadas habituais do roteiro clássico-narrativo.
Enquanto isso, dedica cenas longuíssimas a atividades de aparente insignificância — vide a garota com o nebulizador, a menina mais velha acariciando um grande cachorro, ou a sessão interminável de fotos diante da placa do cemitério de animais. O preto e branco bucólico contribui a diluir as precisões de tempo e espaço, privilegiando um parêntese suspenso da realidade. O encerramento, avesso a um desfecho preciso, reforça o imperativo do ordinário. A partir de atores comprometidos à lógica da presença ausente (sempre admirando o horizonte distante, expressando emoções imprecisas), o diretor propõe a meditação enquanto meio e finalidade. Recusa-se a fornecer respostas, caminhos ou finalidade, vagando, portanto, sem rumo preciso, assim como os personagens.