O professor Samet (Deniz Celiloglu) acaba de voltar ao pequeno vilarejo onde trabalha com as turmas do Ensino Fundamental. Ele é obrigado a caminhar durante quilômetros sob a forte neve, o que indica a ausência de estrutura local de transporte. Passando em frente às casas, é acolhido com felicidade pelos moradores, que festejam o retorno do educador para o início do período escolar. Somos levados a acreditar, neste primeiro momento, que o protagonista constitui um sujeito amável e adorado por todos.
O diretor Nuri Bilge Ceylan demonstra prazer tanto em criar imagens preconcebidas quanto em destruí-las, cuidadosamente, com o caminhar da trama. Não demora até percebermos que o herói detesta este local retrógrado e provinciano, contando os dias para obter uma transferência. Ele ensina artes, embora demonstre interesse quase nulo por manifestações artísticas, e lida com as crianças sem qualquer afeto real — com exceção de uma garota, Sevim (Ece Bagci).
A menina sorridente e discretamente sedutora corresponde ao único motivo pelo qual o homem de mais de trinta anos exibe um sorriso nos lábios. Ele a observa de longe, entrega presentes em separado. A direção sugere a admiração do adulto pela adolescente, assim como indica a possível paixão da garota pelo professor. Desenha-se, por meio de rico trabalho de progressão e metáforas, uma infração de ordem moral. Este dilema se voltará contra o educador, com um peso considerável.
O longa-metragem se assemelha a um conto. Sugere uma falha estrutural grave na sociedade turca, que atravessa os protagonistas, mas não começa com eles, e nem terminará com o fim de suas jornadas.
Ervas Secas constitui uma fábula moral a respeito das relações de força entre diferentes gêneros e classes sociais no interior da Turquia contemporânea. Não por acaso, contrapõe um sujeito oriundo das grandes cidades ao pensamento conservador de uma comunidade patriarcal; a postura politicamente isenta de Samet à militância progressista de Nuray (Merev Dizdar); a pressão dos habitantes por casamento e filhos face à perspectiva de um caso de pedofilia.
Nenhum destes elementos adquire uma aparência chocante ou catastrófica. Em seus primeiros trabalhos, o autor costumava responsabilizar a estética por significar a gravidade e importância dos temas abordados. Por isso, enquanto crimes e dilemas se desenvolviam de modo linear, as nuvens ganhavam contornos apocalípticos, e as paisagens esmagavam os protagonistas. Aos poucos, acalmou tamanho formalismo, até chegar em suas obras contemporâneas, e mais interessantes, pois capazes de colocar o humanismo e a estética em pé de igualdade.
Assim, a beleza primorosa das imagens (a paisagem branquíssima da neve, o interior escuríssimo das casas e bares) se equilibra com a utilização de planos fixos, longos, enquadrados de modo que as atenções de voltem aos personagens centrais e suas conversas. Os diálogos servem de motor fundamental ao drama, ocupando a quase totalidade da experiência. Fala-se sem parar, seja entre homens e mulheres, professores e alunos, amigos e vizinhos. Entre trocas cotidianas e provocações habituais, surgem os dilemas éticos a serem trabalhados em seguida.
O longa-metragem se assemelha a um conto, pela maneira como administra distintas vontades e perspectivas sem encerrar o discurso com um objetivo preciso, ou mensagem clara. Ceylan jamais narra seu caldeirão humano para defender uma ideia, e sim para sugerir que a pluralidade de pontos de vista não possui uma única pessoa certa ou errada, alguém a quem adorar, e outro a que detestar. Os personagens se tornam as causas dos problemas uns dos outros, dispensando a chegada de dilemas externos (doenças, problemas vindos da cidade, etc.). Estima-se que este microcosmo possua uma riqueza mais que suficiente para desenvolver ao longo de 197 minutos.
A verborragia poderia soar entediante, caso não estivesse repleta de tensão. Conforme estes adultos se insultam educadamente, ou se provocam profissionalmente, desenha-se a possibilidade que terminem presos, ou atacando fisicamente uns aos outros. Cada troca verbal indica uma catástrofe iminente no horizonte, de gravidade imensa (a possível pedofilia, a briga entre dois melhores amigos, a violência do professor contra os alunos). Por isso, as falas preservam, em si mesmas, o teor de um conflito.
Em outras palavras, o drama acena com frequência à possibilidade de se converter num suspense. A escolha de um protagonista detestável, capaz de um comportamento perverso e manipulador, torna a sessão ainda mais amarga. Embora ele jamais represente um vilão, Samet tampouco ilustra uma figura com quem se identificar, ou por quem torcer. Ceylan toma a precaução de não seguir a perspectiva de nenhum personagem em particular. Assim, estamos à mesma distância de todos, espantando-nos quando adotam atitudes chocantes.
Ervas Secas explora o máximo de possibilidades cênicas desta ciranda de personagens, isolados pela neve e desiludidos pela falta de perspectivas. Eles compram carros e falam em se mudar para Ancara ou Istambul, mas ninguém jamais sai dali. Funcionam enquanto microcosmo desta visão niilista da Turquia contemporânea, algo representado pela cena de conclusão, quando tudo e nada se resolve na vida do professor rancoroso. Algumas amizades se manterão, mas a qual preço?
O diretor chega ao ponto da carreira em que apresenta amplo domínio da estrutura, da construção das imagens e de seus objetivos. Pode estender a narrativa sem esgotá-la, preservando um bom ritmo, entre a contemplação e a tensão. Consegue construir personagens em textos ricamente roteirizados e ensaiados, embora sejam encenados com naturalidade exemplar. Fotografia, montagem, direção de arte e atuações convergem para a sugestão de uma falha estrutural grave, que atravessa os protagonistas, mas não começa com eles, e nem terminará com o fim de suas jornadas. O pesar destes retratos contamina o filme inteiro, e persegue o espectador muito após a sessão.