Esta comédia dramática possui o senso de diversão de uma grande aventura. Há dezenas de festas regadas a risadas e álcool; aves selvagens correndo pelos apartamentos; personagens impulsivos que se apaixonam à primeira vista e fazem sexo na igreja; fuga de cárcere; corridas nuas pelas ruas da cidade; castelos em lugares paradisíacos; além de incontáveis disfarces, mentiras, brincadeiras e ocultações de identidade.
A priori, Esperando Bojangles (2021) poderia corresponder a uma farsa comum, do tipo que Hollywood ofereceu às dezenas durante sua Era de Ouro. No entanto, existe um diferencial importante no caso francês: a jornada enlouquecedora tem como protagonistas três pessoas tristes: Camille (Virginie Efira), seu amado Georges (Romain Duris), e o filho do casal, Gary (Solan Machado-Graner).
Não se trata de uma comédia onde, ocasionalmente, ocorrem instantes sentimentais. Nesta adaptação do romance de Olivier Bourdeaut, os instantes humorísticos são os mesmos em que o desespero, a tristeza e a dor se manifestam. Os protagonistas dançam quando estão tristes, se beijam quanto têm medo de morrer, festejam a cada notícia desesperadora. A referência à canção Mr. Bojangles serve para sublinhar a aparente incoerência no ato de celebrar as adversidades.
“Não é possível escapar à realidade”. A frase disparada por um amigo ao casal poderia soar como lema do longa-metragem. No entanto, por mais que esta mensagem amarga alcance os heróis, eles se esforçam bastante para levarem uma existência à margem das regras comunitárias. Camille e Georges rejeitam a necessidade de pagar contas, levar uma rotina razoável, trabalhar em escritórios e educar os filhos em escolas conservadoras. Por que não poderiam se dedicar aos excessos, às excentricidades, aos desejos? Afinal, quem nos impede de fazer o que desejamos, ao invés daquilo que é esperado de nós?
A trama pode ser interpretada enquanto uma bela fábula do confronto entre razão e emoção, entre a sociedade e a individualidade. Unidos pela premissa do hedonismo, os heróis poderiam se rebelar de maneira organizada, talvez através da política (anarquista, que seja). Entretanto, preferem se retroalimentar de maneira autodestrutiva. Eles dependem em excesso um do outro, e apenas de si próprios. A dependência afetiva está fadada ao fracasso, ou à tragédia, conforme convém ao diretor Régis Roinsard.
A trama pode ser interpretada enquanto uma bela fábula do confronto entre razão e emoção, entre a sociedade e a individualidade.
No que diz respeito à análise psicológica dos personagens, Esperando Bojangles oferece uma fábula fascinante a respeito da saúde mental. Manifestações de depressão e bipolaridade; recalques e repressões; comportamentos delirantes e compulsivos se multiplicam por trás dos sorrisos, beijos e declarações de amor. A dupla central busca esconder certo desespero e sentimento de vazio por trás da sequência inesgotável de ações. Contra o medo de travarem contato com a própria tristeza, colocam-se em movimento constante, para qualquer lugar.
Esta dinâmica se traduz num cinema afeito à saturação, ainda que representada de maneira não idealizada. O real jamais abandona a vida sonhada de Camille e Georges: Mademoiselle Supérflua, a ave de estimação da família, é um animal verídico; o sonho do castelo na Espanha se materializa com uma locação concreta; o imaginário da loucura contrasta com as práticas dolorosamente verossímeis das clínicas psiquiátricas. Deste modo, avisa-se o espectador que, mais cedo ou mais tarde, a autoilusão precisará se interromper.
O elenco se presta com generosidade ao jogo cênico. Virginie Efira abraça delicadamente uma personagem propensa à autoflagelação, enquanto Romain Duris serve de contraponto: o ator precisa oferecer um elo entre as viagens alucinatórias de Camille e o filho, próximo dos códigos sociais. O pequeno Solan Machado-Graner é solicitado em cenas de profundo teor dramático, para os quais ainda possui poucas ferramentas dramatúrgicas. No entanto, tampouco compromete o resultado.
Esperando Bojangles corre o risco constante de se perder no próprio turbilhão. É evidente o prazer do cineasta em filmar o incongruente, em chave próxima do realismo fantástico. O terço final se aproxima do melodrama profundo, com sucessivas doenças e mortes. Felizmente, a direção prefere o comedimento, enquanto a montagem atenua a montanha-russa emocional: uma morte será apenas sugerida em diálogos, e uma decisão grave, ocultada através da dança.
Conforme se aproxima do inevitável encontro com o real, o longa-metragem multiplica as metáforas e saídas poéticas. Castelos gigantescos se transformam em prisões, enquanto os hospitais psiquiátricos contêm inesperada dose de afeto por parte dos internos. Na conclusão, o mesmo corpo que flutua alegremente sobre as águas será aquele que flutua, inerte, sem vida. O drama oferece um espelho violento aos personagens, forçando-os a enxergarem a própria imagem, da qual tentam fugir.
O espectador pode enxergar nesta experiência um prazer autoindulgente da direção, ou talvez uma narrativa inchada demais, superando a duração de 120 minutos. Outra interpretação apontaria a uma espécia de fatalismo, vizinho do conformismo, como se a construção alegre da primeira metade servisse apenas para reforçar a tristeza final. No entanto, Roisnard desenvolve personagens complexos, representados por uma linguagem corajosa e sem meios-termos. Encontramos um raro parque de diversões onde os frequentadores aceleram progressivamente a velocidade dos brinquedos, até o prazer do passeio flertar com o desejo da morte.