À primeira vista, Barbie (Agnès Jaoui) constitui a típica heroína de comédias independentes. Em registro autodeprecitivo, ela faz piadas a respeito de sua idade, do corpo um pouco fora de forma, da dificuldade de se comunicar com a juventude. Ridiculariza o próprio fracasso profissional, familiar, afetivo. Pense no humor de Woody Allen, Jerry Seinfeld, Louis C.K. ou mesmo Phoebe Waller-Bridge, na pele de Fleabag. Pode ser muito divertido e libertador caçoar de uma pessoa comum, graças ao potencial de identificação com o público médio — pensando bem, somos todos um pouco risíveis em nossas inadequações.
A diretora Sophie Fillières não se contenta com acontecimentos cotidianos, preferindo inserir um sem-número de conveniências e quiproquós para tornar sua protagonista ainda mais patética. Entre todas as praças da cidade, a mulher se senta exatamente naquela onde, atrás dela, a filha adolescente a trata com escárnio: “Quem ia querer comê-la?”. A reunião na empresa de publicidade começa apenas quando todos os profissionais presentes maldizem Barbie por seus disparates e pelo atraso. Num café, adivinha? — ela reencontra um afeto da adolescência. O mundo é feito para ela — para zombá-la, no caso.
Felizmente, Agnès Jaoui representa a atriz perfeita para o papel. A francesa está bastante habituada a se expor de maneira pejorativa, tanto nas próprias comédias, quanto nos filmes alheios. Atriz de impressionante entrega, e desprovida de vaidades, carrega uma espécie de despojamento quase desleixado, muito adequado à comédia de situações. Enquanto trabalha os diálogos com destreza nas pausas e ritmos, abraça sem meios-termos a figura clownesca da crise feminina de meia-idade. O projeto somente escapa à impressão de descaso total com a protagonista graças à evidente ternura de Jaoui por esta mulher mirabolante.
O projeto nunca sabe ao certo onde pretende levar sua clown delirante. O filme ri dela? Ri com ela? Tem pena dela? Todas essas possibilidades, e mais algumas, surgem face à abordagem perigosamente ambígua da autora.
Entretanto, a cineasta e roteirista não para por aí. As artimanhas da mãe burlesca se limitam à primeira parte de um longa-metragem dividido em três atos bastante desiguais. A seguir, Fillières sugere que a mulher possa estar, de fato, louca. A narrativa trata de interná-la, medicá-la, patologizá-la. Barberie Bichette deixa de ser uma figura histriônica e um pouco insólita para se tornar a vítima de problemas mentais sérios. As brincadeiras se tornam graves, até deixarem de ser brincadeiras. Uma vez internada, a mulher começa a delirar. Ela trata todos os médicos e enfermeiras pelo nome Fanfan. Ela confunde um conhecido com a morte.
A guinada brusca na representação poderia constituir uma ousadia da autora, dizendo ao espectador: a pessoa com quem você vinha se divertindo, na verdade, padecia de males maiores, e merecia sua atenção, ao invés de suas risadas. Que vergonha. Shame on you. Nada disso: o filme insiste que este aprofundamento da perda com a realidade ainda constitui um traço hilário da protagonista, e que devemos continuar a rir com ela. Quando se encontra sozinha no hospital, sem a visita dos filhos adultos, entupindo-se de remédios para dormir, ela ainda pode ser considerada uma heroína de uma feel good comedy? Para a cineasta, a resposta é afirmativa.
Conforme as sequências se desenvolvem, Esta É Minha Vida se aproxima de um grande brainstorming narrativo, uma traquinagem cada vez mais inconsequente e improvável — algo eticamente problemático, em se tratando de uma pessoa clinicamente enferma. O projeto nunca sabe ao certo onde pretende levar sua clown delirante, e muito menos o que pensa a respeito dela. O filme ri dela? Ri com ela? Tem pena dela? Ou sente carinho? Considera-a uma mulher livre e autônoma? Todas essas possibilidades, e mais algumas, surgem face à abordagem perigosamente ambígua da autora.
Aos poucos, qualquer forma de coerência e coesão se perde. Barbie parte numa viagem, carrega o passaporte dos filhos junto, compra um metro quadrado de terra num lugar inóspito, encontra Philippe Katherine perdido na região. Afinal, por que não? Esta comédia confunde liberdade com aleatoriedade, como se o direito (inegável) de fazer qualquer coisa justificasse a escolha por coisa alguma. Em menos de 100 minutos, Barbie se converte na caricatura de si própria, uma chacota de mulher, uma extrapolação de caso clínico.
Para piorar, não existe uma única imagem ou som dignos de interesse em termos de composição, iluminação, ou na maneira de contar uma história. O encontro com outros grandes nomes do humor francês (Valérie Donzelli, Laurent Capelluto, o próprio Philippe Katherine) não produz nenhuma faísca de ordem da estética. Afinal, limita-se aos planos de conjunto protocolares, com os dois corpos posicionados nos terços exatos do enquadramento (vide as imagens abaixo), entoando suas falas de maneira frontal à câmera, sem interação concreta com o ambiente. A este propósito, o passeio à Inglaterra interessa unicamente enquanto extravagância.
Em uma cena com o psicanalista (Marc Strauss), Agnès Jaoui passa das piadas e gags às lágrimas, num único plano, quando o profissional lhe pergunta a respeito do estado de saúde do pai. Neste instante efêmero, percebe-se a bela comédia dramática que Esta É Minha Vida poderia ter sido, caso se dedicasse aos sentimentos e contradições da heroína. Para além de “maluca” e imprevisível, Barbie também sofre, sentindo-se dispensável na vida dos filhos crescidos, a quem oferece dinheiro com frequência, na tentativa deprimente de vê-los em sua dependência novamente. Pena que Fillières não demonstre nenhuma preocupação em humanizá-la.
Resta uma mulher ridícula no terço inicial, ridicularizada no terço central, e afastada do contato com a sociedade no terço final. Embora flerte com o teatro do absurdo e a construção metalinguística (Barberie seria uma personagem de si mesma, uma metaficção), o filme se limita ao estágio do delírio enquanto meio e finalidade. Trata-se de uma iniciativa retórica — afirmar que o esquisito é esquisito, para então rir de sua esquisitice. Barbie pode ser uma figura muito triste, mas é ainda mais triste perceber aquilo que o filme decide fazer com ela, apesar dela. Sob pretexto de solidariedade, a história a objetifica e achincalha. Partindo do riso de si, termina com o desprezo pelo outro.