Este longa-metragem colombiano é construído a partir do signo da morte. Ele começa com a descoberta do cadáver de Arturo, homem conhecido em sua região. A tragédia motiva uma série de rezas por parte de José de los Santos (Jesús María Mina), para a alma encontrar o seu caminho. O senhor idoso passa a madrugada velando o corpo, iniciando um processo de cânticos e demais manifestações que, segundo a tradição, deveria durar oito dias completos.
O herói, renomado curandeiro, está acostumado a ser chamado para velar os falecidos. Eles são muitos nesta região de guerrilha onde os grupos se exterminam em plena luz do dia, sem qualquer intervenção de forças do Estado. No entanto, o homem está cansado do reconhecimento escasso e da frágil remuneração. Ele mesmo sofre com a perda do filho para os guerrilheiros. Nesta ocasião, José foi sequestrado, e impedido de rezar para a alma do garoto, que acredita ainda vagar por esta “selva cheia de mortos”, perdido, incapaz de encontrar o caminho da luz.
Por isso, o protagonista decide começar sua última viagem. Compreende que está morrendo, apesar das falas de vizinhos e amigos, sugerindo que ainda teria muitos anos pela frente. O curandeiro estima que seu papel na Terra teria terminado, por isso, abandona todos os pertences e envereda-se pela floresta fechada. O diretor Santiago Lozano Álvarez faz do drama um encontro voluntário com a finitude, determinada pelo personagem central, da maneira que lhe convier.
Eu Vi Três Luzes Negras gira em torno da violência física e psíquica, embora não esteja disposto a filmá-la. Acredita que o espectador tenha seu próprio repertório pessoal de lutos a projetar.
Ele declara, por exemplo, que não morrerá pelas mãos dos inúmeros jovens com armas que atravessam seu caminho. José encara, desta vez, o poder do crime organizado que executou seu filho e seu pai. Estima, assim, não ter mais nada a perder. No papel central, Jesús María Mina demonstra tamanha naturalidade em meio à selva que realmente nos permite acreditar no fato de ter passado décadas no local, colhendo plantas medicinais e se alimentando de cobras. O ator possui o olhar tranquilo de quem já viu todos os desmandos à sua frente, perdendo a capacidade de se surpreender ou indignar com a brutalidade dos homens.
“Com tanta violência, nem os mortos podem descansar”. A frase sintetiza o ponto de vista, que narra a perturbação da ordem social pela perspectiva daqueles que já se foram, e retornam na condição de fantasmas. O cineasta não atribui nenhuma diferença estética aos falecidos, permitindo que circulem ao lado dos seus vivos, durante o dia, sem rumo. Estas figuras permitem a intromissão do realismo fantástico na obra erguida em princípios de aparência documental. A união das duas linguagens produz o teor mais forte da obra.
Isso porque Eu Vi Três Luzes Negras gira em torno da violência física e psíquica, embora não esteja disposto a filmá-la. Acredita que o espectador tenha seu próprio repertório pessoal de lutos a projetar. A jornada de José ocorre por causa das mortes, mas nunca presenciamos o assassinato brutal do filho, o extermínio do pai idoso, nem o tiroteio que ocorre fora do enquadramento. Flashbacks estão sumariamente descartados. Escutamos tiros ao longe, presenciamos ameaças, embora a câmera se situe junto ao herói, quando cura a ferida de uma guerrilheira, ou no instante em que se esconde sob uma rocha. As agressões, somente evocadas, adquirem um aspecto fantasmagórico em si mesmas.
Algo semelhante ocorre com a natureza, tão realista quanto mágica. O filme opera com luzes naturais, em locações concretas. No entanto, as escolhas de fotografia e montagem convertem as árvores e plantas num labirinto do qual ninguém escapa. Começa com um giro de 360º na ponte, perdendo referências espaciais. Aposta, em seguida, em grandes planos aéreos da floresta fechada, ou imagens próximas demais dos rostos. Álvarez borra, de propósito, as noções de tempo e espaço. Logo, José efetua uma travessia fabular, com começo e término indefinidos. Aborda um tempo psíquico e um lugar de memória, em detrimento de uma duração contabilizada como tal.
Mesmo que não ocorra em estradas, o resultado se assemelha à estrutura dos road movies, compreendidos no sentido mais amplo de um filme de viagem. O roteiro se estrutura pelos encontros efetuados durante o percurso, pautados, é claro, pela proximidade com a morte. Entre cadáveres a velar e uma morte testemunhada ao vivo (por José e pelo espectador), o homem cruza com chefes de diferentes gangues. Estas provações servem a justificar a exaustão do homem, e sua necessidade de encerrar a própria sina, para se reunir, enfim, com os familiares partidos.
O drama se encerra em sua aparência singela, evitando o exotismo da selva, ou o fetiche das execuções pela guerrilha colombiana. Ao se concentrar no olhar daquele que viu tudo, e que conhece intimamente os rituais fúnebres, permite que a morte seja tratada com inesperado despojamento. O universo ao redor de José sugere atrocidades que, na perspectiva deste sujeito, constituem apenas o cotidiano. Neste desnível entre o natural e o fabular, entre o sugerido e o concretizado, constrói-se a bela poesia de Eu Vi Três Luzes Negras, em português, cujo título se justifica no belíssimo desfecho.
Logo, o cinema colombiano segue fazendo as pazes com seus traumas internos, pensando de qual maneira deveria abordar o tema importante das guerrilhas, tantas vezes evocado de modo sensacionalista, ou exótico, para comover ou alertar os olhares estrangeiros. Esta obra, em contrapartida, diminui o pathos e retira o senso de catarse, até converter a morte num triste procedimento que monopoliza a vida do protagonista. Constrói-se um lamento, politizado e assertivo, de uma situação crônica.