Neste filme francês, a materialização da libido se encontra especialmente fora de quadro. A protagonista e narradora confessa seus desejos ao espectador: “Nos meus sonhos, eu fodo com garotas”. Ela descreve o ato sexual, com seu pênis “duro e macio”. O curta-metragem dirigido por Laure Giappiconi, Elisa Monteil e La Fille Renne pode ser descrito como uma representação metafórica da masturbação.
Em contrapartida, pedem as regras pulsionais que a origem e a manifestação do erotismo carreguem uma parcela de mistério, oculta à compreensão do próprio indivíduo. Nunca sabemos ao certo por que desejamos quem desejamos, de uma forma específica. Por que alguns corpos e situações nos excitam mais do que outros? Por que às vezes gozamos com algo que nos provocaria repulsa ou indiferença fora dos devaneios?
Esta parcela de incompreensão de si reside no hors champs, o espaço fora da imagem. Fluidité trabalha com uma janela (o formato da tela) bastante retangular e estreito, deixando duas grandes faixas pretas acima e baixo da imagem. O espaço da não-imagem (embora a escuridão também constitua, por definição, uma imagem) é explorado de maneira criativa pelas autoras.
O enquadramento corta o rosto enquanto o corpo feminino treme de prazer, ou então oculta a masturbação enquanto revela a expressão no rosto da atriz. Nunca enxergaremos o quadro completo, pois o filme reserva uma lacuna para a projeção e imaginação do público. Somos levados a pressupor o que estaria acontecendo na parte que falta da imagem: como estariam os dedos penetrando o sexo? Deste modo, cada pessoa pode atribuir à faixa preta o seu próprio imaginário de prazer. As cineastas compreendem que nossa mente é capaz de criar sensações mais potentes do que qualquer realização audiovisual o faria.
Fluidité se desenvolve em preto e branco. A montagem fragmenta, repete e dispersa a captação original, incorporando em seguida um sem-número de ruídos: granulação forte, efeito glitch, sujeiras aludindo à película antiga e desgastada. A representação do desejo tampouco se faz clara e acessível — ela se encontra abaixo de filtros e camadas que transformam o corpo das duas atrizes numa espécie de devaneio.
Ao ocultar suas identidades (não existe um único close-up no curta-metragem), a trinca de diretoras recorre a corpos universais, de identidade ou personalidade múltipla. Esta não seria a história da paixão específica entre duas pessoas, e sim uma alusão a qualquer forma de amor romântico. Por isso, cruzam-se corpos com seios e sem seios, dotados de pênis ou próteses. Quem está sentado sobre quem? Quem penetra quem? Pouco importa.
Em consequência, procura-se uma universalidade do prazer, que transcende noções particulares de gênero e identidade. Uma imagem capaz de superar rótulos ou convenções. Neste sentido, o preto e branco e as “sujeiras” da direção de fotografia contribuem a apagar traços distintivos. Trata-se de duas pessoas que compartilham um instante juntas, gozam juntas. E pronto. O cinema queer pode afirmar com orgulho as subjetividades específicas e marginais, mas também pode defender a compreensão do enlace entre duas pessoas quaisquer, para além do segmento sociopolítico ao qual pertençam.
Por fim, existe um papel fundamental de se assistir à masturbação e ao sexo na tela do cinema. Os pênis são projetados em grandes proporções, os sons dos gemidos reverberam pela sala escura. O ato considerado íntimo, tolerado contanto que “entre quatro paredes”, deixa a esfera do tabu e da proibição para chegar ao espectador durante um evento público. Ora, quando se trata de adultos com consentimento (o que vale tanto para as atrizes quanto para os espectadores), qual o problema em discutir o sexo, em revelar corpos? Todos possuímos desejos e fantasias, não? Todos temos corpos, todos fazemos sexo. Por que estes temas deveriam permanecer no domínio do segredo e da vergonha?
Um dos principais receios das alas conservadoras da sociedade reside na capacidade do cinema em ampliar temas e discussões, tanto de maneira literal, pelas proporções da imagem e pela potência do som, quanto pela experiência coletiva própria a esta forma de arte. Sim, durante alguns minutos, os espectadores (todos adultos) da Mostra Quelly, assistiram, coletivamente, às imagens de masturbação e de pênis eretos. Estava claro que, inserido no domínio da arte e da performance, o filme não visava o estímulo pornográfico. O discurso foi compreendido com muita tranquilidade por todos. É benéfico, e raro, poder jogar luz sobre uma parcela tão natural do indivíduo quanto a sua sexualidade.