Formas de Atravesar un Territorio (2024)

Introdução à cultura Tsotsil

título original (ano)
Formas de Atravesar un Territorio (2024)
país
México
linguagem
Documentário
duração
73 minutos
direção
Gabriela Domínguez Ruvalcaba
visto em
77º Festival de Locarno (2024)

A diretora Gabriela Domínguez Ruvalcaba se aproxima de um grupo de mulheres indígenas Tsotsil. Ela parte do princípio que a convivência entre a equipe branca e as moradoras locais provocará uma compreensão do pertencimento ou não-pertencimento àquelas terras, pela simples diferença de ponto de vista entre os dois grupos. Acredita, portanto, no valor retórico da iniciativa: o simples fato de se predispor a encontrar e dialogar com a diferença representaria uma forma de reflexão acerca da pluralidade social.

A abordagem funciona, em partes. Existe uma humildade e transparência admiráveis neste dispositivo que admite sua vontade de observar, placidamente, a vida alheia. O documentário se contenta em seguir as protagonistas, contemplá-las cuidando das ovelhas, obtendo a lã, preparando-a, tingindo-a. Elas também conversam entre si, cozinham as refeições, cuidam das crianças. Nenhum homem atravessa as imagens — este é um terreno de liderança feminina.

Ruvalcaba chega a ponto de incluir na banda sonora as suas perguntas, conversando com as personagens de um espaço extra-quadro. A montagem inclui o momento em que as pastoras perguntam, umas para as outras: “Vamos pegar a lã e tingir? A Gabriela disse que queria filmar a gente fazendo isso. Todo mundo que estiver disposto, ela disse que pode participar”. Há uma vontade de revelar o processo, confessar de qual maneira a mulher se aproximou do grupo, e como as deixou confortáveis para participarem como quisessem.

Uma aproximação tão tímida quanto respeitosa das mulheres Tsotsil. A luz natural e a câmera na mão se encarregam desta captação crua, direta, como forma de apresentação inicial a um povoado distante.

Em paralelo, sublinha a existência de um condicionamento do real à imagem, o que exclui o pressuposto falacioso do documentário enquanto olhar “objetivo”, não-intervencionista. No estilo consagrado pelo menos desde Nanook, o Esquimó (1922), os personagens são solicitados a reproduzirem seus comportamentos diários diante das câmeras, para elas. Não atuam no sentido clássico do termo, entretanto, encenam versões da realidade no tempo da direção, quantas vezes a mise en scène solicitar. Introduz-se certa ficcionalização através do controle do ambiente.

Para além desta transparência com o espectador, Formas de Atravesar un Territorio efetua pouca investigação ou construção por conta própria. Evita qualquer forma de material de arquivo, narração, dados ou confronto entre imagens díspares. Concentra-se somente naquilo que as mulheres tenham a oferecer, quando e como quiserem fazê-lo. O olhar se revela tão cúmplice quanto passivo, conformista, evitando buscar variedades e fissuras nesta rotina imutável. 

Alguma mulher trocou o alto das montanhas pela vida na cidade? Foram introduzidas a novas tecnologias — ou, caso tenham recusado, por que o fizeram? Como se deu o aprendizado da língua espanhola pelas jovens? Que contato elas mantêm com os homens, e com os habitantes das cidades vizinhas? O ramo do trabalho com lã sempre bastou para a sobrevivência do povoado? Que tipo de políticas públicas existem ao nível regional para proteger estas cidadãs? Mistério. A câmera admira muito, porém nunca se dispõe a segui-las ao longo dos dias, até testemunhar eventuais conflitos.

Deste modo, o longa-metragem promove a crônica de uma situação imutável, um tanto descolada da sociedade ao redor. Rumo ao final, algumas propostas cinematograficamente interessantes se apresentam, ainda que seja tarde demais para portarem frutos. Primeiro, o roteiro se aproxima dos rostos e introduz um tom confessional, inédito até então. A anciã chora de felicidade, e se desculpa humildemente por não falar a língua da cineasta. As filhas demonstram igual emoção face à possibilidade de terem sua cultura retratada e apresentada fora da comunidade. O teor antropológico cede espaço a uma conversa mais horizontal, menos distanciada.

Nas cenas finais, o projeto mexicano sugere a construção de algumas formas de poesia e performance, o que inclui mãos tocando trechos transparentes de mapas, e corpos utilizando a lã em expressividade próxima à dança. O filme teria se beneficiado bastante caso aplicasse tamanha liberdade e poesia ao restante das imagens. Em contrapartida, o recurso se limita ao epílogo. Aqui e acolá, a diretora deixa transparecer pelas frestas da edição uma forma de potência cinematográfica que decide não explorar em sua totalidade.

Resta uma aproximação tão tímida quanto respeitosa das mulheres Tsotsil. A luz natural e a câmera na mão se encarregam desta captação crua, direta, como forma de apresentação inicial a um povoado distante. O resultado serve como forma de introdução à alteridade — descobrimos a existência de uma cultura diferente daquela branca e midiatizada. Ainda sabemos pouco de suas lutas ou seu cotidiano para além do trabalho com ovelhas e a lã. Nota-se um pudor excessivo na abordagem, possivelmente com medo de invadir um ambiente ao qual não pertence. 

Os interessados na visão de mundo Tsotsil terão que continuar a pesquisa por conta própria, ainda que a obra cumpra o papel de despertar curiosidade a respeito da vida destas mulheres tão generosas na maneira como oferecem seus corpos e sua vida ao cinema. Enquanto alguns filmes pretendem funcionar como versão definitiva e exaustiva de algum tema, outros se contentam em ser a porta de entrada para um mundo que não buscam, de fato, analisar a fundo.

Formas de Atravesar un Territorio (2024)
6
Nota 6/10

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