Hellboy e o Homem Torto (2024)

Para rir dos caipiras

título original (ano)
Hellboy: The Crooked Man (2024)
país
EUA, Reino Unido, Alemanha
gênero
Fantasia, Ação, Terror
duração
99 minutos
direção
Brian Taylor
elenco
Jack Kesy, Jefferson White, Adeline Rudolph, Leah McNamara, Hannah Margetson, Joseph Marcell, Martin Bassindale
visto em
Cinemas

Em sua nova aventura cinematográfica, Hellboy visita o cinema de terror, mais especificamente, o folk horror, voltado às tradições campestres de décadas (ou séculos) atrás. Recentemente, filmes como A Bruxa e The Devil’s Bath exploraram de maneira excepcional os preconceitos das sociedades anteriores em relação às mulheres e ao desconhecido. A disposição a revisitar o passado serve sobretudo para demarcar as falhas estruturais que perduram em sociedades contemporâneas — em outras palavras, retratamos o absurdo de um contexto distante para dialogar com nossos próprios absurdos.

No entanto, o diretor Brian Taylor não demonstra a menor pretensão de investigar comunidades interioranas, preferindo se ater a uma caricatura do caipira. Os habitantes são sujos, ignorantes, crédulos, incivilizados, propensos a um comportamento meio infantil, meio animalesco. Comunicam-se com um sotaque tão absurdamente exagerado que lembram esquetes cômicas de algum programa de televisão — vide o escárnio das falas de Hannah Margetson e Leah McNamara. Ao invés de buscar compreender estas pessoas, o cineasta se distancia delas pelo desprezo.

A figura do hillbilly ou do redneck não constitui o único alvo de preconceitos e ridicularização neste projeto. Hellboy e o Homem Torto move-se pelo imaginário popular de repulsa à diferença: existem bruxas velhas e feias, garotas bonitas e extremamente sexualizadas, o padre que acumula o sotaque interiorano com o linguajar que se supõe definir os negros sulistas norte-americanos (o caipira gospel). Um festival de representações grosseiras da prostituta, da velha, do negro, do outro

O diretor não demonstra a menor pretensão de investigar comunidades interioranas, preferindo se ater a uma caricatura do caipira. Os habitantes são sujos, ignorantes, crédulos, incivilizados, propensos a um comportamento meio infantil, meio animalesco.

Por isso, a bela sedutora nada mais faz do que apelar ao desejo carnal, cena após cena. A feiticeira prepara sua poção utilizando unhas de bebê e pêlos pubianos, correspondendo ao imaginário cartunesco das poções mágicas. O padre negro e deficiente também seria pedófilo, visto que o roteiro decide saturar o sujeito com todas as possibilidades de alteridade que lhe couberem. Neste contexto, o Homem Torto se torna um vilão desimportante, posto que as maldades se espalham uniformemente pelo roteiro. Ele fornece mera excentricidade suplementar, nem mais, nem menos potente narrativamente do que as outras.

O próprio anti-herói se vê preso à triste sina de coadjuvante da história que porta seu nome. Ele se desloca de uma casa à igreja, dos túneis à floresta, sem condicionar os rumos da narrativa. Hellboy observa, reclama, dá alguns socos, solta uma frase de efeito espirituosa (“Coisas sombrias atraem coisas sombrias”) e segue adiante. O roteiro se estrutura de maneira episódica, agrupando esquetes de terror com o personagem vermelho na condição de observador de luxo. Caso ele fosse substituído por qualquer investigador (um policial ou justiceiro, por exemplo), não traria diferenças significativas à experiência. As especificidades do personagem dos quadrinhos se perdem — a mão forte, por exemplo, serve somente a esmagar um inseto.

A propósito de diálogos, a comédia de horror está repleta de frases grotescas, numa tentativa de chocar ou despertar sorrisos pelas referências desbocadas ao corpo e à sexualidade. “Ela nunca gostou de usar roupas de Igreja”, afirma-se em relação à prostituta demoníaca. “Você estará com a sua mãe, mamando aquela teta preta no inferno” e “Está escuro lá embaixo. Escuro como o cu do diabo” são algumas pérolas deste humor regressivo — além de bastante preconceituoso em relação a crenças pagãs e qualquer forma de espiritualidade não-cristã.

De modo geral, a produção se perde na multiplicidade de tons. Paira a sensação que diversos filmes, bastante distintos, brigam pra conviver na narrativa. Por um lado, Taylor busca a comédia pop e adolescente, nos moldes consagrados por Guardiões da Galáxia e outros projetos de super-heróis. Por outro, almeja um horror grave e assustador, enquanto concebe cenas de ação e uma quantidade considerável de interações fantásticas. Busca ao mesmo tempo a seriedade e a leveza; a imersão (o horror, a crença) e o distanciamento (o humor, o deboche); fazer crer e desacreditar. A conta não fecha.

Enquanto isso, o cineasta impressiona pelo arsenal limitadíssimo para representar tanto o humor quanto a ação e, sobretudo, o horror. Toda ideia de medo resulta no recurso à câmera na mão, tremendo em excesso, junto às imagens de borda desfocada. Como os personagens possuem construção psicológica nula, e os conflitos tampouco estabelecem uma relação de causa e consequência, a alternativa encontrada pelos criadores para criar ambientação reside em introduzir o máximo de sons estridentes e repentinos para causar algum tipo de sensação epidérmica (o susto, em especial, na ausência de tensão). É muito difícil torcer ou temer por qualquer uma das figuras em cena.

Os atores também possuem a tarefa delicada de defender personagens desprovidos de qualquer tipo de desenvolvimento. Hellboy ganha um trauma materno de contornos simples, porém, exceto por este episódio, limita-se ao protagonista encarregado de salvar a mocinha indefesa durante o clímax e demonstrar seu interesse romântico. Somam-se os efeitos visuais fraquíssimos (difícil acreditar nas serpentes, aranhas, insetos) e a montagem caótica (vide a edição-videoclipe do estupro na floresta, espécie de pastiche de A Morte do Demônio). O filme se encerra com a aparência de uma produção B, de pouco cuidado e refinamento, do tipo que chegaria discretamente às prateleiras das videolocadoras algumas décadas atrás.

Hellboy e o Homem Torto (2024)
2
Nota 2/10

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