Rui (Raymundo de Souza) descobre que a casa onde sempre viveu será tomada pelo sobrinho. Passada a morte do irmão e antigo proprietário do imóvel, o despótico herdeiro decide ocupar a casa central, relegando o senhor idoso a uma edícula apertada nos fundos. E que este não converse com os familiares, em hipótese nenhuma. Depois, Rui é avisado que outro sobrinho sacou dinheiro do falecido, poucos dias antes de morrer. Em seguida, recebe pela rádio a notícia de um loteamento de casas prontas e gratuitas, reservadas aos idosos de Belo Horizonte.
Horizonte é construído a partir destes golpes do acaso. Os protagonistas tomam poucas atitudes por si próprios, limitando-se a reagir às mudanças bruscas que ocorrem em seu entorno. Talvez por este motivo, soem perturbadoramente passivos: o homem é enxotado de sua casa, porém apenas acata com a bravura do recém-chegado. O sobrinho faz o mesmo. Ambos poderiam clamar por uma parte da herança do falecido, e supostamente conhecem seus direitos. “Mas quem manda aqui sou eu”, grita o outro, cabra macho. Os dois baixam a cabeça e se mudam. A vida é assim, não?
Resta uma estranha impressão de que algumas estas brigas sanguíneas poderiam ser resolvidas caso os personagens manifestassem mínima verve ou autonomia. O roteiro chega ao cúmulo de imaginar uma festinha de noivado, no quintal de casa, onde todos ficam preocupadíssimos com a ausência do homem idoso, cuja presença nem era desejada. Não poderiam apenas inventar uma desculpa para a ausência do familiar? De modo algum: a direção transforma o incidente numa catástrofe de proporções imensas.
Uma obra excessivamente ingênua, tanto em termos humanos quanto cinematográficos.
A propensão ao melodrama e aos exageros de tons domina igualmente os diálogos. Os personagens falam pouco, mas quando abrem a boca, dizem tudo aquilo que seus interlocutores (e o espectador) precisam conhecer: “Você acaba de enterrar seu pai, você não vê seu filho há quatorze anos!”, “Já tem quatorze anos que eu saí daqui. Agora ficou só o senhor”, “A senhora é sozinha, sem filhos, e vive num asilo que foi fechado”. Por que raios estas figuras dizem uma à outra dados bem conhecidos pelos dois? A artificialidade incomoda bastante no drama de pretensões naturalistas.
No entanto, o diretor Rafael Calomeni e o roteirista Dostoiewski Champangnatte gostam de criar dilemas apenas para proporcionar uma solução, igualmente rocambolesca. Rui acaba de ser rejeitado pelos familiares? Sem problema, basta ligar o rádio e a primeira emissão afirma, literalmente, “Você, na terceira idade, busca um lar”? Uma conversa rápida depois, poucos documentos apresentados, e está entregue sua casa gratuita! Imagina-se o programa social mais eficiente, e também menos verossímil, da história das políticas públicas.
Enquanto isso, o longa-metragem apresenta dificuldades em trabalhar tempos e espaços. Na impossibilidade de expressar a passagem das ações, ou o desgasta das consequências, a montagem simplesmente acrescenta um “Dias depois…” na tela, em três oportunidades. Caso contrário, talvez o espectador não percebesse o decorrer do tempo. Rui jamais explora as ruas análogas deste bairro de idosos, e investiga pouco do mundo para além das duas casas onde é confinado.
Os familiares, essenciais no momento inicial da trama, serão sumariamente abandonados em seguida, quando o roteiro confere protagonismo único a Rui. Entram em cena novos dilemas, diferentes em termos de tom e ritmo, de tudo o que antecedeu. De repente, o homem se apaixona pela única vizinha do bairro, passando dia e noite à janela, infantil e romântico, em espera de uma resposta da donzela enfezada. O pertencimento e o abandono serão superados pela perspectiva de se apaixonar novamente.
Horizonte está repleto de boas intenções. Deseja apresentar a solidão após os 70 anos, a rejeição familiar, a possibilidade de reconfiguração social para além dos núcleos tradicionais. Conta com atores dedicados, especialmente Raymundo de Souza e Alexandra Richter, esta última, a mais coesa em cena durante todas as suas aparições. Os autores imaginam um drama romântico adulto, sem alívios cômicos fáceis, e baseado num otimismo quase fabular quanto à possibilidade de se reinventar em qualquer fase da vida.
No entanto, parte de seus méritos representam igualmente as suas fragilidades. Trata-se de uma obra excessivamente ingênua, tanto em termos humanos quanto cinematográficos. O cineasta concebe um conto de fadas, transformando o homem idoso em gato borralheiro, a quem a fada madrinha oferece uma casa nova e uma princesa encantada com quem permanecer pelo resto dos seus dias. Os problemas somem, posto que o destino se encarrega de ajustar todos os dilemas num passe de mágica. Fim.
Ora, quanto mais o roteiro, a direção e a montagem adocicam os males e intervêm no naturalismo, menos o resultado se sustenta. O projeto nunca decide entre um filme de observação, mais intimista e delicado, e a busca por uma autoria vaidosa. Ele começa com um longuíssimo plano-sequência nos fundos da casa (que não ajuda em nada na dinâmica estática das pessoas sentadas à mesa) e depois inventa zoom-in e zoom-out consecutivos, na mesma cena, rumo ao protagonista e sua melhor amiga, sentados num banco. O que deseja esta câmera histriônica?
Os atores se perdem nesta indefinição de tons e propósitos. Raymundo de Souza está muito bem na interação com Ana Rosa durante o terço final, porém soa insuficientemente dirigido no plano-sequência de abertura, quando permanece catatônico à mesa. Arthur D. Farah transparece a indecisão entre construir um rapaz doce, porém afetuoso, ou um sujeito incapaz de perceber a malícia ao redor. Já Ronan Horta executa (por iniciativa própria ou a demando do diretor) uma composição maléfica, beirando o cartunesco e o caricatural.
Por fim, é difícil sustentar pelo filme a mesma condescendência e paternalismo com que o longa-metragem trata seus personagens. Horizonte se prova tão gentil e bem-intencionado quanto frágil enquanto posicionamento político e artístico. Confere papéis de destaque a atores que certamente merecem nossa atenção. No entanto, o afeto incondicional e a crença cega numa melhoria do estado das coisas (graças aos ajustes um tanto abruptos na ordem das coisas) lhe servem de méritos agridoces, inocentes demais um projeto do século XXI.