Ivo (Minna Wündrich) chega ao hospital. Presencia um leito vazio e pergunta aos funcionários: “Ele morreu?”. Respondem que sim. Irritada, ela reclama pelo fato de ter dirigido 40 minutos até ali, para nada. Esta mulher poderia soar fria e insensível, no entanto, a morte faz parte de seu dia a dia. Cuidadora de pacientes em fase terminal, ela possui um cronograma apertadíssimo entre casas e apartamentos, onde prescreve medicamentos, mede a pressão sanguínea e sugere atividades físicas.
O longa-metragem se concentra numa relação muito particular com a finitude. A diretora Eva Trobisch retira do tema seu aspecto de espetáculo, de segredo ou tabu. Para os enfermeiros e especialistas retratados neste filme, a morte corresponde a um fenômeno a gerenciar, cuidar e postergar ao máximo. Esqueça tanto as relações lacrimosas e piedosas quanto a figura dos assistentes médicos transformados em anjos que apenas praticam o bem. Para Ivo, trata-se de um emprego, um trabalho que ela desempenha de maneira pragmática, eficaz.
A construção desta personagem é fascinante. Posto que dedica várias horas ao dia à profissão, a heroína nunca cuida muito de si própria. Por isso, recorre à praticidade: ela come fast food, mastiga alguma fruta enquanto dirige; veste-se com jeans e blusas simples, vive num apartamento bege, de pouca decoração (embora bastante bagunçado). Até a relação sexual ocorre com o marido de uma paciente com ELA, o que facilita a vida de ambos, que precisam permanecer no apartamento para vigiar a mulher — amada com profundidade pelos dois.
A obra jamais se importa com questões individualistas, sugerindo que a morte constitua, acima de tudo, um fenômeno social, plural e coletivo.
A narrativa acompanha, portanto, os processos. Não adianta à diretora meramente sugerir que esta profissional cuide de pessoas. É preciso mostrá-la separando remédios, aplicando injeções, ajudando pacientes a se locomoverem até o banheiro, dirigindo incessantemente de um lado ao outro. A compra de uma cadeira de rodas envolve pesquisas, testes, discussões. A burocracia envolvendo a morte também se expõe em detalhes: a assinatura de documentos, a presença de representantes médicos, a transferência do corpo, o comunicado do falecimento às pessoas próximas.
Para cuidar de uma criança, é preciso de uma aldeia, afirma o ditado. Para cuidar de um indivíduo acamado, também. A cineasta trata de inserir o tema em um microcosmo onde a doença afeta os familiares e amigos para além das questões morais, emocionais e financeiras — ninguém, aqui, demonstra qualquer dificuldade em custear o atendimento médico de seus entes queridos. Foca-se, assim, nos arranjos cotidianos: a necessidade de subir e descer escadas com a cadeira rolante, a proposta de baixar a altura dos móveis para que a esposa doente consiga alcançá-los.
Deste modo, Ivo evita o sentimentalismo ao transparecer qualquer expressão de afeto diretamente no corpo. A felicidade, o cansaço, a raiva e a preocupação passam pelo sexo, pela nudez, pela comida rápida e sem prazer, pelo manuseio dos pacientes. Se alguém ali possui traumas de infância, relações mal-resolvidas com os pais ou algum intuito de salvar o mundo, “um paciente de cada vez”, não saberemos. A obra jamais se importa com questões individualistas, sugerindo que a morte constitua, acima de tudo, um fenômeno social, plural e coletivo.
Tal escolha justifica o fato de a protagonista jamais ser sobrecarregada pelo roteiro com incontáveis problemas a gerenciar. O caso particular de Solveigh (Pia Hierzegger) a toca, por se tratar de uma amiga próxima. De resto, a maioria das visitas se mostra rotineira, sem crises. Ivo possui um chefe compreensivo, além de uma filha adolescente bastante independente. Não existe nenhum prazer, por parte da narrativa, em testemunhar seu sofrimento, nem a estafa mental e física. Esta escolha pode despertar a impressão de um projeto monótono, linear demais, ou excessivamente hermético. Onde Hollywood reservaria uma catarse enquanto recompensa emocional ao espectador, o drama alemão prefere deixar o choro preso na garganta.
As atuações seguem caminhos semelhantes. Minna Wündrich oferece um corpo presente e sem vaidades, além do rosto em expressões mínimas, que se permite rir em instantes tristes, ou lacrimejar discretamente diante da mãe, num encontro comum. As frequentes cenas de nudez envolvendo a atriz e Lukas Turtur servem, neste caso, a expor a naturalidade da conduta consigo mesmos. Ivo não deseja impressionar, seduzir, e jamais questiona sua conduta após o tratamento de algum paciente. Questões de remorso e culpa passam longe dos dilemas desta mulher.
Assim, a obra surpreende por retirar da morte as lágrimas, a moral e a ética. Mesmo assim, a autora preserva afetos reais e possíveis, sem idealizar nem vitimizar as figuras em cena. Trata-se de um delicado equilíbrio: Trobisch demonstra rara maestria ao operar no princípio da gradação. Isso significa que todos os problemas da personagem são postos desde a cena inicial, intensificando-se microscopicamente, cena após cena, até o clímax. Até as pretensas catarses serão discretas, filmadas à distância pela direção de fotografia, e interrompidas o quanto antes pela montagem.
Em consequência, montagem e som procuram atribuir certa banalidade ao cotidiano de falecimentos. As repetições em carros, sacadas e à beira de leitos demonstra um olhar tão cuidadoso, em termos de enquadramento, quanto afastado, no que diz respeito à expressão dos atores. Ivo é a única personagem que realmente ganha close-ups e acesso às suas emoções — e até ela será posicionada no canto do enquadramento, de perfil, revelando as raras lágrimas. A filha limita-se a perambular entre cômodos; os doentes e seus familiares constituem visitas esporádicas que vêm e vão.
No final, resta a proposta de abraçar o drama sem ser dramático no sentido popular do termo; mostrar o romance sem ser romântico, novamente na acepção geral da palavra. Até as interações mais cômicas evitam que o projeto se converta numa comédia. A diretora adota os códigos tradicionais e então os atenua, retirando os clichês, as muletas, as convenções. Resta um retrato humanizado justamente por apostar que o espectador não precise de qualquer chantagem emocional para se identificar com os personagens tão simples, os corpos comuns, as situações banais. Aqui, morre-se todos os dias.