Caso o espectador não tenha assistido aos filmes anteriores da franquia Jurassic World, ou não se lembre das produções originais de Jurassic Park, não há problema nenhum: a aventura de 2022 se inicia com uma explicação em forma de reportagem, quando uma voz didática menciona a liberação dos dinossauros no mundo, a evolução dos mesmos e os riscos de tal empreitada. O final contém um apêndice jornalístico semelhante, para garantir que os acontecimentos foram bem assimilados pelo espectador.
É raro encontrar um blockbuster dotado de ferramentas tão pedagógicas quanto a nova obra dirigida por Colin Trevorrow. Os artistas se dirigem a um público possivelmente disperso, ou incapaz de assimilar metáforas, subentendidos, símbolos e poesias. Por isso, o filme introduz o contexto, explica o conflito principal, apresenta novamente cada personagem. Os heróis cumprimentam-se mencionando o percurso profissional do colega para informar o espectador, e citam cada dinossauro com uma descrição imediata, repetidas vezes: “Este é o giganotossauro, o maior animal carnívoro na face da Terra”.
Em paralelo, a jornada é acompanhada de inúmeros conflitos antecipados pelos diálogos. A narrativa possui a curiosa tendência a avisar seu interlocutor de tudo que está prestes a acontecer. “A empresa teria efetuado uma experiência com clone humano. O clone seria Maisie Lockwood (Isabella Sermon)”, cogita a repórter. Na cena seguinte, a informação se confirma. “Não vá além da ponte, filha, pode ser perigoso”, pede o pai Owen Grady (Chris Pratt) à filha-clone. Minutos depois, a garota estará na ponte, quando os receios se materializam.
Atenção: possíveis spoilers a seguir.
Esta mecânica de avisos prévios se estende a toda a experiência. “Cuidado”, pede a doutora Ellie Sattler (Laura Dern) ao entrar numa estufa repleta de gafanhotos gigantescos, geneticamente modificados. “Se não andar com cuidado, eles podem despertar e atacar”. Adivinha o que acontece em seguida? Ao entrarem num buraco subterrâneo, os personagens se indagam: “Será que tem dinossauros por aqui?”. Os animais aparecem em seguida. O cineasta poderia surpreender o espectador com estas chegadas inesperadas. No entanto, a tensão é aliviada pela certeza do conflito a seguir.
Outro aspecto facilitador se encontra na construção dos personagens. Qualquer espectador com o mínimo conhecimento em produções familiares e obras da Disney terá percebido que o bilionário ganancioso, prometendo fazer experiências genéticas apenas pelo bem da humanidade, não será tão gentil assim. (Ao contrário da contemporaneidade, quando bilionários da tecnologia são louvados enquanto exemplo de liderança). Mesmo assim, profissionais experientes da biologia e do reino animal ficam chocados ao descobrirem que os sujeitos com aparência de vilão eram, quem diria, grandes vilões.
Jurassic World: Domínio possui a aparência de um filme dos anos 1990, uma Sessão da Tarde concebida para agradar toda a família com um humor inconsequente, obstáculos inverossímeis e a certeza de que o bem prevalecerá sobre o mal no final.
Por estes e outros fatores, Jurassic World: Domínio possui a aparência de um filme dos anos 1990, uma Sessão da Tarde concebida para agradar toda a família com um humor inconsequente, obstáculos inverossímeis e a certeza de que o bem prevalecerá sobre o mal no final. Esqueçam as produções mais niilistas, ou as configurações contemporâneas de uma sociedade plural, em conflitos de moral dúbia. O roteiro se reveste de uma mensagem ecológica genérica (“Respeite todas as espécies”, “Nós somos pequenos diante da natureza”) que justifica mais um encontro com imensos dinossauros.
A este propósito, os estúdios seguem priorizando os efeitos visuais: o trabalho de criação das feras, de textura das peles, de olhar e de movimentação são impressionantes. No entanto, este espetáculo computadorizado só possui sentido quando confrontado ao potencial humano: quando dois dinossauros duelam entre si, afastados da dúzia de personagens principais, paira a impressão de um incômodo cinema em tela verde, nascido inteiramente nas máquinas virtuais, e mais próximo dos videogames do que do jogo cênico entre tantos intérpretes competentes.
A propósito do elenco, o filme traz ótimos nomes consagrados ao lado de talentosos novatos. Jeff Goldblum, como de costume, rouba as cenas em que aparece com seu misto de sarcasmo e benevolência — embora as motivações de Ian Malcolm sejam pouco justificáveis. Laura Dern e Sam Neill (este último, subaproveitado) reproduzem uma atmosfera artificial de romance, enquanto o casal Owen e Claire Dearing (Bryce Dallas Howard) se reduz às posições de herói corajoso, no caso dele (vide a cena à la Missão Impossível do avião em movimento) e de sobrevivente, no caso dela (a moça apenas corre de um lado para o outro, pois seus conhecimentos científicos são inúteis aqui).
DeWanda Wise e Mamadou Athie são incorporados ao grupo de veteranos, comprovando a impressionante destreza de ambos para este tipo de aventura familiar. Já Campbell Scott, no papel do Steve Jobs / Elon Musk / Bill Gates da vez, procura trazer alguma nuance ao sujeito eticamente contestável. Conforme a franquia avança, adicionando nomes sem eliminar nem afastar os conhecidos, ela se torna saturada: aqui, todos precisam brilhar, ou correr perigo ao mesmo tempo. Quando se unem, resultam em perseguições inchadas com oito adultos correndo juntos floresta adentro.
A alternativa encontrada pelos estúdios foi dividir a ação em tramas paralelas: sempre que possível, eles se separam para cumprir partes distintas da tarefa, fornecendo à montagem uma justificativa para alternar pontos de vista. Enquanto Owen luta contra bandidos, Claire corre de dinossauros, Maisie tenta fugir de cientistas, Kayla foge de contrabandistas, e Ellie, dos insetos perigosos. A estrutura em núcleos remete às séries televisivas, até porque, uma vez reunidos, estes especialistas em dinossauros se veem inexplicavelmente perdidos e indefesos. O filme precisa criar problemas para vender a solução.
No que diz respeito aos problemas, Trevorrow constrói uma quantidade expressiva de coincidências e conveniências disfarçadas pelo humor. Ao se jogar de uma sacada, Claire cai — adivinha? — no caminhão de Kayla, pronta para salvá-la. Correndo de dinossauros famintos, um grupo chega precisamente na grade atrás da qual se encontra o doutor Ian. Quando Maisie escapa de uma sala protegida, pegando o primeiro duto de ar encontrado, a saída se encontra exatamente diante de Ellie e Alan. Para mostrar que está grávida, a doutora Charlotte (Elva Trill) se levanta durante uma gravação e revela a barriga protuberante.
Em consequência, o universo é simplificado, ajudado até demais. Nenhum personagem parece correr risco de fato, por mais ferozes que sejam os bichos. Isso porque o carro da heroína fugindo em alta velocidade passa livremente por entre os animais — apenas o veículo inimigo será atingido. Presos no meio da luta de giganotossauros, os adultos saem sem um arranhão sequer. Blockbusters recentes compreenderam a importância do peso trágico do perigo, e do sacrifício de personagens em nome da verossimilhança e da recompensa emocional — caso de 007: Sem Tempo para Morrer (2021), Star Wars: O Despertar da Força (2015) e Top Gun: Maverick (2022).
Aqui, em contrapartida, nunca se pressente que qualquer indivíduo corra risco de morte real. Nem mesmo a garota-clone, sequestrada por gângsteres perigosos, sofrerá um arranhão sequer. No final, ela ainda se oferece de bom grado aos cientistas para virar cobaia em nome da evolução científica, o que redime os vilões e atenua a responsabilidade por seus crimes. Já Owen, o “domador de dinossauros”, se contenta com meia dúzia de cenas da palma da mão estendida aos bichos, capaz de apaziguar qualquer fera enfurecida. O procedimento da mão milagrosa se estenderá a mais personagens.
Jurassic World: Domínio se conclui como uma produção satisfatória enquanto espetáculo visual, embora inócua dramaticamente. De que adianta colocar tantos especialistas, cientistas, treinadores e clones em ação se, na hora de necessidade, eles se limitam a corpos correndo desesperados — ou seja, sem uma estratégia, tensão, nem um plano bolado coletivamente? Para que levar os dinossauros ao mundo inteiro, fora do parque, sem explorar as raízes dessa convivência, da fase pacífica à conflituosa? Algumas oportunidades foram perdidas, seja de representar a fantasia que não perturba o real (o dia a dia com os animais jurássicos pela cidade), seja de fazer com que os personagens evoluam psicologicamente e em motivações. Todos terminam onde começaram, apenas fortalecidos pelo amor e pela camaradagem.
Isso é muito pouco para uma obra contemporânea, dotada de infinitas capacidades de construção narrativa, e de dilemas éticos e morais para além do maniqueísmo entre cientistas malvados e heróis corajosos. Talvez por isso reste a interessante impressão de que o filme não oferece nenhuma cena marcante de fato — embora nenhuma delas se destaque negativamente, nenhuma se sobressai pela ousadia, pela tomada de riscos, por alguma metáfora mais arrojada. O estúdio desenvolve um cinema do conforto e da previsibilidade, marcado por pequenos risos e perigos módicos.