Karatê Kid: Lendas (2025)

It's up to you, New York, New York

título original (ano)
Karate Kid: Legends (2025)
país
EUA
gênero
Comédia, Drama, Ação
duração
90 minutos
direção
Jonathan Entwistle
elenco
Ben Wang, Sadie Stanley, Jackie Chan, Ralph Macchio, Joshua Jackson, Wen Ming-Na, Aramis Knight
visto em
Cinemas

A proposta deste novo Karatê Kid é ambiciosa: reunir na mesma jornada todos os professores e alunos da franquia, seja simbolicamente, seja de fato. Veteranos e novatos se juntam, combinando a técnica do karatê com aquela do kung fu, de modo a promover a ascensão de Li Fong (Ben Wang), jovem chinês emigrado aos Estados Unidos para acompanhar a mãe médica. A melhor maneira de integração social e cultural, para o rapaz que já fala inglês fluentemente, consiste em vencer o principal campeonato de luta da região. Os embates são ferozes, violentos, adotando as regras das ruas ao invés das disputas profissionais (a inspiração, neste caso, parece ter sido o infame Rocky 5, ao invés do Rocky original). O pertencimento depende da capacidade de se mostrar o melhor — ou seja, grande lutador, capaz de trabalhar numa pizzaria, assim como tantos nova-iorquinos, e apto a conquistar a mocinha mais gentil e do bairro. Não se nasce homem, torna-se.

Esta premissa possui valor especial no contexto de xenofobia crescente dos Estados Unidos sob a gestão Donald Trump. É sintomático que o país seja tratado como um local acolhedor aos imigrantes, que gritarão o nome do estrangeiro a plenos pulmões, preferindo-o em detrimento da prata da casa, graças às habilidades demonstradas na competição. Certo, o rapaz é alvo de chacotas inicialmente devido às suas preferências nada nova-iorquinas (ele pede pizza com borda recheada, o que se torna parte do apelido de lutador), porém, logo incorpora esta característica enquanto motivo de orgulho. Nova York é retratada enquanto local inóspito, gigantesco, repleto de gangues e sujeitos agressivos. 

Embora o discurso do longa-metragem pareça progressista em sua assimilação das diferenças, ele ainda crava as raízes no mito da meritocracia.

No entanto, o desafio constitui um teste ainda maior para determinar o valor e a virtude de Li Fong. “Se você tiver sucesso lá, você terá sucesso em qualquer lugar, depende somente de você”, afirma a canção de John Kander. Embora o discurso do longa-metragem pareça progressista em sua assimilação das diferenças, ele ainda crava as raízes no mito da meritocracia. Para pertencer à excludente sociedade estadunidense, basta ser o melhor lutador de uma megalópole de 18 milhões de habitantes — simples assim.

Este não e o único conservadorismo estrutural da obra conciliadora e familiar, que pretende apelar tanto aos saudosistas do tradicional heroísmo masculino quanto à nova geração, exigente por pluralidades étnicas e de gênero. Karatê Kid: Lendas sustenta uma visão arcaica da vilania — os adversários se revelam sujeitos claramente perversos e encrenqueiros, que quebram pernas e desumanizam mulheres pelo simples prazer de fazê-lo. É claro que o espectador se identificará com os heróis, bondosos e perseverantes, face à personificação cartunesca do mal. 

Já as mocinhas, por mais determinadas que sejam (namorada trabalhadora, mãe zelosa), ainda se limitam à função de torcer pelos namorados-filhos, inquietando-se com os ferimentos que possam adquirir nos enfrentamentos. Surgem na trama ao derrubarem algum objeto, forçando o protagonista a se abaixar para recolher os itens no chão, como um bom cavalheiro, e iniciar o flerte. Caso a saga Karatê Kid queira de fato se modernizar, precisará não somente incorporar lutadores negros (caso de Jaden Smith no anterior Karatê Kid, de 2010) e asiáticos, mas também ceder espaço mais honroso e determinante às mulheres.

Ressalvas à parte, o diretor Jonathan Entwistle possui uma facilidade impressionante com este humor bom-moço, sem malícia, nem insistências em fazer rir a todo preço. A comicidade nasce das situações, a exemplo das estratégias diferentes de luta sugeridas por Mr. Han (Jackie Chan) e Daniel LaRusso (Ralph Macchio), do cansaço do garoto que apanha em diversas fases do aprendizado, ou do lutador de boxe (Joshua Jackson) tentando aprender os movimentos do kung fu. A este propósito, o longa-metragem incorpora a bela ideia de que todos os aprendizes se tornem, mais cedo ou mais tarde, instrutores deste conhecimento. 

Por isso, a subtrama envolvendo a emancipação de Victor (Joshua Jackson) pode soar desconectada da narrativa central, porém serve a esta ideia de que mesmo Li Fong amadurece ao passar adiante os valores das artes marciais. Desta vez, um chinês desloca-se ao solo americano no intuito de ensinar valores de perseverança e disciplina a um local, conhecido pela dificuldade de seguir regras. Paira no discurso de Karatê Kid: Lendas uma ideia muito bem-vinda de convivência entre as diferenças (ainda que segundo as bases estadunidenses, é claro).

Mesmo alguns tiques mais comuns no cinema juvenil e televisivo — a contagem de pontos na forma de letreiros animados, a divisão da tela em quadros-dentro-do-quadro — ainda se prestam à ideia de tornar leve e digna a adaptação de Li Fong em terras estrangeiras. Seu percurso é profundamente previsível: desde o primeiro encontro com a gangue de lutadores, torna-se claríssimo quem o garoto enfrentará na batalha final do torneio, e qual será o desfecho desta disputa. 

No entanto, a despeito de qualquer suspense ou originalidade, o longa-metragem repousa no talento impressionante de seu ator principal, versátil tanto para demonstrar a timidez quanto a ferocidade no ataque. Uma destreza semelhante decorre dos atores em papéis secundários. Jackie Chan habita este universo sem esforços, Mia (Sadie Stanley) cumpre muitíssimo bem o papel da garota esforçada, entre o respeito e a rebeldia ao pai, enquanto Macchio serve como perspectiva de um norte-americano distante da cidade grande. O cineasta sabe como trabalhar seus atores para tornar alguns lugares-comuns simples, e também bastante naturais.

Talvez o ponto mais questionável da obra inteira venha logo nos primeiros minutos. A decisão de “ressuscitar” o mestre Miyagi via Inteligência Artificial consiste num grande tiro no pé nesta obra de afetos e respeitos — nada parece mais explorador do que faturar em cima da imagem do falecido Pat Morita. Haveria incontáveis maneiras de representar o contato entre Han e seu antigo mestre sem literalmente trazer o sensei de volta. Aliás, o recurso da IA soa como a alternativa menos inventiva ou instigante cinematograficamente. Ela constitui a solução mais fácil e eticamente reprovável. 

Ainda bem que, passado o grave deslize inicial, a narrativa se desenvolve com a facilidade de um feel good movie, e o caráter acessível de uma boa Sessão da Tarde — algo compreendido, hoje, enquanto filmes de abrangência universal, baseados em pequenas aventuras de virtudes e amadurecimento, recompensando o herói virtuoso. Li Fong constitui um excelente acréscimo à saga. A tentativa de unir diferentes gerações e pontos de vista (“dois galhos, uma árvore”) converte-se numa defesa da empatia com o outro, particularmente bem-vinda em 2025. Trump pode continuar atacando o adversário com tarifas e mentiras. No mundo brilhoso da ficção, americanos e chineses se tornam dois galhos de uma árvore só. 

Karatê Kid: Lendas (2025)
6
Nota 6/10

Zeen is a next generation WordPress theme. It’s powerful, beautifully designed and comes with everything you need to engage your visitors and increase conversions.