Lilian Florinda Hernández Lopez caminha com suas quatro crianças pequenas à beira de uma autoestrada na Guatemala. Ela espera pelo quinto filho. O objetivo dela, e de outros milhares de migrantes, é chegar à fronteira dos Estados Unidos, a mais de 4.000 km de distância — o que significa cruzar o México inteiro. Esperam conseguir atravessar ilegalmente, para trabalharem em pequenos empregos. Enquanto isso, pegam caronas em caminhões, ou qualquer veículo que aceite levá-los um pouco mais longe.
A travessia perigosa e cansativa poderia ser vista de inúmeras maneiras. Talvez a mais óbvia, pelo lado progressista, fosse a denúncia explícita, apontando dedos (“Veja que absurdo! Que situação indigna a que estas pessoas estão submetidas!”). Do lado conservador, seria comum o olhar piedoso, convidando o público a lamentar pelos pobres que precisam passar por tais situações, já que a vida é dura mesmo, fazer o quê? Cada um carrega a sua cruz. Perspectivas antropológicas e sociológicas, utilizando especialistas sentados diante de suas estantes de livros para comentar o fenômeno migratório, são igualmente frequentes.
É um alívio perceber que Lo que Queda en El Camino foge aos olhares moralistas ou objetificantes. Os diretores Jakob Krese e Danilo do Carmo seguem Lilian enquanto cúmplices próximos e silenciosos. Em outras palavras, viajam ao lado dela, semana após semana, num trajeto que ultrapassa dois meses. A dupla mantém a câmera próxima o suficiente para ser percebida, porém, cria tamanha intimidade com as protagonistas que as mulheres não veem a necessidade de encará-la. O dispositivo se torna um viajante a mais, disposto a passar pela mesma experiência, ao lado delas.
O longa-metragem se desenvolve em tempo presente, com os fatos ocorrendo ao vivo, diante dos nossos olhos. Neste caso, interessa o percurso, não exatamente onde Lilian chegará ao final.
Isso significa que os fatos não são narrados a posteriori, de maneira descritiva, como na maioria dos documentários explicativos. O longa-metragem se desenvolve em tempo presente, com os fatos ocorrendo ao vivo, diante dos nossos olhos. Apesar de valorizar a espera e a melancolia, sustenta um fundo de urgência: algum caminhão aparecerá para levar a família numerosa? Até onde? Com qual dinheiro? Raros filmes conseguem imprimir a sensação do tempo presente. Logo, encontramos uma obra realizada com a protagonista, ao invés de sobre ela.
Neste caso, interessa o percurso, não exatamente onde Lilian e a amiga de estrada, Ana-Maria Escobar, chegarão ao final. Krese e Carmo evitam desta maneira o discurso de finalidade. Não filmam estas mulheres para mostrarem que a tentativa é infrutífera, ou para mostrarem que o esforço vale a pena. A dupla se move por um interesse e um senso de solidariedade, descobrindo seu objeto de estudo conforme o filma. Não parece munida de teses prévias, razão pela qual o olhar consegue acolher os fatos sem julgamento.
A edição de Sofía A. Machado se encarrega de intercalar os instantes difíceis (as noites frias em postos de gasolina, dormindo sobre o chão) com brincadeiras entre as crianças, ou com provocações amigáveis entre as mulheres. A mãe se encarrega de amarrar o ursinho de pelúcia nas costas da filha, para se sentir como a adulta, que porta a filha menor amarrada. Adiante, as amigas conversam sobre assédio sexual e tentativas de estupro sofridas com caminhoneiros. O ritmo jamais se acelera para criar suspense ou algum senso de empolgação ao espectador. A miséria nunca se converte em entretenimento.
O documentário também consegue trazer o mundo lá fora ao grupo de caminhantes. Lilian liga para o companheiro nos Estados Unidos, anunciando a sua gravidez, e perguntando se estaria disposto a recebê-la com cinco filhos. Pergunta se teria como ajudá-la a atravessar — caso em que começamos a pensar nesta segunda fase, ainda mais difícil, da viagem. As mulheres discutem de maneira um tanto corriqueira (ainda que possivelmente estimulada pela direção) as agressões sofridas pelos maridos, a falta de empregos na Guatemala. Elas fogem à qualquer ingenuidade: sabem que encontrarão vida pesada em território estrangeiro, no entanto, esta parece ser a única alternativa possível.
A simplicidade com que os temas são introduzidos à trama colabora ao aspecto orgânico do conjunto. Lo que Queda en el Camino deixa a impressão de ter filmado muitíssimas horas de percurso, sem condicionar as ações, porém atento ao que pudesse ocorrer, ou ser dito, no percurso. Com paciência e olhar afiado de cronistas, os autores captam as piadas e brincadeiras das crianças, a solidão do garotinho na madrugada, a conversa desolada de Lilian, quando permanece duas semanas num acostamento onde os caminhões não param.
Os cineastas sabem esperar que as pequenas magias do cotidiano se produzam à sua frente, mas em especial, sabem como filmá-las. Os planos fixos são cuidadosamente pensados para registrar os caminhões de uma perspectiva alta e inclinada, ou a amplitude dos espaços contra a pequeneza dos corpos que os atravessam. A utilização de luz natural é primorosa, captando um aspecto tão cru quanto poético das paisagens à beira da estrada, alheias a qualquer senso turístico envolvendo Guatemala e México. Com este projeto, os autores fazem prova de uma maturidade — estética, narrativa, de olhar — que muitos cineastas perseguem durante a carreira inteira.