Lo que Queda en el Camino (2021)

A câmera viajante

título original (ano)
Lo que Queda en el Camino (2021)
país
México, Alemanha, Brasil
linguagem
Documentário
duração
93 minutos
direção
Jakob Krese, Danilo do Carmo
com
Lilian Florinda Hernández Lopez, Sergio Rigoberto Lopez Hernández, Blanca Lilian Lopez Hernández, Victor Noe Lopez Hernández, Anali Floridalma Lopez Hernández, Ana-Maria Escobar
visto em
Cinemas

Lilian Florinda Hernández Lopez caminha com suas quatro crianças pequenas à beira de uma autoestrada na Guatemala. Ela espera pelo quinto filho. O objetivo dela, e de outros milhares de migrantes, é chegar à fronteira dos Estados Unidos, a mais de 4.000 km de distância — o que significa cruzar o México inteiro. Esperam conseguir atravessar ilegalmente, para trabalharem em pequenos empregos. Enquanto isso, pegam caronas em caminhões, ou qualquer veículo que aceite levá-los um pouco mais longe. 

A travessia perigosa e cansativa poderia ser vista de inúmeras maneiras. Talvez a mais óbvia, pelo lado progressista, fosse a denúncia explícita, apontando dedos (“Veja que absurdo! Que situação indigna a que estas pessoas estão submetidas!”). Do lado conservador, seria comum o olhar piedoso, convidando o público a lamentar pelos pobres que precisam passar por tais situações, já que a vida é dura mesmo, fazer o quê? Cada um carrega a sua cruz. Perspectivas antropológicas e sociológicas, utilizando especialistas sentados diante de suas estantes de livros para comentar o fenômeno migratório, são igualmente frequentes.

É um alívio perceber que Lo que Queda en El Camino foge aos olhares moralistas ou objetificantes. Os diretores Jakob Krese e Danilo do Carmo seguem Lilian enquanto cúmplices próximos e silenciosos. Em outras palavras, viajam ao lado dela, semana após semana, num trajeto que ultrapassa dois meses. A dupla mantém a câmera próxima o suficiente para ser percebida, porém, cria tamanha intimidade com as protagonistas que as mulheres não veem a necessidade de encará-la. O dispositivo se torna um viajante a mais, disposto a passar pela mesma experiência, ao lado delas.

O longa-metragem se desenvolve em tempo presente, com os fatos ocorrendo ao vivo, diante dos nossos olhos. Neste caso, interessa o percurso, não exatamente onde Lilian chegará ao final.

Isso significa que os fatos não são narrados a posteriori, de maneira descritiva, como na maioria dos documentários explicativos. O longa-metragem se desenvolve em tempo presente, com os fatos ocorrendo ao vivo, diante dos nossos olhos. Apesar de valorizar a espera e a melancolia, sustenta um fundo de urgência: algum caminhão aparecerá para levar a família numerosa? Até onde? Com qual dinheiro? Raros filmes conseguem imprimir a sensação do tempo presente. Logo, encontramos uma obra realizada com a protagonista, ao invés de sobre ela

Neste caso, interessa o percurso, não exatamente onde Lilian e a amiga de estrada, Ana-Maria Escobar, chegarão ao final. Krese e Carmo evitam desta maneira o discurso de finalidade. Não filmam estas mulheres para mostrarem que a tentativa é infrutífera, ou para mostrarem que o esforço vale a pena. A dupla se move por um interesse e um senso de solidariedade, descobrindo seu objeto de estudo conforme o filma. Não parece munida de teses prévias, razão pela qual o olhar consegue acolher os fatos sem julgamento.

A edição de Sofía A. Machado se encarrega de intercalar os instantes difíceis (as noites frias em postos de gasolina, dormindo sobre o chão) com brincadeiras entre as crianças, ou com provocações amigáveis entre as mulheres. A mãe se encarrega de amarrar o ursinho de pelúcia nas costas da filha, para se sentir como a adulta, que porta a filha menor amarrada. Adiante, as amigas conversam sobre assédio sexual e tentativas de estupro sofridas com caminhoneiros. O ritmo jamais se acelera para criar suspense ou algum senso de empolgação ao espectador. A miséria nunca se converte em entretenimento.

O documentário também consegue trazer o mundo lá fora ao grupo de caminhantes. Lilian liga para o companheiro nos Estados Unidos, anunciando a sua gravidez, e perguntando se estaria disposto a recebê-la com cinco filhos. Pergunta se teria como ajudá-la a atravessar — caso em que começamos a pensar nesta segunda fase, ainda mais difícil, da viagem. As mulheres discutem de maneira um tanto corriqueira (ainda que possivelmente estimulada pela direção) as agressões sofridas pelos maridos, a falta de empregos na Guatemala. Elas fogem à qualquer ingenuidade: sabem que encontrarão vida pesada em território estrangeiro, no entanto, esta parece ser a única alternativa possível.

A simplicidade com que os temas são introduzidos à trama colabora ao aspecto orgânico do conjunto. Lo que Queda en el Camino deixa a impressão de ter filmado muitíssimas horas de percurso, sem condicionar as ações, porém atento ao que pudesse ocorrer, ou ser dito, no percurso. Com paciência e olhar afiado de cronistas, os autores captam as piadas e brincadeiras das crianças, a solidão do garotinho na madrugada, a conversa desolada de Lilian, quando permanece duas semanas num acostamento onde os caminhões não param.             

Os cineastas sabem esperar que as pequenas magias do cotidiano se produzam à sua frente, mas em especial, sabem como filmá-las. Os planos fixos são cuidadosamente pensados para registrar os caminhões de uma perspectiva alta e inclinada, ou a amplitude dos espaços contra a pequeneza dos corpos que os atravessam. A utilização de luz natural é primorosa, captando um aspecto tão cru quanto poético das paisagens à beira da estrada, alheias a qualquer senso turístico envolvendo Guatemala e México. Com este projeto, os autores fazem prova de uma maturidade — estética, narrativa, de olhar — que muitos cineastas perseguem durante a carreira inteira. 

Lo que Queda en el Camino (2021)
9
Nota 9/10

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