Imagens de pessoas sentadas. Eles são escritores, cartunistas, cineastas, amigos e familiares de Luís Fernando Veríssimo. Falam sobre a sua relação com o escritor, sublinhando as inúmeras qualidades do protagonista. Este documentário se insere na linhagem dos talking heads, ou seja, cabeças falantes dissertando acerca do protagonista. Filmam-se dezenas de depoimentos, sem preocupação prévia de estrutura e estética, para se determinar mais tarde, na montagem, uma linha narrativa.
Mas ele não constitui apenas isso. O projeto representa uma homenagem a uma pessoa querida. Faz-se filme sobre alguém de quem se gosta muito, estimando que ela mereça um filme, precisando ser elogiada, destacada de outros artistas do meio. Se algum espectador ainda não conhecia os talentos do autor, agora conhecerá. Em meio a tantos vídeos de homenagens no Festival de Gramado, é curioso como estes documentários tradicionais, seguindo a lógica da reportagem jornalística, se assemelham a uma vídeo-homenagem suplementar — porém, sem a presença do biografado para subir aos palcos e resgatar um troféu.
Luís Fernando Veríssimo — O Filme parte do pressuposto que o gaúcho, autor de livros como Comédias da Vida Privada e As Mentiras que os Homens Contam, seria um homem maravilhoso. Chega à conclusão, após duas horas de narrativa, que ele é, de fato, maravilhoso. Enquanto forma de cinema e de comunicação, o gesto se torna retórico. Ele oferece menos informações, ou reflexões acerca da literatura, da política e das artes no Brasil, do que uma sobrecarga de afeto a compartilhar com o espectador. “Eu gosto muito dele, você também gosta?”, parecem indagar as cenas. A interação com o público ocorre na dinâmica do fã-clube.
O documentário parte do pressuposto que o autor seria um homem maravilhoso. Chega à conclusão, após duas horas de narrativa, que ele é, de fato, maravilhoso.
A principal estratégia narrativa e de montagem reside na repetição. Acredita-se que, se algo é dito inúmeras vezes, por várias pessoas, então deve ser verdade. A intenção de provar as qualidades do protagonista soa curiosamente importante à cineasta Luzimar Stricher, apesar de que ninguém, até onde se saiba, duvidasse das capacidades de um artista tão consensual. No entanto, um especialista aparece em cena para afirmar que Veríssimo satiriza os costumes da classe média brasileira. Em seguida, outro diz a mesma coisa. E um terceiro. Pronto, está confirmado. I rest my case.
As reiterações continuam. “Ele é uma dessas pessoas que, falando pouco, conseguem dizer muito”, afirmam três falas consecutivas. “O traço dele é leve, simples, expressivo”, sublinham mais três entrevistados. Ele seria um profundo conhecedor de todas as áreas, capaz de escrever sobre qualquer tema, afirmam mais uma leva de personagens. As sucessões de elogios não param: Zuenir Ventura possui meia dúzia de aparições nas quais se limita a despejar os mais belos adjetivos a respeito do escritor. Ziraldo e Jorge Furtado seguem um caminho semelhante.
Esta estratégia não diz respeito apenas às congratulações, mas também às informações. “Eu comecei fazendo copyright”, menciona Luís Fernando Veríssimo duas vezes. O autor se repete ao afirmar que trabalhou na recomendação de bares e restaurantes para o jornal. “Naquela época, não precisava de diploma de jornalismo”. “Me deram uma crônica diária”. Estas e muitas outras afirmações retornam à narrativa, provocando uma curiosa sensação de déjà vu ao longo do filme: eu já não vi essa cena antes?
Caso a montagem eliminasse as redundâncias, atingiria o ritmo dinâmico e a duração enxuta propícios ao material. O documentário chega ao ponto de repetir imagens (o escritor por trás das persianas, em seu escritório, por exemplo) e lançar afirmações que, na empolgação do afeto pelo autor, se privam de qualquer fonte capaz de justificá-las. “É provável que Veríssimo tenha sido o escritor que mais formou leitores no Brasil em todos os tempos”. Ora, de onde se retira tal sugestão, para além da vontade profunda de que ela seja verdadeira?
Até a canção final, durante os letreiros, limita-se a reprisar o que vinha sendo dito e redito até então: ele se casou com Lúcia Veríssimo, toca jazz, é tímido, criou as Cobras, etc., etc., etc. Por mais que transborde de carinho e seja motivado por ótimas intenções, Luís Fernando Veríssimo — O Filme nunca sabe ao certo de que maneira valorizar o homem. Uma reflexão acerca da sociedade em que ele se insere, uma pesquisa sobre a linguagem, uma análise do valor cultural das obras (para além do número da tiragem, citado nas falas) seria mais interessante do que colocá-lo num pedestal. Metáforas, poesias, fricções na montagem, figuras de linguagem também representariam uma forma mais frutífera de combinar cinema e literatura.
Por fim, o projeto constitui mais do que um filme-de-gente-sentada-elogiando. Ele representa uma forma arcaica de cinema documental, crente que a nobreza do tema dispensa a necessidade de pensar na estética e adequá-la ao biografado. Com frequência, estima-se que isso é o documentário, e qualquer proposta mais arrojada em linguagem, discurso e estética seria um “documentário experimental”, “ensaio visual”, e assim por diante. Ora, o documentário pode e deve apresentar muito mais do que uma sucessão de conversas — especialmente quando visa constituir um presente a alguém de que gostamos tanto.