Máscara de Ferro (2023)

O luto é um esporte de combate

título original (ano)
Manbun-ui Ilcho (2023)
país
Coreia do Sul
gênero
Drama, Suspense, Esporte
duração
100 minutos
direção
Kim Sung-hwan
elenco
Joo Jong-hyuk, Moon Jin-Seung, Min-cheol Choi, Lee Ju-Yeon, Ji-a Park, Jeon Jin-ki
visto em
Mostra de São Paulo 2023

Para o diretor Kim Sung-hwan, o esporte equivale à guerra, em vários sentidos do termo. A competição de kendo — arte marcial tradicional, utilizando espadas de bambu — pode provocar a morte, seja pela exaustão dos treinos, seja pelos perigos físicos que afetam os atletas de alto nível. A exemplo dos campos de batalha, este também é um território essencialmente masculino. Todos os afetos, desejos e ódios circulam entre homens, sejam eles colegas de luta, treinadores ou pais.

Assim, o autor idealiza um campo de treinamento de aparência secreta, cortado da sociedade lá fora. Uma vez inscrito nesta preparação de elite, o jovem renuncia ao uso de telefones celulares, permanecendo em isolamento, onde pensará apenas no preparo físico e nas competições. A cada semana, os piores são eliminados, até sobrarem apenas cinco lutadores principais. Eles lutam entre si, dormem num mesmo galpão, fazem as refeições lado a lado. 

O confinamento artificial e extremo, reproduzindo um aspecto de reality show, se encarrega de despertar os conflitos que interessam ao longa-metragem. Como se a busca pela perfeição não fosse o bastante, o protagonista Kim Jae-woo passa a enfrentar ninguém menos que Hwang Tae-su, o assassino de seu irmão mais velho. O rapaz constitui o melhor esportista de toda a Coreia do Sul, tendo sido treinado pelo pai de Jae-woo, que abandonou a família para se dedicar ao pupilo.

Um estudo sobre a inabilidade dos homens em lidar com seus sentimentos. O drama enaltece esta forma viril e brutal de lidar com as perdas — ou seja, partindo em guerra contra os adversários.

Como se pode perceber pela sucinta sinopse acima, Iron Mask (título internacional) não constitui uma fábula muito sutil. As rivalidades se tornam escancaradas, acessórias, previsíveis. O embate entre os dois garotos ultrapassa de imediato o caráter do esporte, tornando-se um acerto de contas em nome do irmão morto num acidente, e do pai que teria trocado o filho biológico por aquele simbólico. Tae-su retirou do jovem Jae-woo um irmão e um pai. Por isso, o herói parte em busca de vingança, com uma espada de bambu nas mãos.

Alguns aspectos interessantes começam a surgir no horizonte narrativo, a exemplo do homoerotismo: o protagonista nutre uma verdadeira fascinação pelo inimigo. O desejo, a inveja e o ciúme se misturam. Para o novato no acampamento de esportes, resta observar obsessivamente seu adversário, em quem admira a potência, a força, a maestria. Cada encontro entre ambos produz a faísca intermediária entre o desejo sexual e o desejo de assassinato. Pena que o filme, tímido na abordagem de sugestões, não leve este subtexto adiante.

Pelo contrário, o diretor prioriza as estratégias clássicas de imersão. Para ele, o espectador deve ficar tenso pelo herói, sentir a dor das lutas, o cansaço dos treinos, o peso dos movimentos. Em outras palavras, prefere apelar às sensações em detrimento do distanciamento e da razão. Isso significa o emprego de um sem-número de recursos “sensíveis”, provenientes do arsenal hollywoodiano. Tudo o que possa causar impacto, suscitar espetáculo ou aumentar a tensão, será utilizado sem reservas pela mise en scène.

Logo, entram em cena planos de detalhe das mãos, pés, sabres, máscaras. Multiplicam-se os planos em câmera lenta; a redução da profundidade de campo com imagens desfocadas, ou de foco variável; os planos curtíssimos; a trilha sonora de pianos misteriosos e cordas sombrias. A montagem dança e pula mais do que os jovens mascarados, alternando das mãos aos pés, ao sabre, ao detalhe do olho, à sombra no piso de madeira. Ao invés de um foco preciso, nota-se a vontade utópica de estar em todos os lugares, atento a tudo e todos. Há uma curiosa intenção de onipresença e onipotência nesta maneira de filmar.

Em paralelo, o protagonista é condenado à dinâmica do descontrole. Cada cena é destinada a nos lembrar que Kim Jae-woo está tremendo de raiva, prestes a assassinar seu rival, embora precise manter o decoro de uma competição repleta de regras. Logo, ele se exalta, corta as mãos, derruba um colega, vomita, briga com a analista de imagens, briga com o treinador, etc. Kim Sung-hwan adora repetir que o atleta está prestes a explodir, podendo revelar seu segredo e suas reais intenções a qualquer momento. Aguarde um pouco mais, caro espectador, em breve a guerra começa de fato. E nós, espectadores, permanecemos na antessala do caos, sob promessa constante de sangue e reparação.

Máscara de Ferro passa a utilizar metáforas bastante evidentes para o dilema do herói. A primeira consiste na equiparação entre dor física e dor psíquica. Quanto mais Jae-woo sofre em testemunhar a presença de Tae-su (e em percebê-lo melhor lutador do que si próprio), mais ele se machuca, em gestos que beiram o proposital. Em seguida, o rapaz tem dificuldades em deixar o pai partir — literalmente, quando não consegue soltar o caixão para o enterro. Quando faz as pazes consigo mesmo, as bolhas da mão aparecem milagrosamente curadas. Trata-se de simbologias cujo significado é esmiuçado, revelado, repetido. Não se confia muito na capacidade do espectador em compreender insinuações por conta própria.

Resta a impressão de que a obra constitui um estudo sobre a inabilidade dos homens em lidar com seus sentimentos. Incapaz de atravessar o processo de luto, Jae-woo desconta no esporte a sua frustração. Na impossibilidade de se perdoar pela morte do ex-colega, Tae-su investe toda a sua energia e motivação na luta. Revoltado com a perda do filho, o pai e lutador simplesmente foge de casa. Caso estes homens fizessem uma terapia, conversassem a respeito do que sentem, chorassem e superassem as dores, esta trama não existiria.

Mais do que isso, o drama enaltece esta forma viril e brutal de lidar com as perdas — ou seja, partindo em guerra contra os adversários. Com seu arsenal histriônico de recursos imagéticos e sonoros, o filme interpreta a vingança enquanto movimento operístico dos homens envolvidos. O cineasta admira seus personagens pela coragem e força, sem perceber que talvez a incapacidade de agirem de outra maneira os torne, na verdade, frágeis e pequenos. Ora, o autor ainda os prefere à moda antiga, externalizando no músculo toda a sua raiva. Autoconhecimento e saúde mental são coisas de fracotes, aparentemente.

Máscara de Ferro (2023)
5
Nota 5/10

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