Ménage (2022) pretende representar uma visão crítica em relação à política institucional e às relações de gênero e classe no país. No centro da trama, encontram-se três políticos corruptos, sórdidos e egocêntricos, preocupados em ocultar o cadáver de uma prostituta morta por overdose após uma noite no motel. Os criadores enfatizam o mau-caráter dos heróis, a facilidade em se ocultar um crime, o descaso do trio com a garota. Importa apenas se reeleger, manter a honra da família, fechar novos esquemas ilícitos enquanto se brinda com champanhe na banheira luxuosa de uma cobertura.
Através deste panorama catastrófico do Brasil, o diretor Luan Cardoso lança alguns recados: a política institucional é composta apenas por ladrões e assassinos, não há sinal de melhorias no horizonte; todos buscam apenas o prazer e o benefício próprio. Estamos perdidos, no fundo do poço. Trata-se de uma obra alarmante, para a qual a crítica se limita à constatação do caos. Caso o espectador ainda não saiba, ele vive num país desigual e violento, cabendo ao cinema, no ponto de vista dos autores, denunciar este absurdo. Grita-se, a quem quiser ouvir, as mazelas de uma sociedade em ruínas.
Os problemas começam, portanto, nesta visão simplória dos laços sociais. É óbvio que existem representantes perversos e falcatruas nos bastidores da política — alguém duvidaria? Entretanto, a sordidez constitui um ponto de partida, e também de chegada: o diretor lança esta hipótese para, após quase noventa minutos, chegar à mesma confirmação enunciada a princípio. O texto jamais busca as origens desta situação, suas transformações, as possibilidades de saída, as diferenças em termos de intensidade, de modus operandi, de objetivos. Esta corrupção crônica se converte em algo abstrato, um grande vilão sem criadores, nem maneira de combater, posto que invisível e generalizado. Paira uma sensação de conformismo e fatalismo: o Brasil funciona assim mesmo, e nada indica que possa mudar.
Ainda mais questionáveis são as escolhas estéticas destinadas a representar o panorama de desolação. O cineasta aposta num coquetel de recursos de impacto, visando transmitir choque, repulsa ou outras reações epidérmicas. Dá-lhe banho de sangue sobreposto a drogas injetáveis; planos de detalhe de camisinhas usadas e corpos nus de mulheres jogadas na cama como um pedaço de carne; planos inclinados, luzes vermelhas e azuis muito fortes; gritos e ruídos na banda sonora; câmeras agitadas; gelo seco em internas; corpos femininos agonizando em sacos plásticos; uma dúzia (pelo menos) de sequências com o trio cheirando carreiras de cocaína.
Ménage sofre de um problema comum a tantas obras jovens: a sedução pelo sistema que pretende denunciar. Cardoso e sua equipe utilizam um sem-número de adornos e intervenções, especialmente em pós-produção, para deixar a obra ainda mais “suja”, “perversa”, “incômoda”, em termos de luzes, cores, sons abafados, distorcidos ou retirados, e montagem fragmentada, caótica, aproximando o real do pesadelo. É difícil acreditar que o autor repudie de fato esta violência, posto que a demonstra com tamanha fascinação, próxima do fetiche erótico.
É difícil acreditar que o autor repudie esta violência, posto que a demonstra com tamanha fascinação, próxima do fetiche erótico.
O longa-metragem se deleita com cada “pu-ta”, “pu-ta-ria” verbalizado com prazer pelos atores. Existe notável prazer em filmar a nudez de belas mulheres, a violência dos homens, as mortes, as drogas. Trata-se de um cinema pulsional no sentido mais imediato do termo e, justamente por ser tão preso às sensações, o resultado se mostra incapaz de efetuar um mínimo passo para trás necessário para observar aquele contexto com distanciamento. Algumas vozes preconceituosas costumavam acusar o cinema nacional de se limitar a “putaria e drogas” — um argumento ridículo, é claro, proferido por pessoas que não assistem aos filmes brasileiros. No entanto, projetos como este reforçam a impressão de um cinema apressado, urgente e frenético, composto por uma câmera na mão, uma mulher pelada e uma carreira de cocaína sobre a mesa.
Assim, incomodam tanto os aspectos técnicos quanto a ideologia de sua utilização. O cinema nacional de baixo orçamento costuma encontrar alternativas excelentes para driblar dificuldades e explorar o aspecto limitado a seu favor. Aqui, em contrapartida, a equipe ignora as deficiências e aposta em efeitos que o tamanho da produção não comporta. Uma vaidosa câmera giratória em torno dos amigos no motel sofre com dificuldades de estabilização da imagem e a sombra do operador de câmera nas costas dos atores. O som em internas, em especial nas cenas perto da piscina, possui forte eco, e as cenas internas (a reunião do político com voluntários) sofrem com fraco tratamento de luz, cores e som direto. Ironicamente, o único plano com real esmero de luz, som e enquadramentos reside no corpo ensaguentado da mulher contorcendo-se sedutoramente enquanto luta para sobreviver num saco transparente.
Os atores se esforçam: diante da ingrata tarefa de representar caricaturas do imaginário popular, colocam em prática algumas ferramentas para atenuar o exagero da direção. Francisco Gaspar traz certa doçura, ou pelo menos hesitação, ao sujeito negociando propina numa banheira de luxo. Vinícius Ferreira, apesar de condicionado a uma sequência grosseira de paranoias rumo ao final, encontra pequenas variações no personagem (vide o confronto verbal com o colega cujo assassinato havia encomendado ao telefone). Já Lino Camilo felizmente abandona a postura de sujeito fraco e irresponsável, do terço inicial, para rivalizar com os colegas. Destaque para Ana Souto, no papel de uma das únicas personagens dotadas de ambiguidade entre o conhecimento e a ignorância, entre o carinho e a agressão.
Às personagens femininas, cabe somente o papel de prostitutas, auxiliares ou figuras servis — com direito a uma empregada doméstica negra tipicamente novelesca, que se alegra em propor uma tapioca para aliviar o dia triste do patrão. Figuras monstruosas passam pelos corredores de um prostíbulo, e outras assumem a vocação de zumbis sanguinolentos ao final. Em oposição a um novo cinema de gênero, cada vez mais filiado ao empoderamento das minorias, Ménage proporciona um ponto de vista antiquado, do tipo que encontra no suspense e no horror uma maneira de explorar, estética e simbolicamente, o corpo de mulheres, de pessoas negras e pobres. Ninguém se preocupará com a pobre prostituta morta, muito menos o filme, para quem o cadáver resta uma imagem acessória de nudez feminina.
Ora, “mas é exatamente isso que se denuncia!”, costumam argumentar as vozes criativas diante de críticas como as enunciadas acima. Afinal, não se baseia num conto intitulado “Escroto” à toa. No entanto, a mera menção a estereótipos negativos não equivale a criticá-los, subvertê-los, e muito menos a propor algum modelo capaz de substitui-los. Pelo contrário: a obra se satisfaz com o prazer da sordidez, convertida em meio e finalidade do discurso. O gesto equivale à voz exaltada daquele sujeito embriagado nos balcões dos bares, gritando aos clientes que o mundo está perdido, ninguém presta, e há conspirações em cada esquina. É pouco, muito pouco, enquanto expressão cinematográfica e visão de mundo.