Mon CRS (2022)

O sofrimento do homem hétero

título original (ano)
Mon CRS (2023)
país
França
gênero
Drama, Romance
duração
23 minutos
direção
Marc Martin
elenco
Mathis Chevalier, Othmane
visto em
Mostra Quelly 2023

Então há espaço, na Mostra Quelly, para a redenção das minorias através do amor romântico. Também se abraça o universo queer pelos olhos do homem branco, cis e hétero, a quem se oferece uma escolha: aceito ou não aceito uma travesti em minha vida íntima? É ele quem sofre, ao descobrir que a belíssima cantora de um show não corresponde a uma mulher cisgênero. O que fazer então? Lutar contra seus desejos? Agredir o casal de homens que se beija no banheiro? 

Entre os títulos exibidos da seleção do evento maranhense até agora, este curta-metragem é o único que privilegia o olhar da maioria sobre as minorias. Também corresponde à única representação da transexualidade enquanto enganação, fingimento, capaz de seduzir homens-padrão (no corpo e na maneira de pensar) que acreditavam ter encontrado o grande amor da sua vida. Em uma programação dominada por imaginários da transexualidade e das travestis, este seria o ponto fora da curva, numa concessão atípica à percepção de gosto do público médio.

Isso porque o ator Mathis Chevalier tem seu corpo musculoso explorado de todas as formas possíveis pelo diretor Marc Martin. Ele é visto fazendo exercícios no apartamento onde mora; deitando-se na cama apenas de cueca branca; tomando banho na banheira. O rapaz posa mais do que atua. Está descamisado na maior parte das cenas. Segura uma garrafa de leite perto da virilha, e deixa o líquido escorrer sobre o peito. Depois, lustra seu coturno em movimentos que remetem à masturbação.

A canalização do desejo através do humor soava como uma saída lógica ao filme. Caso satirizasse as convenções desta ultra masculinidade, reforçando sua artificialidade, o resultado poderia atingir um discurso mais engajado. No entanto, a abordagem é seríssima em sua admiração, preferindo louvar a imagem da montanha-de-músculos. O filme o deseja, o vangloria, ao invés de perceber o quanto o protagonismo branco-masculino-hétero-cis pode ser contraproducente em relação à possível namorada travesti (Othmane), que tem pouco a fazer além de servir de motor ao desejo dele

O male gaze, o olhar masculino, encontra-se em primeiro plano no projeto. Por este motivo, na conclusão, a artista é transformada em plateia, testemunhando o corpo do ator se movimentando no topo de um prédio, enquanto ele domina simbolicamente o palco. O sujeito transfóbico se desconstrói e aceita namorar uma travesti! Deveríamos aplaudi-lo pelo “ato de coragem”, por tê-la “aceitado”, ou considerar que o respeito à subjetividade da cantora não constituía mais do que uma obrigação (do herói e do curta)? O projeto romantiza o conto de fadas do príncipe encantado, chegando para salvar a princesa indefesa — vide o resgate na rua, em referência a O Guarda-Costas

Este princípio poderia adquirir contornos diferentes caso a paixão fosse vista pelo olhar da performer, decidindo se quer ou não investir em tal relacionamento. Ora, no curta francês, a cantora não possui escolhas. Se acaso a quiserem, ela é destas mulheres que só dizem sim. Outro caminho se encontraria no abandono da mensagem de autoajuda, predominante na narrativa inicial, rumo a uma estética arrojada e subversiva uma vez que o romance se concretiza. Nada disso: o sexo ocorre sob os lençóis, tal qual uma telenovela, com direito a trilha sonora romântica, contraluz alaranjado e dedos arranhando as costas do homem amado.

Por fim, Mon CRS mergulha em códigos do imaginário televisivo e publicitário a respeito dos corpos cis e trans. As falas do policial transbordam de frases de efeito: “Todos temos sonhos de infância”. “Eu me exibo no espelho, mas tenho medo”. “Boxe é como encarar uma página em branco”. “Ouço o vento acariciando as árvores”. Ele poderia completar: “Just do it”. “Keep walking”. “Use filtro solar”. 

Curiosamente, o criador eleva estas marcas e reflexões, tão próximas do humor autoparódico, ao patamar de um grande ensinamento de vida. Aparenta se dirigir ao público cishétero (“Aceite as mulheres trans”, “Expanda seus horizontes”) em detrimento do espectador LGBTQIA+. O terror, o gore, o ridículo, a fantasia, o kitsch, que faziam tão bem em produções como Panteras, Quinze Primaveras e Godasses Parte III: Jamal Phoenix estão ausentes no romance francês. A obra ocupa um universo e um ponto de vista totalmente distinto em relação ao cinema queer. 

Mon CRS (2022)
3
Nota 3/10

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